editorial |
O Estado de S. Paulo |
8/2/2008 |
Os argumentos usados pelo governo Lula para defender-se no “escândalo dos cartões” - que adquire dimensões antes insuspeitadas, com a divulgação diária de novos abusos - revelam, para dizer o menos, a baixa avaliação que muitos integrantes da cúpula governamental fazem da capacidade crítica (para não dizer da inteligência) dos brasileiros. Afirmar, como o fizeram com palavras diferentes, mas no mesmo sentido, o ministro das Comunicações, Franklin Martins, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da Republica, general Jorge Armando Felix, que a revelação de gastos feitos com cartões corporativos, por funcionários, assessores ou familiares do presidente da República, assim como das despesas do Palácio (incluindo as com churrascos e com lavanderia), compromete a “segurança nacional” - por colocar em algum risco a “segurança” do presidente da República e de seus convidados -, é, realmente, dose de elefante! Esse hábito de fazer pouco do discernimento da sociedade proporciona cenas hilariantes. Mas também justifica apreensão. O general Félix afirma que, se dependesse dele, os gastos das pessoas sob a proteção do serviço de segurança não seriam revelados no Portal da Transparência. Ora, vejam só: no Reino Unido, todos os gastos da família real são divulgados às minúcias nos tablóides e nem por isso alguém já disse que a “segurança nacional” britânica é posta em risco. E lembremo-nos de que foi o próprio presidente Lula quem, em 2005, por ocasião do lançamento do Portal da Transparência (onde são obtidas as informações sobre o uso dos cartões), afirmou: “É nossa intenção que o povo brasileiro seja estimulado a dar sua contribuição no controle e fiscalização.” E é, justamente, essa a contribuição que está sendo dada, através dos veículos de comunicação social - contribuição para que o leitor possa distinguir o que é “segurança nacional” do que é mera desfaçatez dos que se lambuzam até com as pequenas benesses do Poder. Também tem ares de escracho a estratégia utilizada pelo governo no Congresso. Sua liderança antecipou-se à oposição - que pretendia instalar uma CPI mista sobre o uso dos cartões corporativos, criados em 2001 - na criação de uma CPI apenas no Senado, ampliando-a para abranger os gastos do governo desde 1998, incluindo as contas B, relativas ao segundo mandato do presidente Fernando Henrique. Quem é líder do governo Lula e foi líder do governo FHC, como o senador Romero Jucá (PMDB-RR), pode ser acusado de tudo, menos de falta de esperteza. Ao atropelar a oposição, obtendo 35 assinaturas (mais do que as 27 necessárias) e protocolando na Mesa do Senado o pedido de instalação da CPI dos Cartões, o líder governista usou a eficiente estratégia de investigar tudo para não investigar nada. É claro que o problema dos cartões corporativos não está em seu uso, mas sim em seu abuso. O que deveria ser uma forma racional de fazer frente a despesas emergenciais de altos servidores públicos no exercício de suas funções, poupando-os da penosa burocracia, transformou-se numa fonte de gastos mal explicados e até de prebendas pessoais. Em princípio, ninguém se deveria opor (nem a oposição) a que sejam investigados todos os gastos governamentais dos últimos dez anos, como pretende o líder do governo no Senado com sua manobra, ao que se diz, avalizada pelo próprio presidente Lula. O que é difícil de deglutir, em termos éticos, é o brandir da espada investigatória, como arma dissuasória, pelos investigados, em termos de “não venha me investigar, que te investigo”. Seja como for, conviria reter o que disse o experiente senador Efraim Moraes: “O governo deu um tiro no pé. Todo mundo sabe como uma CPI começa, mas ninguém sabe como termina.” Afinal, o que originou essa onda toda que já parece um tsunami foi a “disparada” dos gastos com cartões no governo Lula. O cartão foi criado pelo governo FHC em 2001, ano em que se gastaram com ele R$ 96,00. Isso mesmo, noventa e seis reais. Em 2002 o gasto foi de R$ 3.620.945,00. Em 2003, primeiro ano de Lula, o total pulou para R$ 8.774.039,00. Daí em diante a escalada foi geométrica até atingir R$ 78.029.530,00 em 2007. O tiro não foi no pé. Foi pela culatra. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, fevereiro 08, 2008
Segurança nacional?!
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