Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, março 31, 2009

Sem teto, sem terra e sem governo

Sem teto, sem terra e sem governo
Sem teto, sem terra e sem governo
www.sponholz.arq.br

Revendo conceitos (Adriana Vandoni)

Prosa e Politica,

No sábado eu assisti a entrevista da Folha com o ministro Gilmar Mendes que foi reprisada pela TV do STF. Gostei do que vi. No programa entre diversas questões, a jornalista Monica Bérgamo bateu duro no episódio do caso Dantas, e pareceu-me que, mais importante que soltar Daniel Dantas, ao tomar a decisão de conceder o segundo habeas corpus, o que Gilmar Mendes quis foi reafirmar o poder do STF sobre a instância inferior da justiça. Se olharmos com olhos menos ideológicos e macartistas, o juiz De Santis realmente quis passar por cima do Supremo, e usa a imprensa e os blogs inclusive, para atrair a opinião pública e realizar arbitrariedades que apenas beneficiam “supostos” (como ele mesmo escreve em seus processos para mandar encarcerar alguém) criminosos, o que acaba os beneficiando logo adiante se realmente forem criminosos.

Nessa ânsia de justiçamento estão desmoralizando a Justiça como um todo. É claro que muitos magistrados já se encarregam pessoalmente da própria desmoralização, mas parece-me que o objetivo é ir além da pessoa do juiz, é desmoralizar o Poder Judiciário, ou as instâncias superiores do poder.

Segundo Gilmar Mendes, a determinação da segunda prisão foi baseada em um processo semelhante ao primeiro, e na entrevista tive a impressão (não que ele tenha dito isso) que a decisão dele foi mais pela afirmação do poder do Supremo sobre o juiz de SP, que, segundo o próprio ministro, junto com o delegado Protógenes, queria desmoralizar o Supremo. O episódio do De Santis x Gilmar Mendes acabou sendo um sucesso nesse objetivo de atrair a opinião pública. Hoje manifestantes da esquerda não saem para se manifestar contra Renan por ter tomado o poder no Senado, ou contra Collor por ter assumido a comissão de infra-estrutura, mas se manifestam contra Gilmar Mendes. Há algo errado aí!

Sei não, não sou advogada para emitir um posicionamento se o primeiro e o segundo habeas corpus foram corretos ou não, no primeiro momento me pareceu precipitado por parte do ministro. O segundo habeas corpus pode ter tido essa influência que citei acima, mas já estou tendo dúvidas desse macartismo que esses esquerdopatas criam e todos nós caímos, na ânsia de fazer justiça. Uma justiça rancorosa e recalcada, diga-se. Não podemos entrar no jogo deles.

A verdade é que após conquistarem o poder executivo pode ser esse o novo objetivo dessa trupe: fazer com que as instituições, como o judiciário, atuem ideologicamente, não importando que passem sobre os direitos individuais.

Eis a diferença entre Justiça e “Justiça Social”, citada por Reinaldo Azevedo em um texto. Ao conceder o habeas corpus a Daniel Dantas, Gilmar Mendes seguiu a Justiça, não se deixando se levar pelo apelo público que o queria preso. No outro lado, o promotor Matheus Baraldi Magnani ao comentar a sentença de quase 95 anos de prisão à empresária Eliane Tranchesi, disse "A sentença mostra que rico também integra organização criminosa, não só desgraçado com fuzil na mão". Este promotor está fazendo a “Justiça Social”, aquela rancorosa, recalcada.

O Protógenes está doido. Parece que os holofotes fizeram aflorar ainda mais sua loucura e, a carta dele a Obama demonstrou bem isso. Temos que ter cuidado com esses heróis ou justiceiros momentâneos. O Protógenes me lembra outro doido, que também cheguei a admirar, aquele procurador Luiz Francisco de Souza, que todos nós sabemos, usou a Justiça com fins políticos até o PT chegar ao poder. Cumpriu o serviço ao qual foi designado e sumiu. Foi tão competente como o Franklin Martins na Globo opinando sobre as poucas evidências da oposição sobre o mensalão. Com certeza ainda existem diversos outros seguidores espalhados nas instituições públicas com “nobres” intenções, e nós nos deixando usar por eles.

Editoriais dos principais jornais do Brasil 31 DE MARÇO


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Alma do negócio Dora Kramer

O ESTADO DE S. PAULO

O aumento do índice de intenções de voto da ministra Dilma Rousseff (29%) para a Presidência da República no confronto com o governador de Minas Gerais, Aécio Neves (28%), é a notícia nova que traz o instituto Sensus em relação às pesquisas do Ibope e Datafolha, divulgadas na semana passada.

As três registraram a queda na popularidade do presidente Luiz Inácio da Silva, bem como a redução da confiabilidade no desempenho do governo.

Todas confirmam a dianteira ainda folgada do governador de São Paulo, José Serra, na disputa presidencial de 2010 e também ratificam as manifestações espontâneas de preferência pelo presidente Lula, se fosse candidato.

É um cenário difícil de ser transposto para a realidade futura e tomado como verdade absoluta, porque muitas de suas variantes são hipotéticas. Umas prováveis, algumas possíveis, outras meras conjecturas sobre o inexequível, como a candidatura Lula citada por 16% dos consultados.

Nesse quadro das lembranças não induzidas, Serra cai dos 45,7%, quando a escolha é feita em lista de potenciais concorrentes, para 8,8%. Dilma fica com 3,6% e Aécio com 2,9%. Em matéria de escolha eleitoral propriamente dita, esses dados não significam nada, mas dizem muito a respeito do trabalho de divulgação de um pretendente a candidato.

Se 16% citam Lula sabendo que não estará na disputa, fazem isso porque é o nome que lhes vêm à mente em primeiro lugar, é o personagem mais presente na cena nacional. A mesma lógica pode se aplicar à evolução dos índices de Dilma, uma evidência da eficácia da ofensiva posta em prática pelo governo desde fevereiro de 2008, quando do batizado da "mãe do PAC".

Abstraindo juízo de valor sobre os métodos e a desigualdade dos instrumentos, está demonstrado o quanto, também na política, a propaganda é a alma do negócio.

Aécio Neves está na vida pública há mais de 20 anos, foi presidente da Câmara dos Deputados, é neto do fiador da transição democrática, cumpre o segundo mandato como governador do segundo colégio eleitoral do País, há um ano circula como presumido pretendente a presidente.

É bem visto no empresariado, cobiçado por partidos políticos, nos últimos meses reforçou e explicitou as investidas para se apresentar como alternativa de poder, tem estampa e juventude, inegável "appeal" e vocação à cortesia. Tanto esforço e atributos, porém, não o fazem andar para frente nas pesquisas.

Nem de maneira substancial para baixo. Ficou ali, andando meio de lado, enquanto a ministra Dilma, que nunca disputou um voto, não chegaria entre as dez primeiras em concurso de miss simpatia, não encarna grandes simbologias, não tem traquejo político, depende do capital eleitoral de outrem, conseguiu entrar no rumo de uma trajetória ascendente.

É, na percepção de uma parcela crescente, a imagem e semelhança do presidente Lula. Ainda não se trata de saber - por impossível - se com isso poderia se eleger, mas de constatar que conseguiu obter uma marca. Dilma é Lula e ponto.

Serra é o obstinado que perdeu uma vez a Presidência, retomou a trilha via prefeitura, tentou disputar outra vez sem sucesso, contornou o obstáculo elegendo-se governador e agora se empenha em definitivo para chegar lá. Serra, portanto, simboliza algo facilmente reconhecível pelo eleitorado.

Heloísa Helena é reduto dos utópicos e radicais, sucessora de Lula na representação do combate a isso "tudo que está aí".

Já o governador Aécio até agora não conseguiu se enquadrar em um perfil: fala para Minas como redentor do peso político do Estado, mas para o restante do eleitorado não se apresenta com características marcadas que agradem ou desagradem, muito antes pelo contrário.

É visto como aliado de Lula, é tido como adversário de Serra, avança e recua, movimenta-se, mas não dá o norte ao eleitor, o que traduz uma estratégia de propaganda ineficaz. Ou, então, revela uma vontade apenas relativa de realmente se candidatar agora à Presidência.

Voo cego

O delegado Paulo Lacerda, ex-diretor-geral da Polícia Federal, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência, hoje lotado na Embaixada do Brasil em Portugal, deu a um grande amigo a seguinte definição do delegado Protógenes Queiroz:

"É um investigador muito bom, mas tem de ser monitorado de perto. Se ficar quatro dias solto, por conta própria, sai voando, investiga do presidente dos Estados Unidos às relações de poder na Austrália."

Dilmo


O presidente da Câmara, Michel Temer, sabe da falta de unidade do PMDB para aderir oficialmente a alguma candidatura, mas está mesmo com vontade de ser vice de Dilma Rousseff. Pelo sim pelo não, sondou o ministro Geddel Vieira Lima sobre seus planos de ocupar a vaga.

Saiu a conversa com passe livre para investir.

A crise é do governo Lula SÉRGIO GUERRA

O GLOBO

Mudou o presidente dos Estados Unidos, o do Brasil continua o mesmo. Há poucos meses o presidente Lula dizia: “A crise é do Bush.” Agora foi a Obama pedir providências com a mesmíssima intenção: convencer os brasileiros e talvez a si mesmo que a culpa não é dele.

Se fosse só uma questão de culpas, podíamos nos sentar e esperar o juízo da história. O problema é que o subtexto do “não me culpem” é “não me cobrem mais providências”.

Aí parece demais.

Vamos começar pelas culpas intransferíveis, para cobrar as providências que o governo do PT deve ao país. Porque desculpas sinceras, já sabemos, eles devem, mas não vão pedir nunca. Não pediram pelo “mensalão”. Por que iriam se abalar agora? A culpa de Lula e seu governo não foi a de ter provocado a crise mundial, obviamente, mas eles cometeram dois erros fatais: escancararam as portas do Brasil para a crise e reagiram tarde e mal quando ela chegou.

Primeiro, nos anos de bonança com que foram contemplados, aproveitaram a superabundância de capital externo e o forte aumento da demanda e dos preços das nossas matérias-primas exportadas, não para investir em educação, saúde e infraestrutura, como o país precisa tanto. Em vez disso, patrocinaram uma verdadeira farra de juros astronômicos para os banqueiros e especuladores; a farra de importações alavancadas pelo câmbio superapreciado; a farra dos gastos de custeio, dos salários inflacionados e dos cabides de emprego para os companheiros na máquina federal. E ainda empurraram muitas empresas produtivas para a armadilha de um hedge cambial insensato, versão cabocla das pirâmides especulativas que arruinaram milhares de empresas e milhões de famílias americanas.

Mesmo dia nteda aceleração da crise, nos meses que antecederam a quebrado Lehman Brothers, o Brasil continuou subindo os juros dos títulos públicos, base da pirâmide dos juros privados siderais e fonte de gastos e déficit públicos.

Erro de economia e subordinação ao capital financeiro, que não é de responsabilidade apenas do Banco Central, mas do governo e do presidente.

Esse erro — na verdade uma sequência espantosa de erros — explica por que a crise está batendo mais forte no Brasil do que na maioria dos países, como os dados do PIB e do emprego começam a mostrar.

Segundo, quando a crise apontou no horizonte, reagiram com as bravatas de sempre. Palanque, propaganda, piadinhas e pesquisas. Pesquisas, diga-se de passagem, que refletem a popularidade do presidente no espelho retrovisor (com os primeiros sinais de desgaste), enquanto o muro da frustração cresce à sua frente. Mas a inconsequência, num quadro desses, e partindo de quem parte, tem consequências.

Do ponto de observação privilegiado em que se encontram, o mínimo que o presidente e seus auxiliares tinham obrigação de fazer era ver o tsunami chegar e tocar o alarme. Em vez disso, chamaram o povo para a praia — ou para as compras.

Em suma, esbaldaramse feito a cigarra da fábula no verão. E mentem feito Pinnochio na chegada do inverno. Tripudiam sobre a verdade ao repetir sem descanso nem pudor o conto do PAC. Não deixa de ser um verdadeiro escárnio com o país falar-se em “aceleração do crescimento” quando o PIB desaba desse jeito. “Aceleração” de 5% ao ano para zero? Mas não se dão por achados e já estão no palanque inaugurando casas de vento.

E o pior: enquanto enganam, perdem tempo quando o país mais precisa de verdade e coragem para tomar as duras decisões que poderiam, talvez, amortecer o tombo econômico nacional e amenizar o sofrimento da crise.

Com verdade e coragem, já deveriam ter revertido o que ainda der para reverter da gastança desatinada que promoveram. Já deveriam ter alinhado os juros básicos do Brasil com os do resto do mundo. Já deveriam ter implantado mecanismos que avalizassem o crédito para as pequenas e médias empresas. Já deveriam ter refeito em moeda nacional os créditos perdidos no mercado internacional pelos exportadores. Já deveriam ter começado uma verdadeira parceria com os governos estaduais e prefeituras que têm capacidade gerencial e financeira para acelerar efetivamente os investimentos.

Com pirotecnias e paliativos, prolongam a agonia e aprofundam o buraco aos seus pés, arrastando um país inteiro com eles! Os Estados Unidos tiveram ao menos a sorte de poder trocar de comando quando a crise bateu à porta.

O Brasil terá de agüentar mais dois anos desse não governo. Haja fé na democracia e paciência.


Enganam e perdem tempo, quando o país mais precisa de duras decisões
SÉRGIO GUERRA é senador (PE) e presidente nacional do PSDB.

Luiz Garcia - Adorável Nixon

O GLOBO
Não tenho o direito de dar palpite sobre cinema profissionalmente, mas — atenção ao cinismo do paradoxo — vou fazer de conta que posso fazê-lo como palpiteiro profissional. Ou como cínico de ofício, o que, no bom ou no mau sentido, todo jornalista é.

Palpite de hoje: “Frost/Nixon” —talvez o menos badalado candidato ao Oscar do ano — é mesmo uma beleza de filme. Confesso que Frank Langella, um dos poucos atores aptos a personificar Drácula praticamente sem maquilagem, nunca me parecera capaz de despertar na plateia algo mais do que o prazer inebriante de extremo pavor com absoluta segurança.

Tolo engano. O moço pode ter feito seu pé de meia com vampiros e outros cavalheiros desagradáveis, mas é também respeitável e aplaudido ator de teatro. Ganhou um “Tony” (o Oscar do teatro americano) pelo seu Nixon. Além disso, é cavalheiro de bom gosto e boa sorte: foi durante alguns anos namorado de Whoppi Goldberg.

O filme se passa alguns anos depois da queda de Richard Nixon.

Atropelado por uma quantidade impressionante de provas de corrupção e abuso de poder, ele renunciara à Casa Branca em agosto de 1974. Para quem não se lembra, basta dizer que em matéria de espionagem e sabotagem política nenhum político brasileiro, comparado com Nixon, ganharia status acima de modesto batedor de carteira.

Além disso, Nixon, desde o começo da carreira, quando era deputado pela Califórnia, tinha o charme de um vilão de velhos filmes de caubói: parecia perfeitamente capaz de amarrar a mocinha nos trilhos do trem. E sem parar de rir.

David Frost, o jornalista australiano que o entrevista, era inteligente e bemposto.

Por tudo isso, o que torna “Frost/Nixon” fascinante é o fato de que quase o tempo todo, nas conversas entre eles e na gravação da entrevista, Nixon dá um banho em Frost. E Langella consegue emprestar absoluta verosimilhança ao banho.

No fim, o mocinho ganha do bandido.

A plateia gosta, eu também, mesmo que a virada no placar seja tão artificial quanto a inevitável vitória final de um James Bond qualquer. E o roteiro chega ao fim fiel à História. Nesta, Nixon tem cara de vilão e comportamento de vilão o tempo todo. No filme, graças tanto ao roteiro quanto ao desempenho fascinante de Frank Langella, ele consegue ser quase cativante, quase o tempo todo.

“Frost/Nixon”, mesmo tendo sido candidato ao Oscar, não teve carreira muito brilhante por aqui. Vai ver, foi melhor assim. Não estamos mesmo precisando de que nos mostrem políticos vilões simpáticos e interessantes.

MERVAL PEREIRA - Sem proteção

O GLOBO

Mesmo tendo sido gerada no centro do sistema econômico internacional pelos “brancos de olhos azuis”, ou justamente por isso, a crise resultará em um “generalizado, profundo e prolongado” efeito negativo na economia da América Latina, sem distinção de países ou de quanto esta ou aquela economia está ligada aos mercados internacionais, o grau de abertura das economias ou suas condições macroeconômicas iniciais. Estas são as conclusões de um estudo dos economistas Ramón Pineda, Esteban Perez e Daniel Titelman, da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), que descartam a possibilidade de algum país estar mais bem preparado para enfrentar a crise, dada sua magnitude sem precedentes e os recentes resultados macroeconômicos da região.

O trabalho analisa o comportamento econômico de 17 países da região: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. As crises acompanhadas foram as da dívida externa (198083); a de instituições de empréstimos e poupança (198791); a mexicana (1994-95); a da Rússia (1997-99), e a da Argentina (2001-2002).

Segundo o estudo, as evidências mostram que o impacto das crises financeiras está relacionado fortemente com o grau em que as finanças externas ficam escassas e caras, e a magnitude da interrupção dos canais de comércio externo.

As evidências atuais, dizem os economistas, não permitem imaginar que os efeitos da crise serão diferentes daqueles que atingiram seriamente a região no passado.

Mais uma vez, dizem, as condições externas estão batendo forte na região.

O fluxo de financiamentos privados para a América Latina está experimentando um declínio em 2008 (US$ 184 bilhões em 2007 contra US$ 89 bilhões in 2008), e uma contração maior é esperada para este ano, quando deve cair para US$ 43 bilhões. O comércio internacional, por sua vez, deve cair mais de 2% em relação ao ano passado.

Uma análise do comportamento do PIB per capita nas crises anteriores mostra que a região teve uma queda média entre 1,2%, durante a crise argentina, e 12,6%, durante a crise da dívida.

Comportamento similar teve o investimento, com uma queda que variou entre 13,7% na crise mexicana e 46,6% na crise da dívida.

A média de redução do fluxo de financiamentos foi de 2,7% do PIB, durante a crise de empréstimos e poupança, e 8,4%, durante a crise da dívida, enquanto a contração média das exportações foi de 4,1% durante a crise mexicana e 38,2% durante a crise da dívida.

Desde o segundo semestre de 2008, o fluxo de capitais privados está decaindo em uma média de 2% do PIB da região. O comércio internacional também está previsto para cair mais de 2% durante este ano.

As evidências também mostram, segundo o estudo, que, nas ocasiões anteriores de crise, a piora das condições externas é acompanhada pela contração da atividade econômica em muitos países da região, pelo mesmo período de tempo.

Já tendo sido superada a fase em que se acreditava que poderia haver um descolamento das economias regionais em relação à crise global, agora se discute até que ponto os governos da região terão condições de adotar uma política contra-cíclica para evitar os efeitos da crise.

O estudo admite que a melhora nas condições econômicas internas nos últimos seis anos, incluindo uma posição fiscal mais equilibrada, a redução da dívida externa, o controle da inflação e a acumulação de reservas internacionais por alguns países da região, estão ajudando alguns países a financiar essas políticas.

O Brasil, segundo o estudo, é um dos países que menos dedicaram recursos a estas políticas contracíclicas: enquanto colocamos 1% do PIB nessas políticas, a Argentina colocou 5,7%; a Bolívia 1,9%; o Chile 2,2%; a Colômbia 4,2%; a Costa Rica 0,7%; a Guatemala 0,8%, Honduras 0.6%; o México 0,6%; e o Peru 2,4%.

No entanto, para os economistas da Cepal, não obstante os esforços para mitigar os efeitos da crise, esses devem ser insuficientes para evitar a estagnação ou mesmo a contração da atividade econômica da região, devido ao caráter sistêmico da crise atual, além da sua magnitude incomparável.

O estudo mostra que, desde os anos 80 do século passado, a crise se abate sobre a região de uma maneira generalizada, profunda e prolongada, independentemente das especificidades de cada país.

As consequências econômicas negativas e o acesso restrito aos financiamentos externos são comuns a vários países da região, a despeito da heterogeneidade das economias.

Uma das facetas dessa crise é o aumento da remessa de lucros e dividendos pelas empresas estrangeiras para cobrir dívidas no exterior, especialmente as empresas dos Estados Unidos. As empresas automobilísticas, por exemplo, têm ótimo desempenho aqui e o governo ajuda a manter seus lucros com a redução de impostos. Ao mesmo tempo, elas aumentam a remessa de lucros para suas sedes.

O ex-ministro José Dirceu, reforçado politicamente no papel de um dos articuladores da campanha presidencial da ministra Dilma Roussef, denunciou outro dia em seu blog a remessa para o exterior de US$ 33,8 bilhões em lucros e dividendos. Dirceu está errado ao pedir um maior controle do capital estrangeiro, e ao afirmar que esses investimentos não ajudam na produção, são meramente especulativos.

Mas saída maciça de capitais é verdade, tanto que, no ano passado, estávamos remetendo de volta para os Estados Unidos muito mais capitais do que a China, quando há muito mais capital americano na China do que no Brasil. O que indicaria que a confiança na economia brasileira não é tão grande quanto alardeia o governo.

Editoriais dos principais jornais do Brasil


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Escolhas erradas Miriam Leitão

O GLOBO

A resposta do governo à crise continua tendo os mesmos defeitos: alguns setores são beneficiados, e não toda a economia, e os incentivos são dados sem qualquer contrapartida. Os automóveis, produto para classe média e ricos, têm renúncia fiscal; os trabalhadores das montadoras terão garantia do emprego, mas os do setor sucroalcooleiro não têm nem a garantia das leis trabalhistas.

Nos Estados Unidos, a ajuda às montadoras foi dada com contrapartida ambiental.

Aqui, nada foi pedido às montadoras, exceto manter o emprego dos funcionários, o que cria uma distorção na economia: todos os brasileiros podem ser demitidos, exceto os trabalhadores do setor automobilístico e os funcionários públicos.

Ontem foi o dia dos carros, aqui e nos EUA. Lá, o presidente da General Motors caiu porque o governo recusou o plano, feito pela antiga direção, de ajuste e adaptação às exigências para receber a ajuda do governo.

Não quero comparar a ajuda lá, que são bilhões diretos do contribuinte para os cofres das montadoras, e a renúncia fiscal aqui, mas apenas insistir que essa é uma ótima oportunidade para induzir mudanças nas escolhas das empresas.

O novo presidente da GM terá 60 dias para apresentar um novo plano, mas já começou avisando que os novos carros serão diferentes.

Frederick Henderson disse que a montadora está uma ou duas gerações atrás em tecnologia verde para carros e que a empresa vai aprender a ganhar dinheiro com carros leves, e não apenas SUVs. Outra exigência é a de um ajuste fiscal na empresa, que vai separar ativos bons e passivos difíceis de serem digeridos, como o fundo de pensão dos funcionários.

Tudo lá é diferente, mas o importante é ver a postura dos governos: na ajuda aos setores industriais, a administração Obama tem pedido contrapartida. O governo Lula prorrogou a redução de IPI para carros e caminhões pedindo, apenas, a manutenção do emprego. Vale lembrar que as fabricantes de caminhões não cumpriram a exigência do Conama de produzir, a partir do começo de 2009, apenas caminhões com motores adaptados ao diesel limpo. Depois de sete anos de demora, elas disseram que não estavam preparadas e tiveram mais três anos de prazo para entregar aqui o que já entregam em outros países há anos. Esta, por exemplo, poderia ter sido uma contrapartida.

A falta completa de preocupação ambiental do governo Lula é tão impressionante que ontem eles reduziram para zero o IPI para chuveiro elétrico, altamente consumidor de energia, e que tem sido abandonado em outros países. Chuveiro elétrico já tinha tido uma redução de IPI e agora foi zerado junto com outros materiais de construção convencionais, como cimento e tijolo. O Ministério do Meio Ambiente havia pedido que fosse equalizado o imposto do chuveiro (que era de 5%) com o de placas para aquecimento solar (que paga 18%). Ontem, o MMA disse que a decisão “ainda não foi tomada” e continua sendo analisada “pela Fazenda e a Casa Civil”.

Ontem, o Codefat autorizou o Banco do Brasil a prorrogar por mais dois anos o pagamento da dívida rural na linha FAT Giro Rural. A dívida é de R$ 4 bilhões e a primeira parcela começaria a ser paga hoje. O agronegócio está conseguindo um pacote de ajuda para os setores sucroalcooleiro e de produção de carne, campeões em flagrante de trabalho escravo. A pecuária tem relação direta com o desmatamento da Amazônia. O BNDES vai fazer uma clássica operação hospital, dando R$ 200 milhões para um frigorífico quebrado, que tem abatedouros em área de desmatamento.

Em nenhuma ajuda foi negociada qualquer mudança de conduta, seja na relação com os trabalhadores, seja no respeito ao meio ambiente. Tudo se passa como se o governo brasileiro não fosse deste planeta.

A relação veículo/habitante no Brasil, segundo a Anfavea, é de um veículo para cada oito habitantes.

Isso é a média geral, levando em conta a população brasileira e a frota considerada pela Anfavea, de 25,5 milhões.

Só para comparar, esta mesma densidade nos EUA é de um veículo para cada 1,2 habitante, no Japão é de um veículo para cada 1,7 habitante, no México é de um para 4,7 pessoas, na Argentina é de um carro para 5,2 habitantes, todos dados da Anfavea.

O censo 2000 disse que 54,4 milhões de brasileiros moravam em domicílios que tinham um ou mais carros, o que naquela época representava 32% da população.

Imaginando que esse percentual tenha crescido um pouco, porque as vendas de veículos cresceram — apesar de a maioria dos novos carros ter sido comprada pelas mesmas famílias que tinham carros antes, alguns novos entraram no mercado —, mesmo assim, quem tem carro é a classe média e daí para cima. Os dois dados mostram que os motorizados não chegam a 40% da população. Sendo que os que compram carros zero são exatamente os que têm maior renda.

O governo fez uma medida que vai beneficiar apenas a classe média e os ricos, protegeu os trabalhadores apenas das montadoras, ajuda o agronegócio sem fazer exigência de mudança de conduta. Está perdendo a chance de mudança aberta pela crise.

segunda-feira, março 30, 2009

Editoriais dos principais jornais do Brasil


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Tempo e paciência Luiz Carlos Bresser-Pereira

FOLHA DE S. PAULO

A medida para a compra de títulos podres nos EUA é inovadora e abre espaço para o próprio mercado atuar

O PROGRAMA anunciado na última semana pelo Tesouro americano, de subsídios aos investidores privados para que comprem títulos podres, está recebendo críticas fortes porque não resolveria o problema fundamental dos grandes bancos americanos, que é o da subcapitalização. Em vez de elogiarem o governo porque é uma ideia nova e bem estruturada do ponto de vista financeiro, representantes tanto da direita inteligente quanto da esquerda preocupada com a socialização das perdas protestaram.

Os primeiros reagiram negativamente porque, com essa medida, adiou-se a estatização dos bancos mais atingidos que julgam inevitável; os segundos, porque é mais um subsídio ao setor financeiro.

Estou de acordo com Alan Greenspan e a "The Economist", segundo os quais a estatização provisória dos principais bancos provavelmente será, afinal, a solução. A experiência de longa depressão do Japão por não haver adotado essa política quando estourou a bolha financeira, em 1990, é bem conhecida. Compreendo a indignação do cidadão comum americano ao ver o governo aplicar bilhões de dólares no salvamento dos bancos. Mas compreendo também a prudência de Obama em não decidir imediatamente pela estatização.

Ainda que a direita inteligente seja a principal apoiadora da política, a direita comum, que é muito grande nos EUA, vê nela o fantasma do "socialismo". Com a política de compra de ativos por fundos privados, um ativo valorizado por 100 (número-índice representando dólares) pelo mercado por meio do leilão será comprado pelo fundo que ganhar o leilão. Este investirá 7 de seu próprio dinheiro e receberá 86 como empréstimo do setor privado garantido pelo Tesouro, o qual, por sua vez, investirá os 7 complementares, tornando-se sócio da operação. Usando o velho provérbio italiano, "si non è vero, è bene trovato".

Em um momento em que precisamos urgentemente de novas ideias -não porque as velhas ideias como a da expansão da liquidez ou a da política fiscal expansiva não sejam boas, mas porque se demonstram insuficientes ou muito caras-, essa é uma bela ideia que usa do mercado para corrigir o próprio mercado.

Clóvis Rossi transcreveu em sua coluna (25/3) crítica do correspondente do "El País" nos Estados Unidos de que, "de algum modo, a cobiça (dos potenciais investidores) e a alavancagem (desta vez com fundos públicos), demonizados como culpados da crise financeira, convertem-se em receita para o resgate". O texto é bom, e a indignação, compreensível, mas não é apenas com indignação que resolveremos a crise. Havia um problema fundamental de precificar os ativos podres dos bancos, e a ideia do leilão resolve com propriedade esse problema.

O Estado é a garantia maior com a qual pode contar uma sociedade, mas, sempre que seu governo consegue contar com o mercado para resolver problemas, principalmente de precificação, é muito bom, porque, nesse caso, o mercado é a instância competente e porque, dessa forma, ele se reanima e se fortalece -algo de que está muito precisado.

É possível que essa nova medida não seja suficiente para resolver o problema da subcapitalização dos grandes bancos americanos e que a nacionalização de alguns deles se revele afinal inevitável, mas é uma medida inovadora que abre espaço para o próprio mercado atuar e, se não resolver todos, resolverá uma parte dos problemas. O presidente Obama está pedindo "tempo e paciência" das pessoas diante da crise. Esperemos fazendo figa para que dê certo.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação:

Um Estado forte Fernando Rodrigues

FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Sai nos próximos dias o valor torrado pelo governo Lula em publicidade em 2008. A cifra ficará perto de R$ 1 bilhão. Os gastos em patrocínio federal no ano passado já foram divulgados: bateram em R$ 918 milhões.

Dois buracos negros ainda persistem nessa área. Não se sabe o volume aplicado em publicidade legal (publicação de balanços) nem o custo de produção das peças publicitárias. Esse último é um segredo nunca revelado pelo governo nem pelas agências acostumadas a mamar nas tetas generosas de Brasília.

A estimativa para as despesas com publicidade não conhecidas gira em torno de R$ 250 milhões a R$ 350 milhões por ano.

Tudo considerado, a administração federal consome anualmente, por baixo, R$ 2,2 bilhões com ações de propaganda e marketing. É dinheiro em qualquer lugar do mundo. A Unilever (dona de marcas como Kibon, Omo e Dove) gastou R$ 1,75 bilhão com propaganda no ano passado no Brasil.

É positivo o governo Lula divulgar, mesmo parcialmente, seus gastos publicitários. Permite aos brasileiros se indagarem se o país melhora, torna-se mais desenvolvido, quando a Petrobras patrocina as camisas de futebol do Flamengo ou bancos estatais financiam corridas de rua. Ou se há ganho social quando o Planalto faz campanha na TV para estimular o consumo durante a atual crise econômica.

Lula esteve no Chile no fim de semana. Defendeu, mais uma vez, "um Estado forte". O cerca de R$ 1 bilhão de patrocínio estatal para cultura, esportes e outras áreas se insere nessa ideologia lulista.

Pode-se argumentar que, em muitos países industrializados, sobretudo europeus, o Estado financia a cultura. É verdade, mas em geral é dinheiro direto. Aqui, há a intermediação das estatais. Uma caixa preta da qual só conhecemos os valores totais, nunca os detalhes.

Brancos e negros Carlos Alberto Sardenberg

O ESTADO DE S. PAULO

Quando o presidente Lula afirmou que a crise foi criada por brancos de olhos azuis não estava querendo dizer que todos os banqueiros do mundo rico são brancos de olhos azuis. Pelo menos parecia apenas uma figura de expressão.

Mas, cobrado, Lula acrescentou que não conhecia nenhum banqueiro negro. Aí é uma baita falta de informação, sobretudo porque um banqueirão negro, Stanley O?Neal, era uma das estrelas de Wall Street e foi considerado um dos principais responsáveis pela crise. Tanto que perdeu o emprego de presidente (CEO) do Merrill Lynch.

Além disso, está no cargo de presidente do Citigroup o indiano Vikram Pandit, que está longe de ser branco.

Mas deixemos isso de lado. Na verdade, o que importa é a tese sustentada por Lula e que pode ser assim resumida: os pobres são sempre vítimas da globalização; os ricos se beneficiaram da globalização e criaram a crise; e agora os ricos passam a conta para os pobres, fazendo com que a crise seja maior para estes lados - e a expressão "pobres" aqui resume países, pessoas, negros, índios e todas as minorias.

De tudo isso, a única coisa certa é que a crise começou no coração do sistema, em Wall Street, nos Estados Unidos, e no mundo rico. O resto é falso.

O Brasil, por exemplo, se beneficiou largamente da globalização recente.

Nossas exportações saltaram de US$ 60 bilhões em 2002 para quase US$ 200 bilhões no ano passado. No período 2006/08, as empresas brasileiras levantaram nada menos que R$ 430 bilhões com a emissão de ações, debêntures, notas promissórias e recebíveis.

A maior parte desse dinheiro veio de fora, lá da ciranda financeira, e foi aplicada em usinas de açúcar e álcool, exploração de petróleo, construção de casas, financiamento de automóveis e por aí foi, gerando renda e emprego.

De outro lado, a crise é muito mais severa no mundo desenvolvido. Praticamente todos os países ricos estão em recessão, há desemprego e perda de renda. Lá é tsunami, como disse o próprio Lula, acrescentando que a coisa por aqui seria uma "marolinha".

Naquele momento, quando se tratava de afastar o espectro da crise, Lula defendia tese exatamente contrária: a crise era dos ricos e lá ficaria. Agora que a crise chegou aqui e não é marolinha, e agora que os índices de popularidade dão os primeiros sinais de perda, a estratégia do presidente é corrigir essa mancada com um discurso que transfere toda a responsabilidade para os ricos.

Claro, portanto, que foi um discurso para fins internos. A mensagem: nós aqui fizemos e estamos fazendo tudo direitinho, mas esses brancos estão estragando tudo e querem nos impor um desastre. Ou seja, um culpado externo.

Funciona para fins de propaganda, mas não para governar. Mesmo que a crise venha de fora, o impacto aqui, maior ou menor, depende das ações do governo.

No que se refere à política externa, a acusação aos brancos de olhos azuis não ajuda em nada uma diplomacia que pretende firmar o Brasil como protagonista das medidas globais para a solução da crise.

Tudo considerado, é um mau sinal para a reunião do G-20 - grupo que reúne os países mais ricos do mundo e economias emergentes -, em Londres, no início de abril. Se esse é o discurso brasileiro, está claro que daí não sai nada.

Por exemplo: como combinar isso com o discurso contra o protecionismo e, pois, por mais globalização?

Perda de tempo - Discutir, neste momento, uma nova regulação para o sistema financeiro mundial, incluindo a criação de uma nova moeda para substituir o dólar, é um enorme desvio de tarefa.

Ouvi outro dia, não me lembro mais onde, uma ótima frase: é como dizer ao paciente que está na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que ele precisa parar de fumar. Se o G-20 se concentrar nisso, pode esquecer.

Solução para os ricos - Um dos motores da economia mundial tem sido a relação entre Estados Unidos, o shopping center do mundo, e China, a fábrica do mundo. Alguns acrescentam: e a Índia, o call center.

Muitos economistas sustentam que se trata de um desequilíbrio fatal, pois exige que o país rico gaste mais do que tem para que o sistema funcione. Ao mesmo tempo, esse país rico fica endividado e acaba sendo financiado pelos países exportadores, especialmente a China, com os dólares que ganharam vendendo para os Estados Unidos.

Para desfazer esse sistema, é preciso que os ricos americanos gastem menos e poupem mais. Tudo bem. Já são ricos, cresceram bastante, o padrão de vida é elevado, o consumo de alimentos é alto e não custa nada apertar um pouco o cinto.

Mas e os outros que dependem de vender para os Estados Unidos e para os países ricos em geral?

Vão vender menos, claro, e, portanto, gerar menos empregos e renda. Mas esses países emergentes precisam crescer aceleradamente.

Bom, dizem os economistas, basta que esses países, hoje poupadores, passem a gastar mais internamente.

Mas são pobres, não há como substituir o consumidor americano. Ou seja, esse tipo de conversa leva a uma estabilização nos países ricos e perda de crescimento nos emergentes.

Digam, por favor - Do economista e ex-secretário do Trabalho do governo Clinton Robert Reich à revista Newsweek, de 13 de outubro do ano passado: "O que ainda existe são dois tipos de capitalismo: o capitalismo autoritário, como na China e em Cingapura; e o capitalismo democrático, como nos Estados Unidos e na Europa. Se alguém aí tem uma ideia melhor, estou certo de que o mundo adoraria ouvi-la."

domingo, março 29, 2009

JOÃO UBALDO - Os antigos já diziam

O GLOBO

Assevera antiga máxima que “um pai sustenta dez filhos, mas dez filhos não sustentam um pai”, sábio enunciado, cujo acerto vemos o tempo todo e que os velhinhos dos asilos confirmarão fartamente. Cobertos de razão estão os coroas que ouvem felizes tudo o que lhes dizem na churrascaria, no dia dos pais ou das mães, mas mantêm um ceticismo sadio e tratam de juntar os rendimentos que podem, que é para depois não serem provas vivas dessa máxima. Como hoje, ao que parece, amanheci mais recheado de provérbios do que Sancho Pança, acrescento que seguro morreu de velho e não de maus-tratos na Casa de Amparo aos Velhinhos Esperando-Ela.

Lembro isso por causa de minha orgulhosa quão maltratada condição de itaparicano. Como creio ser do conhecimento de vocês, mantenho permanente contato com a ilha e confirmo sempre que o Brasil não liga para Itaparica, enquanto Itaparica morre de preocupação pelo Brasil. Não é justo, mas é a cruel verdade. Mãe da pátria, em perigos e guerras esforçada desde os primórdios do Brasil, hoje é vítima de ingratidão e olvido. Nada como um dia depois do outro, o mundo dá muitas voltas — sopra o bom Sancho novamente.

Pois é, tudo isso é aplicável, de várias maneiras e conforme a imaginação de cada um, à situação corrente em Itaparica. Se, no resto do Brasil, o problema das quotas raciais exalta alguns ânimos e provoca desafetos e querelas, em Itaparica, onde ninguém tem certeza da raça de ninguém e Zecamunista diz que quem tem raça é cachorro, a questão traz ansiedade, insegurança e agitação pública. Zé Pretinho mesmo, que se orgulha dos olhos azuis mas no geral é negão, deixou de aparecer no Mercado e afirma que vai contratar advogado para livrá-lo das malhas do governo.

— Aqui pra eles que eles vão me pegar e me botar pra estudar! — me disse ele indignado. — Vão pegar um desocupado! Imagine se o homem tivesse perdido o tempo dele estudando! Estava igual a você, escrevendo pra jornal e pedindo abatimento no quilo de tainha! Eu também quero me fazer! Aqui, ó! Disso se aproveitou Ary de Almiro (que é meio acaboclado de cabelo escorrido e não tem certeza sobre a raça que lhe atribuiriam, mas confidenciou que aceita qualquer uma, contanto que não tenha que estudar e, melhor ainda, venha com um agradozinho pecuniário) para fortalecer sua Escola Filosófica Socrática Só-Sei-Que-Nada-Sei, que cobra uma certa quantia aos discípulos para convencê-los das vantagens de saber o mínimo possível e de ficar com indisposição estomacal se tiverem que ler, estendido também esse não-saber ao que de desagradável se passar em torno. Ary aperfeiçoou Sócrates, tropicalizou-o, vamos dizer.

“Nada sei, nada li, nada ouvi, nada vi, tudo falo”, dizem os seus neossocráticos, que mantêm um retrato oval do presidente pendurado na sala de reuniões.

“Presidência eu não garanto”, me disse Ary, “mas, com mais um tempinho, com certeza já vou ter dois deputados prontos pra serem eleitos, até as tabelas de preços eles já estão fazendo bem”.

E se encontrava o establishment da ilha em tal ebulição, quando estourou como uma bomba, no Bar de Espanha, a tremenda novidade. Anunciavam tevês, rádios e gazetas que o governador da Bahia entregara ao presidente da República o projeto de construção de uma ponte que ligará a ilha a Salvador.

O quê? Não, não era o fato de a ilha não ter sido consultada o que interessava, a isso já estamos acostumados, era a ponte propriamente dita. Que pensar dela, que queria dizer notícia tão inesperada? Só mesmo as lideranças intelectuais da ilha podiam pronunciarse, orientando a visão dos conterrâneos.

Felizmente, elas nunca deixam de acudir ao chamado do dever. Achatando na cabeça o boné, como faz quando está com o ânimo cívico exacerbado, Zecamunista já chegou discursando e causando pesadas baixas no contingente de cobras e lagartos da ilha, alguns dos quais ameaçados de extinção, como “lorpas” e “biltres”, que ele usou, entre muitos outros, para xingar os defensores da ponte. O que era que essa ponte ia fazer? Acabar com a ilha de vez e transformá-la em periferia de Salvador, com 128 favelas montadas no dia da inauguração da ponte! E tudo isso a um custo, dizem eles, de um bilhão e meio de dólares, como se um bilhão e meio de dólares fosse um saquinho de amendoim. “E que bilhão e meio de dólares, bote bilhão de dólares nisso, deve estar sobrando dinheiro para portos, estradas e outras miudezas, porque essa merda não sai por menos de dez bilhões!”, bradou Zecamunista, ajeitando o boné para parecer com o de Lenine. “Mais um golpe da corrupção contra o proletariado, eles querem é meter a mão na grana, essa obra não vai acabar nunca e, se acabar, o pedágio não paga em 250 anos!” Mas a contrapartida não se fez tardar.

Ainda de gravata, vindo de Salvador, onde ganha a vida como orador oficial de dezenas de instituições, Jacob Branco trouxe a coceira da dúvida aos já então quase convencidos por Zecamunista. O nobre orador bolchevique, disse Jacob, via as coisas pelo lado negativo. Era da escola do Idealismo Ideológico, enquanto ele, Jacob, era da escola do Realismo Realizador, via as coisas pelo lado positivo. O lado positivo era o seguinte: ia entrar dinheiro na ilha, não ia? Dinheiro gosta de perguntas? Não, não gosta. Alguém aqui vai fazer pergunta, se entrar dinheiro no bolso? — Não vai — continuou Jacob, afrouxando a gravata ao estilo Frank Sinatra e pedindo um Old Eight legítimo.

— Eles se esforçam para ensinar, vocês é que não aprendem: no Tesouro e n’água-benta todo mundo mete a mão. Já diziam os antigos, não sei o que é que estão estranhando.

Bem, não deixa de ser verdade. E, além do mais, onde o dinheiro fala a verdade cala, acrescentamos Sancho e eu.

Editoriais dos principais jornais do Brasil


http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1282&portal=Blog Democracia Política e novo Reformismo,

Tudo bem, tudo normal? Rubens Ricupero

FOLHA DE S. PAULO

Por que a AL cairia mais que o mundo se nosso sistema bancário está intacto, nossas reservas continuam altas?

O COMÉRCIO mundial vai cair 9%. A economia global passa de previsão de crescimento de 2,2% em novembro para queda de 0,5% a 1% agora. O cauteloso Banco da China publica artigo defendendo moeda internacional para substituir o dólar. Morgan Stan- ley prevê que o Brasil vai encolher 4,5%, e a América Latina, 4,3%.

Notícias parecidas com uma dessas só aconteciam antes uma vez a cada 70 anos, ou nunca.

Hoje, elas se sucedem em dois ou três dias e ninguém se abala. Depois de tantos trilhões de déficits e dívidas, perdemos a capacidade de assombro. Quando gastarmos os trilhões, como contaremos os zeros, com zilhões? Tendo passado um quarto de século na monotonia do comércio crescendo por ano dois ou três pontos acima da produção, nunca pensei que o veria despencar num colapso de nove pontos (reluto em crer).

Nos meus dias de Nações Unidas, uma camisa-de-força seria providenciada para quem imaginasse que os chineses voltariam à ideia de Keynes sobre uma moeda de reserva (o bancor), independente de qualquer país. Pior, que sugerissem haver chegado a hora de começar a pensar em pôr um ponto final no incontrastável domínio do dólar.

Não faz muito tempo um economista não arriscaria a reputação em prever para o Brasil e a América Latina tombos tão abaixo do consenso médio, como essa estimativa que apenas mereceu uma ironia do presidente Lula. O que está sucedendo? Perdeu-se a noção do normal, mesmo um palpite implausível vale tanto quanto outro qualquer?

É verdade que o desempenho da América Latina costuma acompanhar de perto o da economia global, até mesmo pela intensidade dos vínculos que mantém com os Estados Unidos. Durante os seis anos de ouro de 2003 a 2008, a região foi empurrada pelo vento mundial e cresceu à média de 5% por ano e 3% per capita, algo muito raro. Compreende-se que acompanhe agora o mundo na queda, mas tanto assim?

Por que cairíamos mais que o mundo se nosso sistema bancário está intacto, nossas reservas continuam altas e os fundamentos fiscais são muito melhores? Ao contrário dos Estados Unidos, não temos problemas estruturais com o sistema financeiro, os setores de imóveis ou de automóveis. Os déficits externos ou fiscais são de moderados a baixos, existe espaço para reduzir os juros, coisa que desapareceu nos países avançados.

O comércio certamente sofrerá, e um indício é a mudança nos termos de intercâmbio (a relação dos preços das exportações com os das importações). De 2001 a 2008, esses termos melhoraram em 28%. Apenas em 2009, espera-se uma deterioração de 15,6%, sobretudo devido ao mergulho nos preços do petróleo e dos metais. Por outro lado, nem de longe dependemos das exportações tanto quanto chineses e asiáticos. No entanto as previsões para eles são muito mais benignas. Tenho me consolado nestes dias lendo como a América Latina se saiu numa crise bem pior, a dos anos 30, que, para nós, não merece ser chamada de Grande Depressão.

Após chegar ao fundo do poço em 1932-33, uma a uma todas as economias da região logo recuperaram o crescimento de antes da crise. A Colômbia já em 1932, o Brasil em 1933, o México em 1934, a Argentina em 1935. Substituímos a demanda do setor externo com a puxada pela indústria interna e saímos da crise mais cedo e industrializados. Não seria possível repetir o remédio com as indispensáveis adaptações?

Derrotas de março Míriam Leitão

O GLOBO

Antes que março acabe, eu queria dizer o que me derrota. A Itália descobriu um caso repugnante de estupro sequencial de pai e filho contra a mesma mulher, filha e irmã dos dois. A Áustria encarcerou o monstro que manteve a filha no porão, prisioneira de estupros contínuos. Aqui, a discussão da menina que em Recife foi estuprada e engravidou do padrasto ficou em torno da decisão medieval do bispo.

Estes são apenas casos de março, outros surgiram: o da menina de 13 anos, no Brasil, que, grávida do pai — por quem passou a ser violentada a partir da morte da mãe —, decidiu ter o filho. Cada um dos dramas é tão vasto.

Penso nestas meninas e mulheres e na antiguidade da sua pena. Condenadas, antes de nascer, pelo mais intratável dos lados da opressão à mulher: o suplício sexual.

Melhor seria escrever uma coluna racional, com os dados que provam a exclusão da mulher do poder no mundo, ou da sua discriminação no mercado de trabalho, ou do preconceito embutido nas propagandas. Seria menos doloroso. Há pesquisas novas, interessantes. Com os dados, eu provaria que a mulher avançou nos últimos anos, e que a sociedade equânime ainda está distante. Falar desse aspecto do problema seria até um alívio.

Mas o que tem me afligido são esses casos espantosamente cruéis que acontecem em países diferentes, classes sociais diferentes, religiões diferentes.

A vítima é sempre a mulher. A sharia, que voltou a ser código aceito em todo o Paquistão, condena a mulher a receber a pena no lugar de alguém da família que tenha cometido um delito. Normalmente, a pena é estupro público e coletivo. Foi assim com a notável Mukhtar Mai, a paquistanesa que venceu seus estupradores em uma luta desigual e heroica na Justiça comum.

No livro “A desonrada”, ela contou seu suplício e sua vitória.

Eu poderia fingir que não sei das estatísticas da violência contra a mulher, e pensar que cada caso é apenas mais um louco em sua loucura, pegando uma vítima aleatória. Melhor ainda, poderia fugir completamente do tema. Afinal, esta é uma coluna de economia e as pautas e assuntos são inúmeros. A nova regulamentação do mercado financeiro americano para prevenir crises como a atual; ou o desequilíbrio econômico e financeiro dos países do Leste da Europa; ou ainda o risco de déficit em conta corrente nos países exportadores de commodities metálicas.

Assuntos áridos, fáceis. Qualquer um deles permitiria que esta coluna fosse para longe do horror imposto às mulheres por pais, padrastos, irmãos, namorados, ex-namorados, maridos, ex-maridos.

Em qualquer um desses temas eu teria muito a dizer, mas o que dizer da morte da jovem Ana Claudia, de 18 anos, esfaqueada no pescoço pelo pai do seu filho, de quem tinha se afastado, saindo da Bahia para São Paulo, para fugir dos maus-tratos frequentes? Ou Eloá, a menina de 15 anos morta pelo ex-namorado, depois de sofrer por dias, em frente a uma polícia equivocada? Na época do caso, o comandante da operação, o coronel Eduardo Félix de Oliveira, definiu Lindemberg Alves, o assassino de Eloá, como um “garoto em crise amorosa”. Era um algoz que espancou e matou sua vítima.

O abuso de crianças não escolhe sexo. A pedofilia faz vítimas entre meninos e meninas, e em ambos é igualmente abjeta e inaceitável.

Mas a frequência, a crueldade, a persistência dos ataques às meninas mostram que o crime é parte de um outro fenômeno mais antigo: o da violência contra mulheres de qualquer idade.

As leis que mantêm a desigualdade em inúmeros países, com o argumento de que essa é a cultura local, o alijamento da mulher das estruturas de poder, a recorrência de casos em que ex-namorados ou maridos matam para provar que ainda têm poder sobre suas vítimas são alguns dos vários lados de uma velha distorção.

Como estão enganadas as mulheres que, por terem tido algum sucesso em suas carreiras, acham que a questão da condição feminina, a velha questão feminista, está ultrapassada.

Apenas começou o trabalho de construir um mundo de respeito.

Mas se é fácil discutir políticas públicas para vencer o poderoso inimigo da desigualdade, é paralisante o tema dessa vasta violência praticada em todos os países, em todas as culturas, em tantas casas contra meninas e mulheres que não conseguem se defender.

É espantoso o caso da mulher italiana, de 34 anos, vítima desde os nove anos de idade dos estupros do pai e depois do irmão, que também estuprou suas próprias filhas. Ela chegou a ir à polícia há 15 anos, mas não foi levada a sério. Hoje tem problemas psicológicos.

Como não ter? Pode-se encarcerar cada um dos estupradores e condenálos. Eles merecem toda a punição que a lei de cada país comportar. Mas é preciso ver o horizonte: os casos são frequentes demais, as estatísticas são fortes demais, para que sejam apenas aberrações eventuais.

Março tem um dia, o oitavo, que é “da mulher”.

Não pela efeméride, mas por envolvimento com o tema, eu costumo aproveitar a data para analisar, neste espaço, algum aspecto da discriminação contra a mulher. Mas, este ano, a imagem da pequena e frágil menina de Recife me derrotou.

Tenho tido medo que nunca acabe o sofrimento das pessoas que integram a parte da Humanidade à qual pertenço. Fico, a cada novo caso, como os muitos deste março, um pouco mais derrotada.

O ''mensalão'' revivido? Suely Caldas

O ESTADO DE S. PAULO

O ex-ministro e deputado cassado José Dirceu foi escalado pelo presidente Lula para percorrer 10 Estados, conversar com políticos do PT e de partidos aliados e negociar acordos para construir um variado leque de alianças regionais capaz de eleger Dilma Rousseff em 2010, informa a jornalista Vera Rosa em matéria publicada no Estado na última quarta-feira. Com iniciativa e incentivo de Lula e aprovação de Dilma e do PT, Dirceu retoma a função que lhe coube na campanha presidencial de 2002: acertar com aliados partidários condições e compromissos para costurar Brasil afora um amplo apoio político à candidata petista.

A missão de Dirceu é forçar o PT a abrir mão de candidaturas próprias em favor de outros partidos, sobretudo o PMDB, quando isso facilitar uma aliança que fortaleça o palanque eleitoral de Dilma. O ex-deputado tem experiência no assunto. Fez isso nas eleições de 1998 e de 2002. Em 1998 apoiou Anthony Garotinho no Rio de Janeiro, que logo apelidou o PT de "partido da boquinha". Em 2002 os acordos fechados nos Estados foram mais amplos do que uma simples parceria política. Para apoiar a candidatura de Lula os aliados passaram a exigir e conseguiram o que queriam: o PT assumiu o compromisso de financiar parcela considerável dos gastos de campanha.

Os métodos usados por José Dirceu nessas negociações foram revelados ao País em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, que o levou à cassação e à condição de réu em processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Na época, entre surpresa e decepcionada, a Nação tomou conhecimento de que a campanha eleitoral de 2002 e, depois, o apoio partidário no Congresso foram sustentados por um esquema comandado por Dirceu (como denunciou o ex-deputado Roberto Jefferson) e operado pelo publicitário Marcos Valério e pelo tesoureiro do PT Delúbio Soares, com a cumplicidade de muitos outros. A Dirceu coube a tarefa de acertar com os partidos aliados a distribuição de cargos no futuro governo e de boladas de dinheiro em pagamento de despesas com a campanha.

Ora, se os partidos da base aliada continuam os mesmos fisiológicos que só falam o monocórdio idioma da vantagem e foram flagrados pelo mensalão trocando apoio político por dinheiro e cargos, teria agora Dirceu algo de diferente a oferecer? Curioso e sintomático é Delúbio Soares pressionar pela revogação de sua expulsão do PT justamente no momento em que é dada a Dirceu a autoridade para negociar acordos políticos, em clara indicação de que a ele estão reservados poder e liderança na futura campanha eleitoral de Dilma. Afinal, mais do que o perdão, Dirceu é premiado com a volta ao poder, passaporte para reprisar métodos usados em 2002. E a Delúbio, que ali teve o papel coadjuvante de mero executor de decisões, sobrou a implacável punição da expulsão irremediável, do ostracismo no PT? E se o PT decidir manter a expulsão e, em represália, Delúbio resolver aderir ao programa de delação premiada, como fez Marcos Valério, e revelar fatos ainda desconhecidos que compliquem a vida de Dirceu e de outros do PT?

Nem tanto a oposição, que parece ter abdicado de seu papel, mas o País e os eleitores veem em José Dirceu um telhado de vidro excessivamente comprometedor. Se vierem a ser confirmadas, sua presença e sua liderança no comando da campanha de Dilma têm tudo para levantar um longo rastro de suspeitas que pode prejudicar seriamente o desempenho eleitoral da candidata. E ela que não esqueça: se eleita for, os acordos de distribuição de cargos e dinheiro podem ser fechados por Dirceu, mas caberá a ela cumpri-los.

Quando se trata de corrupção e práticas ilícitas, o presidente Lula e o PT têm uma surpreendente tendência a repetir erros. Ignoram, desprezam o julgamento que a população faz dos fatos e cinicamente reabilitam companheiros suspeitos. Assim foi com os seus deputados "mensaleiros", com os "aloprados" do falso dossiê tucano, com os suspeitos de desvio de dinheiro das prefeituras do interior de São Paulo, com os fraudadores do Ministério da Saúde e com José Dirceu. E aí Delúbio Soares pergunta: por que só eu de bode expiatório?

Pacote de habitação - O programa de casas populares lançado pelo governo recebeu variadas críticas: é eleitoreiro, não tem compromisso de prazo, não ajuda a atravessar o pior momento da crise. Mas tem uma inédita qualidade: é focado na população pobre e não mais na classe média. Agora, se é viável e vai dar certo, o futuro dirá.

Um Parlamento na voz passiva Dora Kramer

O ESTADO DE S. PAULO

Vulnerável a todo tipo de pressão corporativa - interna ou externa, pública ou privada -, o Congresso Nacional só é resistente mesmo quando se trata de escutar, compreender e atender às demandas da sociedade.

Isso vale para um Legislativo mais decente do ponto de vista ético, mas vale também para um Parlamento mais eficiente em relação ao papel de representante popular contratado no voto para tratar primordialmente dos assuntos de interesse geral.

A tendência de deputados e senadores é a de transferir a responsabilidade por suas mazelas. Ora culpa o Poder Executivo, que o mantém refém das medidas provisórias, ora culpa o Poder Judiciário, que atua no vácuo de sua omissão legislativa.

Mas há momentos, como agora, em que culpa também a imprensa que o obriga a explicar por que razão vive em meio a tamanha permissividade. Ao ponto de há praticamente dois meses quase diariamente se divulgar um procedimento ilegal ou imoral, tanto na Câmara como no Senado.

Começou com um corregedor infrator na Câmara, continuou com a série de deformações administrativas no Senado, evoluiu para promessas de providências imediatas e hoje, 60 dias depois, tudo continua exatamente como antes.

A situação não é nova nem pode ser creditada a este ou aquele parlamentar. O sistema é de colegiado, cada um lá dentro vale os votos que teve, não há relação de hierarquia nem imposição que não possa ser transposta pela tomada de consciência, senão da maioria, pelo menos de parte da instituição.

O Parlamento, contudo, queda-se perdido em suas distorções, rendido à mais absoluta paralisia e completamente desconectado do mundo em volta. Há, claro, a percepção de que a reputação de um congressista hoje nem sombra é do que já foi.

Mas a inquietação é tênue em comparação à força da inércia. Por exemplo, logo no início dessa última leva de denúncias, um grupo de parlamentares tentou organizar uma reação.

Marcada a primeira (e única) reunião, apareceram 29 congressistas, dos 594. As manifestações de solidariedade ao senador Jarbas Vasconcelos, que, na tribuna, conclamou os colegas a agir diferente, a se posicionar contra os abusos, ficaram na declaração de intenções.

E, diante de todas as barbaridades relatadas no noticiário, a semana terminou com o Senado mobilizando energias para reclamar da operação da Polícia Federal que investiga as relações promíscuas entre a construtora Camargo Corrêa, partidos e políticos.

Sobre as irregularidades, a única providência efetiva foi um acerto entre o PT e o PMDB para cessarem as agressões mútuas a fim de que parassem também as denúncias.

De que adianta se as mazelas continuam lá? De que valem comissões de "alto nível" para discutir saídas para a crise econômica mundial se a palavra dos parlamentares perde crédito?

E perde não por obra de uma conspiração contra o Congresso, mas por conta de um conjunto de atos que leva a sociedade a concluir que aqueles eleitos para representá-la, na pratica parlamentar cotidiana, só atuam em defesa de interesses localizados.

São os interesses dos lobbies e não as demandas da sociedade o que movimenta o Congresso. Ou alguém se lembra de alguma ação de peso do Parlamento relacionada a temas como saúde pública, segurança, educação?

Um Parlamento que não produz um acompanhamento eficaz do PAC, mostrando o que ali é fato e o que é fantasia eleitoral, não pode reivindicar credibilidade para propor soluções à crise econômica mundial.

Mas não é preciso ir tão longe. Bastaria que os congressistas se sensibilizassem com a crise que os assola no ambiente de trabalho, nas ruas, na televisão, em toda parte.

O símbolo maior desse distanciamento é o momento da troca de comando no Congresso. Descontadas as exceções que ficam relegadas ao campo das insignificâncias, nenhum candidato faz campanha para presidente ou integrante da Mesa Diretora dando o menor sinal de que se sente um delegado popular.

No lugar de sugestões de melhoria geral, o que se vê são propostas de mais benefícios individuais num Parlamento que engorda e se prostra perdido na própria lassidão.

De casa

Contratado pela construtora Camargo Corrêa, investigada pela Polícia Federal por lavagem de dinheiro, remessa ilegal de dólares para o exterior, superfaturamento de obras públicas e doações ilegais a partidos políticos, o advogado Márcio Thomaz Bastos foi o responsável pela saída "honrosa" que o PT achou para explicar o repasse de dinheiro a partidos da base aliada do governo, negando a existência do mensalão.

Ministro da Justiça à época do escândalo, em 2005, Thomaz Bastos aconselhou o PT a adotar a versão de que os negócios entre legendas guardavam relação única e exclusivamente ao uso do caixa 2 em campanhas eleitorais.

É do criminalista também a frase, dita ainda no tempo de ministro, segundo a qual "caixa 2 é coisa de bandido".

Crises múltiplas Merval Pereira

O GLOBO

A situação hoje é de grande impasse entre economistas, o que leva a previsões que vão de crescimento de até mais 2% do PIB, que é o que oficialmente o governo prevê, até menos 2%, previsto agora pelo banco Credit Suisse. A previsão de crescimento negativo de 5% do PIB, feita tempos atrás pelo Morgan Stanley, parece um ponto fora da curva. Na Comissão de Acompanhamento da Crise do Senado, os representantes do governo transmitiram a sensação predominante de que o pior já passou e a crise está equacionada.

Hoje há posição comum do Ministério da Fazenda e do Banco Central, que nem sempre comungaram dos mesmos pensamentos, de que o que precisamos agora é administrar a crise com ênfase na redução da taxa de juros e do spread bancário. Economistas de diferentes tendências e representantes do sistema bancário privado e do sistema financeiro, no entanto, têm visão radicalmente diferente.

Quem atua na área de serviços, comércio, energia elétrica residencial, não está sentindo grandes impactos, é como se nada tivesse acontecido.

O funcionalismo público federal também ajuda a segurar a situação em estados como o Rio de Janeiro ou em Brasília, que estão em situação melhor do que São Paulo ou Minas Gerais, sofrendo muito com a crise, que no momento está concentrada na indústria e na agricultura.

Sofre especialmente quem está voltado para o mercado externo, onde o efeito é arrasador.

Minas Gerais perdeu R$ 700 milhões em arrecadação de impostos nos primeiros meses do ano, porque é uma economia que se industrializou voltada para o exterior.

Os governadores do Nordeste também estão sofrendo. A Bahia está arrecadando menos do que no ano passado.

No setor siderúrgico, a situação parou de piorar, mas continua gravíssima. Existem 14 altos-fornos no país, e seis estão parados. Nunca a indústria siderúrgica passou por uma situação como essa. O lado moderno e dinâmico da economia está duramente atingido.

O governo está apostando muito em que o crédito não caiu, e os números oficiais mostram isso. Mas uma análise deles por dentro mostra outro cenário. O que está acontecendo é que, enquanto o governo comemora a volta do crédito, os pequenos empresários continuam se queixando da falta dele.

Segundo o economista José Roberto Afonso, que, como assessor técnico da Comissão de Acompanhamento da Crise no Senado, vem acompanhando a situação em posição privilegiada, o crédito ficou concentrado violentamente.

Empresas que antes pegavam dinheiro no exterior passaram a fazê-lo aqui dentro.

O melhor exemplo disso é a Petrobras, que pegou na Caixa Econômica Federal R$ 3,6 bilhões e no Banco do Brasil R$ 2 bilhões para financiamento à exportação.

Como a Petrobras não costumava tomar empréstimos internos para exportação, o fato de esse tipo de financiamento estar se recuperando não significa que a situação esteja normalizada, pois a Petrobras entrou no mercado com força, tirando lugar dos exportadores tradicionais.

Também as empresas que se financiavam no mercado de capitais com emissões, como as do empresário Eike Batista, e as imobiliárias tiveram que recorrer aos bancos oficiais, porque esse mercado acionário praticamente acabou.

O mais grave, para José Roberto Afonso, no entanto, é a questão dos derivativos cambiais, que muitas empresas fizeram em parte para se proteger das quedas de exportação, mas também para especular no mercado financeiro.

A conta não se sabe direito ainda, e esta é uma das razões por que o mercado bancário não empresta, pois não sabe se aquela empresa está endividada, e em que nível.

Há uma avaliação de que o montante possa chegar a US$ 30 bilhões. Este é também um dos fatores que mascaram a normalidade do mercado de crédito, pois os bancos ganharam com essas transações, mas não levaram, primeiro porque as empresas recorreram na Justiça, e depois porque, derrotadas nas pretensões de não pagar, transformaram a dívida em empréstimo.

Esse crédito entra nas estatísticas oficiais, mas na verdade ele não existe. Na opinião de José Roberto Afonso, essas são as razões pelas quais o sistema de crédito está travado.

Outra questão, segundo Afonso grave no momento, é a tributária. A queda de arrecadação nos três níveis — União, estados e municípios — é tremenda, maior do que a queda da economia.

O ICMS da Região Norte, em janeiro, caiu 21%. E isso se deve não apenas à redução da atividade econômica.

O descompasso entre o crescimento do consumo de energia elétrica residencial e de compras nos supermercados no Nordeste, por exemplo, e a queda da arrecadação têm uma explicação para José Roberto Afonso.

Como não há crédito no banco hoje, o maior banco do país virou o Fisco, porque não pagar imposto é uma maneira de ter crédito. A arrecadação das microempresas no primeiro bimestre deste ano caiu na casa de 50%.

As grandes empresas do país também deixaram de pagar impostos federais de maneira geral, com inadimplência perto de 20%. A multa e os juros pelo atraso são menores do que o spread bancário.

Num segundo momento, a tendência é atrasar pagamentos de serviços públicos, como coleta de lixo, energia elétrica e água. Não recolher imposto virou a grande forma de ter acesso ao crédito.

José Roberto Afonso está preocupado com os reflexos da crise na política social. Um componente básico da rede de proteção social, cuja ponta mais evidente é a Bolsa Família e agora o seguro-desemprego, são serviços sociais básicos, especialmente os de saúde e educação, áreas que dependem fundamentalmente de financiamentos de impostos, porque vivem de vinculação de verbas do Orçamento.

O sistema de vinculação é bom quando a arrecadação dispara para cima, mas tem efeitos catastróficos quando a arrecadação tem queda como a de agora. As receitas estaduais e municipais, especialmente das regiões menos desenvolvidas, estão sendo atingidas. José Roberto Afonso teme que o governo tenha dinheiro para pagar o Bolsa Família, mas não para pagar professores e médicos.

OS OLHOS AZUIS DA CRISE


Mariano Grondona Sorpresas, transgresiones y claudicaciones

En 1939, cuando comenzó la Segunda Guerra Mundial, la democrática Francia se había preparado para defenderse contra la Alemania totalitaria de Adolfo Hitler mediante la "Línea Maginot", un formidable sistema de fortificaciones que cubría enteramente la frontera franco-germana. Al oeste de esta línea se hallaba Bélgica, que se había declarado neutral. La Línea Maginot no protegía, por lo tanto, la frontera franco-belga.

¿Qué hizo entonces Hitler? Atacó a Francia a través de Bélgica. Agredida por la espalda, la Línea Maginot se desmoronó y Hitler entró en París, colocando al gobierno títere del mariscal Petain en lugar del gobierno de la Tercera República. La situación duró hasta el fin de la guerra, cuando los aliados invadieron el imperio nazi desde el Oeste, en las playas de Normandía, mientras los soviéticos hacían otro tanto desde el Este. La Segunda Guerra Mundial terminó en Europa con la ocupación soviética de Berlín y el suicidio de Hitler.

Me atrevo a suponer que, si le hubiera tocado comentar esta guerra como comentó las de su tiempo, Maquiavelo habría extraído de ella cuatro conclusiones: primero, que Hitler obtuvo la ventaja inicial de la sorpresa, ya que los franceses no esperaban que los atacara por la espalda; segundo, que logró esta ventaja mediante la violación del Derecho Internacional que garantizaba la neutralidad de Bélgica; tercero, que también favoreció a Hitler la debilidad intrínseca de Francia, que había llegado a la Segunda Guerra Mundial sin energía para pelear después de la terrible sangría de la Primera Guerra Mundial; cuarto, que las constantes violaciones del Derecho Internacional cometidas por Hitler, quien engañó sucesivamente a países como Austria, Checoeslovaquia, Polonia, Francia, Bélgica y la propia Unión Soviética, terminaron por poner en su contra a casi todo el mundo.

Quizá Maquiavelo habría concluido su análisis diciendo que Hitler fue un gran táctico , brillante en el corto plazo, pero un pésimo estratega , ignorante del largo plazo.

Comparaciones

Esta historia, ¿es comparable a la "guerra política" que hoy libra Néstor Kirchner contra la oposición? Hay, por lo menos, sugestivas semejanzas.

La primera de ellas es que Kirchner ha logrado sorprender una y otra vez a sus opositores. Para no ir más atrás, basta recordar que hace pocos meses, cuando su famosa "caja" parecía vaciarse, sorprendió a todos apelando a los ahorros que habían acumulado los futuros jubilados en las AFJP. A esta primera sorpresa habría que sumar ahora una segunda, esta vez política antes que económica, cuando adelantó de golpe en cuatro meses, al 28 de junio, las elecciones legislativas que estaban previstas para el 25 de octubre, obligando de este modo a sus opositores a acortar peligrosamente los plazos "tranquilos" con los que contaban para preparar sus alianzas y sus medidas de control frente al adversario que los "madrugó".

Kirchner descolocó además tanto a los partidos opositores como al campo, en definitiva su principal contradictor, cuando anunció que redistribuiría el famoso 35 por ciento de las exportaciones agropecuarias, que ellos le reclamaban, entre gobernadores e intendentes a quienes de este modo condicionó, forzándolos a alinearse con él o, por lo menos, a poner en sordina sus cuestionamientos.

Kirchner puede pensar con cierto fundamento, pues, que en los últimos meses ha logrado sorprender a las fuerzas que se le oponen, recuperando de paso la iniciativa política, justamente cuando parecía estar contra las cuerdas.

Pero también el "ex presidente en ejercicio" (la frase es de Nelson Castro) consiguió este tipo de ventajas mediante la violación sistemática de las reglas de juego vigentes. En el caso de las AFJP desconoció, por lo pronto, el derecho constitucional de propiedad de los jubilados. En el caso del adelantamiento de las elecciones, alteró la ley del cronograma electoral que él mismo había contribuido a consagrar en 2004. En el caso del desvío de las retenciones desde el reclamo rural hacia los subsidios a gobernadores e intendentes mediante un decreto de necesidad y urgencia, ignoró la disposición constitucional que otorga al Congreso, pero no al Poder Ejecutivo, la facultad de regular los impuestos. Tres sorpresas, tres violaciones. No debería asombrarnos que hoy, por ello, muchos argentinos se sientan belgas.

Las comparaciones con lo que pasó en Europa se refuerzan cuando advertimos que, así como las "vivezas" de Hitler sorprendieron inicialmente a sus enemigos, las "vivezas" de Kirchner encuentran a sus opositores en un estado de debilidad similar al de los franceses en los años cuarenta.

No bien el ex presidente en ejercicio anunció que desviaría hacia gobernadores e intendentes las sumas que le reclamaba el campo, el intendente Fisher se convirtió en una digna y solitaria excepción frente a las manos que se abrieron por todas partes para recibir la dádiva. Es que entre los que se aprestaron a aceptar este subsidio a todas luces ilegal, no hubo sólo oficialistas sino también opositores, incluso en distritos que no producen un solo poroto de soja como Tierra del Fuego y la Capital Federal. ¿Puede encontrarse un ejemplo más rotundo ya no sólo de la debilidad sino también de la claudicación de casi toda la clase política argentina ante la perversa fascinación de la "caja" kirchnerista?

Algunos economistas como Roberto Cachanosky sostienen que el anuncio de estas inesperadas transferencias de la Nación a las provincias y a los municipios equivale, en términos reales a "la venta de un buzón" destinado a los ingenuos, pero lo más grave aquí es que Kirchner afecta de este modo la credibilidad de los políticos en general, destinando a los ciudadanos que votarán muy pronto este peligroso razonamiento: ante la "caja", somos todos iguales.

Las encuestas consignan hasta ahora el acentuado desprestigio del kirchnerismo. Pero también hay que reconocer que ellas no favorecen simétricamente por eso a las candidaturas alternativas que se le oponen. La Línea Maginot de nuestra oposición, entonces, ¿ha sido atacada por atrás?

Táctica y estrategia

Por lo que hemos visto hasta ahora se podría decir de Kirchner que es, como dijo Homero de Ulises, "fecundo en ardides". Pero también podría agregarse que es un táctico cuyas ventajas resultan de una invariable sucesión de trangresiones constitucionales y legales. Falta, empero, responder a una pregunta final: además de un táctico tan efectivo como desaprensivo, ¿es Kirchner también un verdadero "estratega", o la acumulación de sus éxitos tácticos podría desembocar en un desastre estratégico?

El analista Rosendo Fraga viene de señalar que, si comparásemos la lucha por el poder a la que estamos asistiendo con una confrontación bélica, Kirchner, a fuerza de ganar "batallas", podría estar perdiendo la "guerra". De tanto sorprender mediante transgresiones como lo ha venido haciendo con el Indec, ¿no habrá afectado más de la cuenta el dudoso capital de su credibilidad? ¿Le pasará tal vez como al rey Pirro, que después de ganarle a Roma varias batallas ruinosas, terminó por perder la guerra?

Se nos dirá que tanto las metáforas de Fraga como las de este artículo son excesivamente "bélicas". Pero a veces pareciera que, así como Clausewitz sostuvo que "la guerra es la continuación de la política por otros medios", la creciente agresividad del ex presidente en ejercicio lleva a suponer que para él, aunque no lo confiese abiertamente, la política es la continuación de la guerra por otros medios.

Joaquín Morales Solá Los Kirchner y el amplio mundo de sus enemigos

Un informe coincidente de varios encuestadores de opinión pública asegura que, si el Gobierno no pudiera finalmente sumar a Santa Fe en las elecciones del 28 de junio, los Kirchner perderán los comicios nacionales. El peronismo de Santa Fe, liderado por Carlos Reutemann, no podría ser sumado al kirchnerismo en las actuales circunstancias. Algunas de esas mediciones están en conocimiento del matrimonio presidencial. En medio de tales presagios, el país entró de llenó en una campaña electoral extraña, frenética e imprevisible.

El Gobierno eligió los ejes de una mayor convulsión pública para hacer girar su discurso electoral, quizá porque no sabe hacer otra cosa, en las vísperas de los comicios más decisivos de la era kirchnerista. La oposición optó, en los grandes distritos al menos, por figuras jóvenes ante signos evidentes de fatiga social frente a las viejas propuestas. Los grandes trazos de esas figuras opositoras tienen en común modos distintos al de la furia y el combate constante de los Kirchner. La oposición no ha podido construir una sola lista, pero ha elaborado de hecho una oferta común de estilos muy diferentes de los que gobiernan desde hace seis años.

Un eje del oficialismo será el conflicto rural; el Gobierno tiene problemas ideológicos y psicológicos para resolverlo. No se resolverá, por lo tanto, al menos hasta las elecciones. La psicología de Kirchner es la de un hombre que no conoció la derrota hasta que se la infligieron los productores rurales. Le es imposible entonces imaginar una solución acordada con el enemigo que triunfó.

Los ruralistas volverán a la protesta luego de que haya terminado la actual cosecha. Y es probable, también, que no comercialicen nada hasta después de las elecciones. ¿Para qué le vamos a entregar a Kirchner las retenciones que después podrían ser eliminadas? , deslizó un exponente de la dirigencia rural. No financiaremos la campaña electoral de los Kirchner , dijo otro, más directo. Toma cuerpo la peor pesadilla de Néstor Kirchner: una campaña sin recursos.

La ideología del matrimonio presidencial es la que llevó al ex presidente en los últimos días a comparar al campo actual con el de 1910. La interpretación kirchnerista de lo que pasaba hace un siglo es ciertamente un error, pero la comparación del contexto es directamente un desvarío. Kirchner imagina que está peleando con unos pocos señores elegantes que fuman habanos en refinados salones. La mayoría de sus contrincantes rurales está, en cambio, formada por pequeños chacareros o por jóvenes que han dotado al campo argentino del progreso tecnológico más importante del mundo. No sabe, en fin, con quién pelea ni por qué.

El otro eje de campaña lo constituirá una nueva ronda de confrontación con los medios periodísticos. El proyecto de ley de radiodifusión es inexplicable. La relación del Estado con la radio y la televisión es por definición una política de Estado. Suena a extorsión el intento de legislar sobre eso, hurgando en la propiedad y en los contenidos, en medio de una campaña electoral. ¿Sorprende? No. El kircherismo ya empieza a hablar del republicanismo como una corriente política que merece la persecución.

Las descalificaciones al periodismo no terminaron ahí. La propia Presidenta atribuyó a los medios la instalación de una sensación de inseguridad . Y su ministro de Seguridad, Aníbal Fernández, pasó de la confusión al ridículo cuando mostró una información de LA NACION de hace tres años que no prueba nada. No hay pretextos que puedan explicarles a los argentinos que la inseguridad que ven y sufren es sólo una invención de los periodistas.

El tercer eje de campaña es la oferta de la gobernabilidad contrapuesta con el caos. Néstor Kirchner lo ha repetido en la semana que pasó. Como esta elección no pone en riesgo la figura presidencial, puede deducirse de esas palabras que una derrota provocaría la renuncia de la Presidenta. No es la primera vez que lo insinúan. El problema del matrimonio presidencial es la contradicción: sólo puede presagiarse el daño de un caos futuro desde el orden y el optimismo social existentes. Pero es el propio caos el que está ahora instalado en la vida cotidiana de muchos argentinos.

Francisco de Narváez, Gabriela Michetti y Alfonso Prat-Gay tienen en común dos cosas: no están desgastados por las luchas políticas y tienen una forma consensual de resolver los problemas. De hecho, Michetti y Prat-Gay son viejos conocidos que han estado hablando hasta en las últimas horas. No sé cómo haré campaña contra Alfonso , suele repetir la carismática vicejefa del gobierno capitalino.

Tendrá otras razones. Michetti aceptó de hecho ser primera candidata a diputada nacional cuando se enteró de que el gobierno nacional le negó el necesario aval al gobierno capitalino para concretar créditos, algunos casi acordados ya, de organismos multilaterales. Están asfixiando a los porteños. La campaña deberá ser contra el gobierno nacional , anticipó Michetti.

A su vez, De Narváez y Felipe Solá pudieron acordar una lista común bonaerense aún en medio de la competencia entre ellos por el primer lugar. Hace unos diez días, Felipe lo sorprendió a De Narváez con este anuncio: El primer lugar es tuyo. Tenés más condiciones que yo para conquistar a los independientes. Yo me quedo como segundo. No llegaron ni siquiera a evaluar las encuestas. La alianza de los dos bonaerenses golpeó fuerte y feo en Olivos; Kirchner confió siempre en un final de ruptura entre ellos.

Elisa Carrió descansó en Prat- Gay porque no está dispuesta a confundir las razones de la pelea: ¿competiría contra Michetti, a quien sigue estimando, cuando lo que está en juego es el triunfo o la derrota de una oferta opositora nacional al kirchnerismo? Prat-Gay es el menos conocido popularmente de los tres, pero la campaña sólo comenzó y el electorado reconoce nada más que a unos pocos dirigentes nacionales.

Son nuevos. Ser nuevo en política no debería ser un mérito por sí solo. De hecho, también Kirchner era nuevo en 2003 y parecía no tener pasado cuando encandiló a buena parte de los argentinos. Tenía pasado. Sin embargo, lo nuevo cobra un enorme valor cuando la carrera política está vedada por la destrucción del sistema de partidos políticos que Néstor Kirchner profundizó con su prédica y su acción.

De Narváez y Solá tendrán ahora el desafío de vencer a Kirchner en su propio distrito electoral, que es la provincia de Buenos Aires y no la de Santa Cruz. Kirchner tiene perdida la Capital Federal, donde el duelo será entre los seguidores de Mauricio Macri y los de Elisa Carrió. En la provincia de Santa Fe, el matrimonio presidencial no puede entrar porque el nivel de rechazo llega al 75 por ciento. Por eso, Reutemann se alejó de ellos y Hermes Binner decidió una alianza con Carrió y con Julio Cobos. Ni Reutemann ni Binner tienen espacio para el kirchnerismo.

Mendoza está siendo ganada por la alianza entre el radicalismo y Cobos. Todo indica que en Córdoba el peronismo será derrotado por la coalición de Carrió que apoyará a Luís Juez. La estructura del radicalismo cordobés desconoció la posición de su presidente, Mario Negri, y eligió mantenerse alejado de Carrió y de Juez. El resentimiento del ex gobernador Eduardo Angeloz y los pobres intereses de los intendentes radicales pudieron más que cualquier estrategia nacional.

Más allá del porcentaje final, los Kirchner deberían prever un futuro sin mayorías parlamentarias propias en el Congreso. ¿Conformará esa eventual situación un escenario carente de gobernabilidad y, por lo tanto, de las condiciones necesarias para conservar el gobierno? Seguramente no, si se respetaran las categorías históricas de la República. Pero resulta que ahora el republicanismo es otro enemigo para los que mandan.

VEJA Carta ao Leitor


A lei vale para todos

Sebastião Moreira/AE
A primeira prisão, em 2005 (foto).
O Brasil ganharia se contra os corruptos do mundo oficial fosse usado o mesmo rigor que levou à condenação da dona da Daslu


A empresária paulista Eliana Tranchesi, dona da Daslu, sacerdotisa da moda para os ricos e poderosos de todas as regiões do Brasil, não pode ser demonizada como o símbolo da desigualdade e da injustiça social no país. Eliana foi condenada por uma série de crimes relacionados com a importação fraudulenta de produtos de luxo, que resultaram na sonegação de mais de 600 milhões de reais. Ela foi presa na semana passada e recolhida a uma penitenciária em São Paulo. Seu irmão e o principal importador da Daslu também foram presos, acusados dos mesmos crimes. Eliana e seus sócios, porém, devem ser punidos apenas por seus desvios de conduta. É preciso desestimular as tentativas de enxergar na punição da dona da Daslu uma condenação também a todos aqueles que, apenas por desfrutar uma boa situação material, parecem aos olhos do populismo rasteiro cidadãos privilegiados e inimputáveis. A caça aos ricos é uma tentação suicida que, como demonstra a história, só produz mais miséria moral, política, econômica e social.

Deve-se refrear também o impulso de ver no comércio de artigos caros e requintados apenas mais uma demonstração viciosa das classes abastadas. As pessoas que fabricam e vendem essas mercadorias, desde que respeitem as leis, são cidadãos tão úteis à comunidade quanto quaisquer outros. Como toda indústria, a do luxo cria empregos, produz riqueza e qualifica a mão de obra – e permite que as pessoas exerçam sua liberdade individual também na maneira como dispõem de seu dinheiro. Se a condenação de Eliana Tranchesi a 94 anos e seis meses de prisão tem algum significado maior – fique ela efetivamente presa ou não –, é o de marcar, talvez, o fim da era em que os ricos e com boas conexões em Brasília podiam tocar seus negócios livres dos impostos, fora do alcance das leis e ao arrepio de todas as regras comerciais, em prejuízo flagrante para os concorrentes – e, consequentemente, para o bom funcionamento da economia de mercado. O Brasil daria também um passo gigantesco na luta contra os que roubam dinheiro público se aos corruptos do mundo oficial fosse dispensada a mesma e diligente orquestração de esforços de polícia e Justiça que levou à condenação e prisão da dona da Daslu.

VEJA Entrevista Robert Hare


Psicopatas no divã

O psicólogo canadense, criador de uma escala usada
para medir os graus de psicopatia, explica por que uma
pessoa aparentemente normal pode fazer as piores
coisas sem sentir remorso


Laura Diniz

Montagem sobre fotos divulgação e Album-Latin Stock

"O psicopata é como o gato, que não pensa no que o rato sente. Ele só pensa em comida. A vantagem do rato sobre as vítimas do psicopata é que ele sempre sabe quem é o gato"

O trabalho do psicólogo canadense Robert Hare, de 74 anos, confunde-se com quase tudo o que a ciência descobriu sobre os psicopatas nas últimas duas décadas. Foi ele quem, em 1991, identificou os critérios hoje universalmente aceitos para diagnosticar os portadores desse transtorno de personalidade. Hare começou a aproximar-se do tema ainda recém-formado, quando, trabalhando com detentos de uma prisão de segurança máxima nas proximidades de Vancouver, ficou intrigado com uma questão: "Eu queria entender o motivo pelo qual, em alguns seres humanos, a punição não tem efeito algum". A curiosidade levou-o até os labirintos da psicopatia – doença para a qual, até hoje, não se vislumbra cura. "O que tentamos agora é reduzir os danos que ela causa, aos seus portadores e aos que os cercam."

Um psicopata nasce psicopata?
Ninguém nasce psicopata. Nasce com tendências para a psicopatia. A psicopatia não é uma categoria descritiva, como ser homem ou mulher, estar vivo ou morto. É uma medida, como altura ou peso, que varia para mais ou para menos.

O senhor é o criador da escala usada mundialmente para medir a psicopatia. Quais são as características que aproximam uma pessoa do número 40, o grau máximo que sua escala estabelece?
As principais são ausência de sentimentos morais – como remorso ou gratidão –, extrema facilidade para mentir e grande capacidade de manipulação. Mas a escala não serve apenas para medir graus de psicopatia. Serve para avaliar a personalidade da pessoa. Quanto mais alta a pontuação, mais problemática ela pode ser. Por isso, é usada em pesquisas clínicas e forenses para avaliar o risco que um determinado indivíduo representa para a sociedade.

"Não há como dizer se uma criança se tornará um adulto psicopata. Mas, se ela age de modo cruel com outras crianças e animais, mente olhando nos olhos e não tem remorso, isso sinaliza um comportamento problemático no futuro"

Todo psicopata comete maldades?
Não necessariamente com o intuito de cometer a maldade. Os psicopatas apresentam comportamentos que podem ser classificados de perversos, mas que, na maioria dos casos, têm por finalidade apenas tornar as coisas mais fáceis para eles – e não importa se isso vai causar prejuízo ou tristeza a alguém. Mas há os psicopatas do tipo sádico, que são os mais perigosos. Eles não somente buscam a própria satisfação como querem prejudicar outras pessoas, sentem felicidade com a dor alheia.

Até que ponto a associação entre a figura do psicopata e a do serial killer é legítima?
A estimativa é que cerca de 1% da população mundial preencheria os critérios para o diagnóstico de psicopatia. Nos Estados Unidos, haveria, então, cerca de 3 milhões de psicopatas. Se o número de serial killers em atividade naquele país for, como se acredita, de aproximadamente cinquenta, isso significa que a participação desses criminosos no universo de psicopatas é muito pequena. Por outro lado, segundo um estudo do psiquiatra americano Michael Stone, cerca de 90% dos serial killers seriam psicopatas.

Em que medida o ambiente influencia na constituição de uma personalidade psicopata?
Na década de 20, John B. Watson, um estudioso de psicologia comportamental, dizia que, ao nascer, nós somos como páginas em branco: o ambiente determina tudo. Na sequência, entrou em voga o termo sociopata, a sugerir que a patologia do indivíduo era fruto do ambiente – ou seja, das suas condições sociais, econômicas, psicológicas e físicas. Isso incluía o tratamento que ele recebeu dos pais, como foi educado, com que tipo de amigos cresceu, se foi bem alimentado ou se teve problemas de nutrição. Os adeptos dessa corrente defendiam a tese de que bastava injetar dinheiro em programas sociais, dar comida e trabalho às pessoas, para que os problemas psicológicos e criminais se resolvessem. Hoje sabemos que, ainda que vivêssemos uma utopia social, haveria psicopatas.

"Um psicopata ama alguém da mesma forma como eu, digamos, amo meu carro — e não da forma como eu amo minha mulher. Usa o termo amor, mas não o sente da maneira como nós entendemos. Em geral, é um sentimento de posse, de propriedade"

Como se chegou a essa conclusão?
Na década de 60, vários estudiosos, inclusive eu, começaram a pesquisar a reação de um grupo de psicopatas a situações que, em pessoas normais, produziriam efeitos sobre o sistema nervoso autônomo. Quando se está na expectativa da ocorrência de algo desagradável, a preocupação do indivíduo transparece por meio de tremores, transpiração e aceleração cardíaca. Os psicopatas estudados, mesmo quando confrontados com situações de tensão, não exibiam esses sintomas. Isso reforçou a conclusão de que existem diferenças cerebrais entre psicopatas e não psicopatas. Pouco a pouco, essas diferenças vêm sendo mapeadas.

É possível observar sinais que indiquem que uma criança pode se tornar um adulto psicopata?
Não há nada que indique que uma criança forçosamente se transformará num psicopata, mas é possível notar que algo pode não estar funcionando bem. Se a criança apresenta comportamentos cruéis em relação a outras crianças e animais, é hábil em mentir olhando nos olhos do interlocutor, mostra ausência de remorso e de gratidão e falta de empatia de maneira geral, isso sinaliza um comportamento problemático no futuro.

Os pais podem interferir nesse processo?
Sim, para o bem e para o mal, mas nunca de forma determinante. O ambiente tem um grande peso, mas não mais do que a genética. Na verdade, ambos atuam em conjunto. Os pais podem colaborar para o desenvolvimento da psicopatia tratando mal os filhos. Mas uma boa educação está longe de ser uma garantia de que o problema não aparecerá lá na frente, visto que os traços de personalidade podem ser atenuados, mas não apagados. O que um ambiente com influências positivas proporciona é um melhor gerenciamento dos riscos.

Os psicopatas têm consciência de que são diferentes?
A consciência, o processo de avaliar se algo deve ser feito ou não, envolve não somente o conhecimento intelectual, mas também o aspecto emocional. Do ponto de vista intelectual, o psicopata pode até saber que determinada conduta é condenável, mas, em seu âmago, ele não percebe quão errado é quebrar aquela regra. Ele também entende que os outros podem pensar que ele é diferente e que isso é um problema, mas não se importa. O psicopata faz o que deseja, sem que isso passe por um filtro emocional. É como o gato, que não pensa no que o rato sente – se o rato tem família, se vai sofrer. Ele só pensa em comida. Gatos e ratos nunca vão entender um ao outro. A vantagem do rato sobre as vítimas do psicopata é que ele sempre sabe quem é o gato.

É muito difícil identificar um psicopata no dia a dia?
Superficialmente, um psicopata pode parecer um sujeito normal. Mas, ao conhecê-lo melhor, as pessoas notarão que ele é um indivíduo problemático em diversos aspectos da vida. Ele pode ignorar os filhos, mentir sistematicamente ou apresentar grande capacidade de manipulação. Se é flagrado fazendo algo errado, por exemplo, tenta convencer todo mundo de que está sendo mal interpretado.

Um psicopata não sente amor?
Acredito que sim, mas da mesma forma como eu, digamos, amo meu carro – e não da forma como eu amo minha mulher. Usa o termo amor, mas não o sente da maneira como nós entendemos. Em geral, é traduzido por um sentimento de posse, de propriedade. Se você perguntar a um psicopata por que ele ama certa mulher, ele lhe dará respostas muito concretas, tais como "porque ela é bonita", "porque o sexo é ótimo" ou "porque ela está sempre lá quando preciso". As emoções estão para o psicopata assim como o vermelho está para o daltônico. Ele simplesmente não consegue vivenciá-las.

Que figuras históricas podem ser consideradas psicopatas?
É difícil dizer, porque seu comportamento é mediado por relatos de terceiros, e não por um diagnóstico psiquiátrico. Mas o ditador da ex-União Soviética Josef Stalin, por exemplo, era de tal forma impiedoso que talvez possa ser considerado psicopata. O ex-ditador iraquiano Saddam Hussein é outro exemplo. Eu ficaria muito surpreso se ele não preenchesse todos os critérios para a psicopatia. Aliás, Saddam tinha um filho claramente psicopata (Udai Hussein, morto em 2003), dirigente de um time de futebol. Quando o time perdia, ele torturava os jogadores – ou seja, era sádico também. Já o líder nazista Adolf Hitler é um caso mais complexo. Ele provavelmente não era só psicopata.

A psicopatia é incurável?
Por meio das terapias tradicionais, sim. Pegue-se o modelo-padrão de atendimento psicológico nas prisões. Ele simplesmente não tem nenhum efeito sobre os psicopatas. Nesse modelo, tenta-se mudar a forma como os pacientes pensam e agem estimulando-os a colocar-se no lugar de suas vítimas. Para os psicopatas, isso é perda de tempo. Ele não leva em conta a dor da vítima, mas o prazer que sentiu com o crime. Outro tratamento que não funciona para criminosos psicopatas é o cognitivo – aquele em que psicólogo e paciente falam sobre o que deixa o criminoso com raiva, por exemplo, a fim de descobrir o ciclo que leva ao surgimento desse sentimento e, assim, evitá-lo. Esse procedimento não se aplica aos psicopatas porque eles não conseguem ver nada de errado em seu próprio comportamento.

No Brasil, os psicopatas costumam ser considerados semi-imputáveis pela Justiça. Os magistrados entendem que eles até podem ter consciência do caráter ilícito do que cometeram, mas não conseguem evitar a conduta que os levou a praticar o crime. Assim, se condenados, vão para a cadeia, mas têm a pena diminuída. O senhor acha que, do ponto de vista jurídico, os psicopatas são totalmente responsáveis por seus atos?
Eu diria que a resposta é sim. Mas há divergências a respeito e existem muitas investigações em andamento para determinar até que ponto vai a responsabilidade deles em certas situações. Uma corrente de pensamento afirma que o psicopata não entende as consequências de seus atos. O argumento é que, quando tomamos uma decisão, fazemos ponderações intelectuais e emocionais para decidir. O psicopata decide apenas intelectualmente, porque não experimenta as emoções morais. A outra corrente diz que, da perspectiva jurídica, ele entende e sabe que a sociedade considera errada aquela conduta, mas decide fazer mesmo assim. Então, como ele faz uma escolha, deve ser responsabilizado pelos crimes que porventura venha a cometer. Não há dados empíricos que deem apoio a um lado ou a outro. Ainda é uma questão de opinião. Acredito que esse ponto será motivo de discussão pelos próximos cinco ou dez anos, tanto por parte dos especialistas em distúrbios mentais quanto pelos profissionais de Justiça.

O senhor está para publicar um estudo sobre um novo modelo de tratamento para psicopatas. Do que se trata?
Trata-se de um modelo mais afeito à escola cognitiva, em que os pacientes são levados a compreender que até podem fazer algo que desejem, sem que isso seja ruim para os outros. Não vai mudá-los, mas talvez possa atenuar as consequências de suas ações. É um tratamento com ambições relativamente modestas – tem por objetivo a redução de danos.

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