O Globo |
26/2/2008 |
Há uma diferença fundamental entre a concepção econômica do novo grupo dirigente cubano, à frente o presidente Raúl Castro, e o modelo que está sendo implantado na China. Na economia chinesa, a base é o crescimento do PIB, enquanto na cubana será o crescimento do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), mecanismo utilizado pela ONU para medição da qualidade de vida de um povo, criado pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq e pelo Prêmio Nobel Amartya Sen para avaliar outras dimensões que não apenas o PIB. Segundo o ex-assessor especial de Lula Frei Betto, que chegou de Cuba recentemente, onde esteve com Raúl Castro, de quem é amigo pessoal, os cubanos têm sérias ressalvas ao processo chinês exatamente por valorizar o crescimento econômico sem levar em conta o desenvolvimento social. Além do PIB per capita corrigido pela paridade do poder de compra de cada país, o IDH leva em conta a longevidade e a educação. Para aferir a longevidade, o indicador se vale da expectativa de vida ao nascer. O item educação é avaliado pelo analfabetismo e pela taxa de matrícula em todos os níveis de ensino. Para se ter uma idéia da situação atual, Cuba está incluído entre os países de "alto desenvolvimento humano", seleto grupo de 70 países no qual o Brasil ingressou este ano, na última posição. Cuba é o 51º país, e a China o 81º. A expectativa de vida em Cuba é maior que no Brasil e na China; o índice de escolarização é igual ao do Brasil e maior que o da China, e a alfabetização é quase total: 99,8%, contra 90,9% na China e 87,5% no Brasil. A renda per capita de Cuba, no entanto, é menor do que no Brasil e mesmo na China. Essa medição, porém, é controversa, pois a ONU dá a Cuba renda per capita pelo poder de compra de U$6 mil, o que parece muito acima da capacidade de consumo de seu povo. De qualquer maneira, a colocação no IDH é o grande trunfo da ditadura cubana, que a usa para rebater as acusações de violação dos direitos humanos. Dificilmente, portanto, haverá uma abertura democrática em Cuba, mas muito provavelmente haverá uma abertura econômica. Há uns anos, houve um início de abertura econômica em Cuba impulsionada pelo próprio Raúl Castro, que é considerado um dos principais gestores cubanos e tem fama de ter transformado o Exército no organismo mais eficiente e bem administrado de Cuba. Muitos oficiais treinados em modernas técnicas de gestão estão trabalhando em companhias mistas que tratam do turismo, por exemplo, segundo Frei Betto, para impedir a corrupção e dar a essas empresas eficiência administrativa. Com o fortalecimento da amizade com Hugo Chávez, e a oficialização de uma ajuda financeira permanente da ordem de U$6 bilhões anuais, Fidel considerou que não havia mais necessidade de tanta abertura econômica, e passou a dificultar mais uma vez a circulação de dólar no país. Os turistas agora são obrigados e trocar seus dólares ou euros por peso turístico, que tem desvalorização de 20%. Com isso, os que acumulavam dólares à espera de uma abertura econômica tiveram que desovar seus estoques. Agora, provavelmente Raúl Castro retomará seu projeto econômico de maneira lenta e gradual, inclusive porque já não há mais a certeza de que a ajuda da Venezuela poderá continuar indefinidamente. Raúl Castro estimula discussões em sindicatos, associações e outras instituições para recolher críticas e sugestões das lideranças populares. Segundo Frei Betto, está sendo processado cerca de 1 milhão de sugestões e críticas. Lula terá que ter um papel nessa abertura cubana, e, se não assumi-lo, quem vai fazê-lo é Chávez. Na abertura econômica, o Brasil tem papel importante, pode ajudar em vários setores, como na energia. Mas é preciso que o governo brasileiro passe das promessas à prática, reclamam os governantes cubanos. O que Cuba quer mesmo é que a Petrobras ajude a descobrir petróleo no Golfo do México, o que Lula prometeu na última visita. Mas o que o Brasil quer mesmo é colocar Cuba entre os países do Caribe que servirão de plataforma de exportação do etanol, inclusive para os Estados Unidos. O problema é convencer Fidel Castro que essa é uma boa estratégia para a ilha, pois ele, para agradar Hugo Chávez, que quer valorizar o petróleo, assumiu uma campanha pessoal contra o uso de alimentos para fazer combustível. O Brasil pode também atuar diplomaticamente para convencer o governo norte-americano a relaxar o bloqueio econômico, mas a influência de Lula com George W. Bush é maior no momento do que poderá vir a ser com uma futura administração republicana ou democrata. A oposição cubana se queixa da atuação do presidente Lula. Na primeira visita dele a Cuba como presidente, logo após a crise em que alguns dissidentes que tentaram fugir da ilha foram fuzilados, houve muitas queixas de que Lula não tocara no assunto. Frei Betto, que era assessor especial da Presidência, garante que Lula conversou com Fidel, que ficou irritado e cobrou dele atuação mais firme na reforma agrária, a favor do MST. Lula e todos os membros do governo que têm uma relação pessoal com Cuba consideram que não devem fazer críticas públicas ao governo cubano, mas sim influir internamente para conseguir avanços. É uma tática de quem trata com um amigo, e não de Estado para Estado. Essa atitude já produziu fatos não condizentes com o estado democrático, como a entrega dos pugilistas cubanos que queriam ficar no Brasil asilados. Os dois estão banidos do esporte e completamente isolados. |
Entrevista:O Estado inteligente
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