Mas o fato é que, meras 48 horas depois de o deputado Miro Teixeira, em nome do seu partido, o PDT, requerer ao Supremo Tribunal Federal (STF) a revogação da lei autoritária - no mesmo dia em que o presidente Lula defendeu em público a chicana da Universal -, o relator da matéria, ministro Carlos Ayres de Britto, concedeu liminar que suspende no todo ou em parte uma vintena dos seus 77 artigos. Mais: ele determinou a paralisação imediata dos processos abertos com base nos artigos visados, bem como de suas conseqüências eventualmente em curso.
"Imprensa e democracia", ponderou Britto, "são irmãs siamesas." E fez uma frase que irá para a história da afirmação das liberdades civis no Brasil: "O que quer que seja pode ser dito por quem quer que seja." É bem verdade que a liminar incide, entre outros, sobre dispositivos que o STF, em decisões tópicas, já considerara incompatíveis com a Carta de 1988.
A diferença é que a iniciativa de Miro Teixeira, se for acolhida pelo Supremo no julgamento do mérito ainda sem data marcada, validará a premissa de que a Constituição prevalece sobre uma lei que não só lhe é antagônica, como tampouco se justifica a qualquer título. Nas democracias em que o princípio da liberdade de expressão e o direito à informação coexistem, embora não sem tensões, com o direito à reparação por lesões à honra, imagem e intimidade, os Códigos Civil e Penal devem ser suficientes para punir as transgressões da mídia. Se a legislação comum brasileira não o for, que se a aperfeiçoe. Inadmissível, como assinalou o ministro Britto, citando o artigo 220 da Constituição, é restringir "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo".
Rigorosamente coerente com a Lei Maior, a liminar derruba as punições a jornalistas por supostos delitos de imprensa - mais severas, aliás, do que as previstas no próprio Código Penal, no capítulo dos crimes contra a honra (por exemplo, 3 anos de detenção em vez de 2, em casos de calúnia). Caem também as multas por notícias falsas, deturpadas ou ofensivas à dignidade alheia; a imunidade de altas autoridades da República à exceção da verdade; e a apreensão sumária de periódicos por subversão da ordem política e social ou por ofensa à moral e aos bons costumes. Um dos artigos suspensos é o que permite a censura a espetáculos e diversões. Outro é o que proíbe a estrangeiros a propriedade de organizações de comunicação de massa. Em relação a ambos, a liminar cria um ruído jurídico, dado que a Constituição deles já trata (a censura é admitida e a participação estrangeira, aceita, até o limite de 30% do capital da empresa).
O essencial é que a abolição da Lei de Imprensa, se se concretizar, não tornará a mídia inimputável nem premiará a leviandade jornalística. Em contrapartida, fará cessar a "escalada de intimidação", como apontou o deputado Miro Teixeira, "que tem efeitos mais agudos contra os veículos de pequeno e médio portes, muitas vezes distantes da fiscalização popular dos grandes centros".
E, acima de tudo, consagrará a visão contemporânea das condições para o exercício legítimo da atividade informativa, enunciadas pelo ministro Ayres Britto: "A imprensa não é para ser cerceada. Não é para ser embaraçada. É para ser facilitada e agilizada."