Lobista, amante…
"Se o senador usou a política para favorecer
grandes corporações, como sustenta o Times,
pouco importa se agiu inebriado pelo perfume da
alcova. Importa é que sua imagem pública é falsa"
A tática é velha, os tempos são novos e, por trás disso, há uma boa notícia.
Na sua edição de quinta-feira, o jornal The New York Times publicou uma reportagem de página inteira. A matéria afirma que o republicano John McCain, 71 anos, favorito para concorrer à Casa Branca, manteve ligações perigosas (e talvez românticas) com uma lobista do setor de telecomunicações, Vicki Iseman, 40 anos. O senador, diz o texto, chegou a defender os interesses comerciais de clientes da lobista.
A denúncia é grave. Mostra um senador usando sua influência e seu prestígio para favorecer magnatas das teles. McCain apelou para a velha tática: negou tudo ao lado de sua mulher, Cindy, loira radiante de 53 anos e herdeira de uma fortuna erguida por uma distribuidora de cerveja. Por que Cindy estava ali? Para induzir a platéia a pensar que a reportagem do Times invadiu a vida privada do casal ao denunciar um (falso) caso extraconjugal. O réu ganha ares de vítima, coloca uma leoa em cena e desvia o foco do que interessa: as ligações obscuras do senador com o telelobismo.
Renan Calheiros, cabra macho, já sabia de tudo.
A novidade é que, em 1987, o democrata Gary Hart não durou uma semana depois que se descobriu a foto em que Donna Rice, uma modelo de 29 anos, de cabelos fartos e pernas idem, sentava-se alegremente em seu colo. A denúncia do romance de Hart ceifou-lhe sem dó a pretensão de ser candidato democrata à Casa Branca. Agora, vinte anos depois, a manobra de McCain sugere que é melhor ser acusado de conduta imprópria na vida pessoal (tendo uma amante, por exemplo) do que na vida pública (ajudando lobistas e empresários, por exemplo). É uma diferença substancial. Se aparecer uma prova de que teve um caso com Vicki Iseman, o senador estará liquidado, ainda que o assunto só diga respeito a Cindy. Antes, só a suspeita já o levaria ao nocaute. Novos tempos.
Mesmo num país como os Estados Unidos, onde a malta puritana não se cansa de policiar os acontecimentos entre as quatro paredes alheias, as coisas parecem começar a se desanuviar. Os pecadilhos da vida privada só importam se comprometem os mandamentos da vida pública. A política americana não chegou lá, mas não deixa de ser um começo. McCain pinta a si mesmo como um paladino contra os interesses das grandes corporações e da influência desmedida que o dinheiro pode exercer na política, tanto que patrocinou uma lei com regras mais rígidas para as doações financeiras eleitorais – para desencanto da direita republicana e endinheirada. Se o senador usou a política para favorecer grandes corporações, como sustenta o Times, pouco importa se agiu inebriado pelo perfume da alcova. Importa é que sua pintura pública é falsa. Boa notícia.
Em contraste, é enfadonho notar como é invariável o arsenal de político emparedado. McCain, por meio de seus assessores, disse que o Times fez jornalismo de "quinta categoria", que o jornal se engajara numa "campanha difamatória", que a reportagem é um "apanhado de insinuações" e, claro, que "as fontes são anônimas". Do mensalão aos cartões corporativos, o dicionário é o mesmo. Há uma diferença. Em menos de 24 horas de denúncia na praça, McCain chamou a imprensa e, diante de uma pequena tribuna, colocada no mesmo nível em que se sentavam os repórteres, fez seu desmentido ao lado da mulher e se ofereceu às perguntas. Quaisquer perguntas.
No Brasil, nem cabra macho faz assim.
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