PANORAMA ECONÔMICO |
O Globo |
22/2/2008 |
A Bolívia é um país pobre, mas rico em reservas de gás. Três dos seus vizinhos dependem dessa fonte. Amanhã, Brasil, Argentina e Bolívia se sentarão para conversar, pois os dois primeiros já sabem que não há gás suficiente para ambos. A energia tem tudo para ser o ponto de união entre os países da região, e tem sido razão de conflitos. Por um estudo feito pela consultoria Eurasia, o setor energético é o calcanhar-de-aquiles da América Latina. A cada dia que passa, mais tropeços no caminho. Ontem foi a vez de uma reportagem do jornal "Clarín" afirmar que o governo argentino pressionará o Brasil - caso ele não queira ceder mais da sua parcela do gás boliviano - questionando o uso que a Petrobras faz do gás lá nos seus projetos petroquímicos. A ver. O consumo per capita de gás na Argentina é de 2,8 m³/dia; dez vezes maior que o no Brasil. Mesmo assim, o vizinho continua pressionando para que o Brasil redirecione mais gás. Os presidentes Lula, Cristina Kirchner e Evo Morales estarão juntos amanhã. Na última semana, a Bolívia comunicou que não poderia fornecer todo o gás a que o Brasil tem direito por contrato. Compramos 30 milhões de metros cúbicos, e só poderiam vir 27 milhões, que são a média de consumo. A Petrobras disse que não. O Brasil não pode obrigar a Bolívia a entregar o que não tem, mas pode evitar que mais gás seja enviado para a Argentina às nossas custas. No início do ano, o país tomou um susto, com chuvas muito abaixo do esperado para a época. Ali se percebeu que não havia gás suficiente para abastecer as geradoras, as indústrias e o consumidor residencial. As chuvas vieram, o medo diminuiu, mas não passou; só em abril se saberá. Ainda se vive na saia justa energética. Um trabalho recente da Eurasia, uma consultoria americana, afirma que os perigos na área de energia são o ponto fraco da região. No início do mês, foi no Chile onde se acendeu a luz amarela. Com sua pior seca dos últimos 50 anos e uma dependência de 80% das hidrelétricas e térmicas a gás, o país está preocupado, inclusive, com que a crise possa ter um impacto no seu PIB de 0,5 a 1 ponto percentual. O Chile não compra gás direto da Bolívia. O intermediário acabava sendo a Argentina que, sem gás, cortou o fornecimento para os chilenos levando-o a quase 0. Além de um plano de racionalização do uso, eles estão aumentando a geração de térmicas a diesel e a carvão: um claro retrocesso. Os problemas estão nas duas pontas: tanto correm riscos os países que podem ter dificuldade de fornecer quanto os que dependem de quem os forneça. Todos podem acabar perdendo, quando deveria ser o oposto. Quando o tema é energia, cada um tem optado por um caminho, mas os grupos se dividem, mais ou menos, entre, de um lado, Brasil, Peru, Chile e México, que buscam soluções um pouco mais "privadas" e, de outro, Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina, que optaram por uma forte intervenção estatal. O estudo da Eurasia apresenta uma tabela dos riscos. Eles acreditam que os problemas no setor energético da Argentina vão piorar este ano e no próximo, isso porque o país decidiu congelar suas tarifas, e o retorno para os investidores caiu demais. Resultado: muita gente desistiu de investir. Desde 2003, depois do fim do pico da crise, o consumo de energia lá cresceu muito, enquanto a capacidade instalada não acompanhou a alta. A Bolívia terá sérios problemas porque, mesmo sentada em enormes campos de gás, o produto continua preso no subsolo. O discurso xenófobo e as atitudes extravagantes acabaram afastando também muitos investidores. A Petrobras continua lá, mas reduziu os investimentos. As negociações estão mais morosas e não se fura poço e constrói gasoduto da noite para o dia. Até 2011, para cumprir todos os seus compromissos, a Bolívia precisaria praticamente dobrar a sua produção de gás. Para o Brasil, o risco é maior só a partir do ano que vem, segundo a consultoria. Mesmo assim, o estudo não considera que nosso problema é da dimensão do de outros países da região. No caso do Equador e da Venezuela, ambos já estão vivendo dias de queda na produção de petróleo, assim como o México. No Equador, a produção caiu 6% no ano passado. Lá, o petróleo equivale a 40% das exportações e 30% da receita do governo. Na Venezuela, a queda foi de 7%, e a dependência do petróleo é bem maior: ele equivale a 90% das exportações e 50% da receita do governo. Embora as histórias desses três países sejam bem diferentes, eles se garantem pelo fato de o petróleo estar com o preço nas alturas. De qualquer forma, as estatais do trio vivem problemas semelhantes: como têm de investir sozinhas, isso acaba sendo muito dispendioso. A diferença, no caso do México, é que o país parece estar disposto a abrir para investimento estrangeiro. Se não fizer isso, em 10 anos, suas reservas podem acabar. No entanto uma reforma mais profunda no setor energético mexicano, acreditam, só no fim do ano que vem; se acontecer. A região, com uma coleção de recursos energéticos, acaba vivendo amarrada nesses nós cegos, que fazem com que o grande ativo vire um dos principais problemas. |
Entrevista:O Estado inteligente
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