Burocracia anticapitalista e antiagricultura
O funcionamento adequado do sistema capitalista - único disponível dada a inviabilidade do socialismo - não depende apenas do livre funcionamento do mercado. Quem tenha o mínimo de conhecimento jamais fará essa afirmação, ao contrário do que dizem a esquerda e as viúvas do nacional-desenvolvimentismo, que atribuem esse tipo de raciocínio aos que denominam pejorativamente de "neoliberais".
O livre mercado não funciona sem as instituições que garantem direitos de propriedade e respeito aos contratos. São essenciais um Judiciário eficaz, bons serviços de infra-estrutura (transportes, comunicações e energia) e mão-de-obra qualificada, que geram externalidades positivas e ganhos de produtividade.
O sistema capitalista precisa de um Estado que disponha de boas regras e as bem execute.
O bom governo é crucial para o capitalismo. Ao setor público cabe assegurar o ambiente propício ao investimento, especialmente a previsibilidade e a estabilidade na área macroeconômica e no sistema financeiro.
Nosso Executivo tem bons corpos técnicos permanentes no Itamaraty, na Fazenda, no Planejamento, no Banco Central e nas áreas de regulação de certas atividades e de defesa da concorrência, mas ainda não superamos o preconceito anticapitalista que domina segmentos do setor público.
Os empresários são amiúde surpreendidos por decisões que dificultam os negócios, criam custos de transação e reduzem a competitividade. O burocrata costuma não se preocupar com os efeitos negativos das regras que ele cria.
Usar o crédito para punir o desmatamento é uma conspícua demonstração dessa realidade. Não é a primeira vez que burocratas, ministros e presidentes da República buscam suprir as deficiências da fiscalização mediante transferência de sua responsabilidade para outras áreas, criando novas ineficiências.
Em dezembro passado, saiu o decreto 6.321, pelo qual "as agências oficiais federais de crédito não aprovarão crédito de qualquer espécie" para quem descumprir normas do meio ambiente. Diante da piora do desmatamento, o governo prometeu cumprir rigorosamente o decreto.
Pode baixar resolução do Conselho Monetário Nacional, estendendo a exigência a todas as instituições financeiras.
O governo falou grosso. "Não é correto a gente ficar financiando coisas que depois nos dão um prejuízo enorme nacional e internacionalmente", disse o presidente Lula. "Nenhum tipo de financiamento será dado para atividades ilegais ou qualquer tipo de apoio a práticas que levem ao uso insustentável de qualquer atividade econômica na Amazônia", afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Vi-me assistindo a um filme de horror de 50 anos atrás, quando se exigia a apresentação de certidões do pagamento de impostos e outras, para se obter crédito rural. Nos anos 60, quando eu trabalhava no Banco do Brasil, pedíamos uma certidão do Imposto de Renda que era emitida apenas pela delegacia da Receita Federal em João Pessoa, distante 500 quilômetros. Os agricultores perdiam tempo e ficavam sujeitos a custos desnecessários. O Ministério da Saúde tentou certa vez que se exigisse o atestado de vacina, certamente movido por motivos semelhantes aos dos responsáveis pelo meio ambiente no governo Lula.
A prática assumiu proporções tais que foi preciso vedá-la legalmente, por meio do artigo 37 da lei 4.829, de 1965: "A concessão do crédito rural em todas as suas modalidades, bem como a constituição das suas garantias, pelas instituições de crédito, públicas e privadas, independerá da exibição de comprovante de cumprimento de obrigações fiscais ou da previdência social, ou declaração de bens ou certidão negativa de multas por infringência do Código Florestal".
Esse sensato artigo ainda está em vigor. Assim, podem ser consideradas ilegais as restrições ao crédito previstas no decreto 6.321 e as que o governo cogita baixar.
Agricultores e líderes rurais deveriam recorrer à Justiça contra as barbaridades.