"Se quisermos fazer bonito em hospitalidade e
receber os turistas aposentados do mundo todo,
vamos ter de humanizar os nossos aeroportos"
Depois de doze horas viajando num avião a 12 000 metros de altura, seu corpo está cansado, sua cabeça está zonza, devido ao fuso horário, e seus reflexos diminuem. Seu corpo está ligeiramente inchado, reduzindo sua força, medida por centímetros cúbicos de massa muscular. Provavelmente, você está ligeiramente desidratado, o que limita sua capacidade na troca de calor. Daqui a alguns minutos, quatro malas virão em sua direção a 10 quilômetros por hora, e você terá cinco décimos de segundo para capturar suas alças e com um forte solavanco levantar de 25 a 32 quilos no ar, numa espetacular explosão de energia, e, finalmente, colocar as malas, uma a uma, a seu lado. Só que, na maioria das vezes, você erra na coordenação motora e só consegue capturar a bendita alça quando a mala já está fugindo de você, na direção contrária. Isso significa 20 quilômetros por hora de diferença. Ao todo, você despenderá 1 280 joules de energia em menos de um minuto.
Ilustração Atômica Studio |
Com a elevação no número de passageiros aposentados, com mais de 65 anos, viajando merecidamente mundo afora, o cirurgião Antonio Luiz Macedo vem notando algo muito preocupante. Com todas as precondições do início deste artigo, mais a vida sedentária dos aposentados, está aumentando assustadoramente o número de lesões internas devido a esses heróicos atos de bravura. Dias depois surgem os primeiros sinais de hérnias inguinais, dores musculares, luxações, microrrompimento de tendões, que passam despercebidos e muitas vezes terminarão em cirurgias. No Brasil, o custo de uma cirurgia dessas não sai por menos de 4 000 reais. No exterior, nem se fala. Tudo isso porque a maioria dos aeroportos do mundo decidiu economizar 150 reais, que é o custo de dez fortes carregadores trabalhando por uma hora, que poderiam entregar-lhe as malas num carrinho, pronto para você empurrar.
Os aeroportos do mundo devem ter sido projetados por jovens engenheiros que nada entendem do corpo humano ou que nunca viajaram. Construíram esteiras rolantes e carrosséis caríssimos para facilitar a vida dos carregadores, não dos passageiros. Em vez de passageiros se digladiando em torno desses carrosséis, não é difícil imaginar um sistema no qual as malas fossem colocadas em ordem, com o número dos assentos, do mesmo jeito que as companhias aéreas as receberam: juntinhas num carrinho de mão. Sistema parecido já existe no Aeroporto de Denver, para equipamentos de esqui. Se engenheiros conseguem construir aviões que voam, certamente conseguiriam bolar um sistema de entrega de malas muito mais amigável do que o que temos hoje em dia. No mínimo, as companhias aéreas poderiam disponibilizar dez carregadores para ajudar os velhinhos e as velhinhas que precisam de auxílio, como havia antigamente. Isso representaria 0,06% a mais no custo do avião. "Nossas esteiras se tornaram desumanas", afirma o doutor Macedo, com toda a razão.
Se nossos médicos estão preocupados com saúde, em vez de lutar pela volta da CPMF, devem lutar pela redução dos riscos à saúde e de despesas médicas desnecessárias como essa. O problema não é somente de quem tem início de hérnia ou sofre uma distensão muscular totalmente desnecessária no meio de uma viagem. Muitas pessoas idosas se enganam com os novos métodos cirúrgicos minimamente invasivos, que não deixam quase cicatriz e cortam o tempo de internação pela metade. Eles reduzem a cicatrização por fora, mas por dentro continua a mesma encrenca, o que exige tempo e comedimento. Há recém-operados que se esquecem disso e dois meses depois estão lá na fila, lutando pelas malas, sem saber dos perigos que correm.
Não são as companhias aéreas as culpadas pelas esteiras. São os aeroportos, que estão economizando e destruindo ainda mais o turismo receptivo deste país, hoje dominado por aposentados do mundo inteiro, sem mordomos nem ajudantes de bordo para auxiliá-los. Se o Brasil quiser fazer bonito na área de turismo e hospitalidade, se quiser receber os turistas aposentados do mundo, cheios da grana, mas sem energia, vamos ter de humanizar os aeroportos na chegada e na saída, lembrando que mala de 32 quilos não é para qualquer um levantar.
Stephen Kanitz é administrador
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