A imprensa e a sociedade
Na esteira da decisão histórica do ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, a partir de uma ação do deputado federal Miro Teixeira, de conceder uma liminar suspendendo os efeitos de alguns dispositivos da Lei de Imprensa, surge uma discussão sobre a necessidade de revisão completa da legislação, pois a que estava em vigor data da ditadura militar e não corresponde ao momento democrático que vivemos. O próprio ministro Ayres Britto sugeriu que uma nova lei, dentro dos parâmetros democráticos, deve ser aprovada pelo Congresso. Discordo da necessidade de haver uma lei específica para a imprensa, posição defendida pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que não considera correto que os jornalistas sejam regidos pela legislação comum. Não entendo por quê.
Há muito tempo defendo em seminários e entrevistas que não há necessidade de uma legislação específica para eventuais crimes cometidos pela imprensa. Repito o que defendi em uma dessas ocasiões.
“Dependendo de como resolvem seus dilemas éticos, jornal e jornalista perdem ou ganham prestígio e credibilidade.
Os consumidores brasileiros a cada dia sabem melhor como defender seus interesses.
E, assim como rejeitam a geladeira com defeito, acabam abandonando o veículo de comunicação que não lhes prestar os serviços que esperam dele”.
“Essa atitude do leitor, melhor do que qualquer instrumento legal, faz com que no jornalismo moderno os abusos contra a reputação de pessoas — independentemente de serem as mais altas autoridades ou os mais humildes cidadãos— sejam, crescentemente, a exceção e não a norma.” “É assim em países como os Estados Unidos e a França, e está começando a ser na Inglaterra dos tablóides espetaculosos. Nenhum desses países, a propósito, tem Lei de Imprensa.” “E será assim no Brasil sem necessidade de legislação especial. O Código Penal e o Código Civil têm espaço e escopo para punir todas as formas de calúnia, difamação e injúria, assim como para garantir a indenização dos danos morais causados por leviandade ou dolo.” Hoje em dia, na era da informação on line e do noticiário 24 horas de televisão e rádio, há ainda mais razão para se ter certeza de que o consumidor de notícias tem a seu dispor não apenas uma gama infindável de transmissores de informação, como a capacidade de influenciar, através de uma rede de contatos, a opinião de seu grupo. Os meios de comunicação estão, assim, sob o escrutínio permanente de seus consumidores.
Um dos grandes jornalistas americanos, Jack Anderson, considerado o pai do jornalismo investigativo, lembra em um de seus textos que a necessidade de a imprensa ocupar um lugar antagônico ao poder foi percebida com clareza pelos fundadores da América. “Por isso, tornaram a liberdade de imprensa a primeira garantia da Carta de Direitos. Sem liberdade de imprensa, sabiam, as outras liberdades desmoronariam.
Porque o governo, devido à sua própria natureza, tende à opressão. E o governo, sem um cão de guarda, logo passa a oprimir o povo a que deve servir. (...)” Foi Thomas Jefferson quem disse: “Se me coubesse decidir se deveríamos ter um governo sem jornais, ou jornais sem um governo, não hesitaria um momento em preferir a última solução”. Mesmo diante da experiência de exercer o governo recebendo muitas críticas, até mesmo a de jornais irresponsáveis, Jefferson não mudou de opinião.
Em uma carta, escreveu: “Nenhuma experiência pode ser mais interessante do que esta que estamos agora tentando, e que confiamos acabará por comprovar que os homens podem ser governados pela razão e pela verdade.
Nosso objetivo primordial deve ser, por conseguinte, manter-lhes abertos todos os caminhos da verdade. O caminho mais eficiente até hoje encontrado é a liberdade da imprensa. Por isso, é o primeiro a ser fechado por aqueles que receiam a investigação de suas ações”.
A imprensa americana é o modelo da brasileira há pelo menos meio século, e veio dela também uma das bases para a argumentação do deputado federal Miro Teixeira, o autor da ação no Supremo em nome do PDT. Por se tratar de uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), não pode ser apresentada individualmente, mas foi o deputado carioca, jornalista, quem tomou a iniciativa da ação.
Nas suas pesquisas, Miro encontrou o caso do jornal americano “The New York Times” contra Sullivan, que foi decidido pelo Supremo. Sullivan era um comissário de polícia de Montgomery, no estado do Alabama, que entrou com uma ação contra o “Times” por este ter publicado um anúncio de líderes de entidades de direitos civis, entre eles o jovem Martin Luther King, com denúncias contra abusos da repressão policial.
Como nos processos de adeptos da Igreja Universal hoje em dia contra os jornais “Folha de S. Paulo” e “Extra”, o comissário Sullivan pediu indenização. Ganhou naquela época U$ 500 mil, e junto com ele vários outros comissários entraram com o mesmo processo de indenização.
O “Times” recorreu em várias instâncias, até chegar ao Supremo, onde o juiz Brennan considerou que as indenizações “eram prova dramática” de como se tentava violar o direito da Nação americana de ser informada. E perguntava o juiz Brennan: “Hoje são esses comissários, amanhã quem serão?”.
A decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, baseada no relatório de Brennan, é um dos marcos da liberdade de expressão. Por ela, ficou decidido o princípio da intenção de ofender como necessário para que um jornal fosse processado.
Entrevista:O Estado inteligente
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