Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

Merval Pereira - Visões de Estado




O Globo
29/2/2008

O maior problema para um eventual acordo entre PT e PSDB está na maneira de encarar o papel do Estado no desenvolvimento brasileiro. A disputa pela CPI do Cartão Corporativo não é apenas mais um lance da luta pelo poder entre os dois grupos que lideram a política nacional nos últimos anos, mas a tentativa petista de blindar as investigações de uma das muitas facetas do "aparelhamento" do Estado feito pelo PT e seus aliados da base parlamentar. A contraposição à tese de que os "conservadores" abusaram da máquina pública nos últimos 500 anos, muito difundida entre os petistas, seria a de que, além de denunciar os abusos, esses pseudo "progressistas" punissem quem usou de maneira ilegal a máquina pública, e não repetissem as mesmas coisas, acobertados pela aparência de isenção. CPIs existem para investigar irregularidades, e há indícios de que muitas foram cometidas nessa questão dos cartões.

Esses gastos abusivos, esse desperdício de dinheiro público, é o complemento do "aparelhamento" da máquina do Estado. Se se somarem os empregos públicos, as nomeações políticas com os gastos corporativos, vai-se ver como o Estado está sendo usado por grupos políticos.

Existem, segundo informações do próprio Palácio do Planalto, nada menos que 11.510 cartões com diversas autoridades federais. A ocupação dos cargos públicos por petistas e aliados, por outro lado, é uma realidade política que está detalhada na pesquisa "Governo Lula, contornos sociais e políticos da elite no poder", realizada pelo Centro de Pesquisa e Documentação (Cpedoc) da Fundação Getulio Vargas e coordenada pela cientista política Maria Celina D´Araújo.

A pesquisa, que abrangeu só a administração pública direta, tem números claros: 20% dos cargos mais altos do governo são ocupados por petistas, e 45% dos indicados são ligados à vida sindical.

Desde os cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS) 5 e 6 até os de Natureza Especial (NES), são 1.269 posições com os maiores salários do governo federal, de um total de 19.797 cargos. Segundo os pesquisadores, a tendência é que, à medida que se desça na hierarquia governamental, aumente o número de petistas e sindicalizados.

A união entre petistas e tucanos seria natural se predominasse entre os dois grupos políticos uma visão de Estado semelhante, para evitar o fisiologismo de uma base partidária que, tanto nos governos tucanos quanto na era Lula, usa e abusa da repartição de cargos públicos para garantir seu apoio político.

A organização do Estado brasileiro, no entanto, é diametralmente oposta na visão dos dois partidos. E o PT tem na prática a mesma atitude diante da máquina pública que seus aliados, só que alega que a ocupação é feita por ideologia, e não por interesses secundários.

Acusado de defender um "Estado mínimo", que teria, na visão petista, desbaratado o Estado brasileiro, o PSDB na verdade quer é um Estado "regulador", que é diferente do Estado "interventor". Essa definição do governador de São Paulo, José Serra, significa que "abandonando formas excessivas de intervenção estatal na economia, defende, no entanto, que existem setores da economia e da sociedade que, se não forem regulados pelo Estado, não funcionarão em benefício da coletividade e do desenvolvimento".

A reforma do Estado, iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, com o enxugamento da máquina pública e a valorização das chamadas "carreiras de Estado", foi completamente alterada pela gestão Lula, com uma visão expansionista do funcionalismo público que criou quase 200 mil novos cargos.

Em 2002, no término do governo Fernando Henrique Cardoso, a administração federal dispunha de 810.000 trabalhadores. Desde que Lula tomou posse até o meio do ano passado foram contratados 190 mil servidores, e hoje já existe mais de 1 milhão de funcionários na folha de pagamento do governo.

A farsa

A afirmação da Ministra Chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, de que a tese de que a História só se repete como farsa seria de Engels, e não de Karl Marx, registrada ontem na coluna, provocou muita polêmica.

O sociólogo Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE e atual presidente do Instituto Pereira Passos, como antigo militante do Partidão, atualmente na extrema esquerda do PSDB, diz que a declaração confirma "o que sempre soubemos desse pessoal: a ministra Dilma certamente deve ter qualidades como gestora, mas essa turma do PT, e mais ainda do PDT, não leu ou mal leu e nunca estudou Marx".

Besserman envia a frase de Karl Marx, extraída de "O 18 Brumário de Luís Bonaparte": "Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa".

Já o ex-ministro Marcílio Marques Moreira explica que o primeiro capítulo do "18 Brumário", no qual está a frase, foi escrito por Marx em seções semanais entre 1º de janeiro e o mês de fevereiro de 1852, a pedido de seu amigo Joseph Weydemeyer, que planejava publicar uma revista semanal em Nova York.

O plano não tendo prosperado, Weydemeyer passou a publicar a revista mensal "Die Revolution", cujo primeiro número consistiu no texto que Marx lhe havia enviado sob o título "Der achtzehnte Brumaire des Louis Bonaparte".

Só algumas centenas de exemplares chegaram, segundo o próprio Marx, à Alemanha, o que o levou a publicar uma segunda edição em 1869, em Hamburgo, para a qual escreveu , já em Londres, um prefácio. A terceira edição preparada e prefaciada por Engels foi publicada, também em Hamburgo, em 1885.

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