Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, outubro 31, 2012

Pauliceia desnorteada - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 31\10


A gênese da candidatura de José Serra à Prefeitura de São Paulo é de alguma forma síntese das tormentosas bifurcações que assolam o PSDB.

Serra foi candidato por insistência do partido que lhe negara a presidência do instituto nacional de estudos (Teotônio Vilela) no ano anterior e na prévia municipal deu-lhe o aval de candidato com pouco mais da metade dos votos (52%).

Em miúdos, o partido queria, mas não queria muito. Houve quem enxergasse na candidatura a prefeito uma oportunidade de tirar Serra definitivamente da disputa de 2014 - projeto por ele acalentado, embora não necessariamente para presidente -, houve quem preferisse apostar na escolha de um dos quatro candidatos à prévia, mais ou menos equivalentes no tocante à baixa densidade na largada.

Seria uma solução semelhante à encontrada por Lula para o PT com Fernando Haddad que, na análise corrente hoje entre tucanos, se resultasse em derrota ao menos poderia ser menos traumática que a perda para um novato.

Prevaleceu a opinião da cúpula, Serra incluído, que quis evitar a adesão do prefeito Gilberto Kassab ao PT. Assim foi feito e aquele que motivou a candidatura revelou-se em boa medida a razão de seu fracasso.

Não se pode atribuir todo o infortúnio a Kassab. Seria retirar do PSDB suas responsabilidades. Primeiro, deu a vitória como certa e depois considerou secundárias as dificuldades.

Não enfrentou a questão da renúncia de Serra nem soube separar as duas fases da gestão de Kassab, uma como herdeiro, outra como prefeito eleito.

Houve alertas internos nesse sentido? Houve, mas caíram no buraco negro das dissensões, teimosias, animosidades, autofagia, corpo mole e tudo o mais que agora desautoriza as reclamações do departamento de engenharia de obra feita. Se houvesse unidade, comando e tirocínio no partido, o efeito deletério não teria encontrado terreno fértil.

Tudo começa com a cizânia decorrente da candidatura em 2008, depois da interinidade herdada como vice de Serra na chapa vitoriosa quatro anos antes. Muito bem avaliado no mandato-tampão, Kassab ganhou, impôs uma derrota a Geraldo Alckmin que sequer foi ao segundo turno, mas aprofundou a divisão do PSDB e criou enormes arestas.

Depois dos primeiros seis meses na posse de um mandato de fato e direito, desmontou a equipe anterior e começou a dilapidar o patrimônio que amealhara com uma administração considerada desastrosa.

Ao mesmo tempo, na política se aproximou do governo federal tendo como instrumento a criação de um partido (PSD) para prestação de serviços a todas as forças detentoras de poder municipal ou estadual com o objetivo primeiro de ampliar e consolidar seu espaço em São Paulo.

Na eleição, desistiu do PT por alegado compromisso de "lealdade" para com José Serra. Fidelidade que não esperou esfriarem as urnas: a vitória de Fernando Haddad não tinha completado 15 minutos quando Kassab ofereceu sua tropa na Câmara Municipal para dar-lhe "apoio incondicional". Irrestrito, pois.

Junte-se a isso um ministério, mais uma bancada de 47 deputados federais com boa perspectiva de ampliação em 2014 devido à conquista de 497 prefeituras e está feita a receita de Gilberto Kassab para derrubar o PSDB e tornar-se a segunda força política em São Paulo, de braços dados com o PT.

Movimenta-se para fazer com os tucanos de São Paulo o que fez com o DEM no plano nacional no momento em que o partido passava igualmente por uma crise de carência de comando e abundância de discórdia interna.

E o que diz o PSDB enquanto é sorvido ao molde de um mingau, pelas beiradas? À falta de porta-voz autorizado, olha para a cena desorientado, sem saber como dar uma meia volta volver nessa marcha cujo ritmo delineia a perda da principal trincheira em 2014.

Começa o jogo - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 31\10


De repente, houve percepção generalizada de que o PSB cresceu e surgiu como um dos mais importantes partícipes do jogo eleitoral. Mas ele já era partido com forte penetração no Nordeste, com seis governadores eleitos, sendo quatro nessa região: Pernambuco, Ceará, Paraíba e Piauí. O que deu caráter nacional ao PSB nesta eleição municipal foi ter enfrentado e derrotado o PT em capitais como Recife, Fortaleza e Belo Horizonte.

Mas o PSB elegeu também o maior número de prefeitos de capitais, ampliando sua atuação para o Centro-Oeste (Cuiabá) e o Norte (Porto Velho). O crescimento de mais de 40% na eleição de prefeitos - vencendo em 440 cidades - dá nova dimensão nacional ao partido, que passará a se sentir incomodado dentro do modelo de coalizão governista, um pouco sem espaço para parceiros que tenham planos de voos mais altos. Mais fácil fazer acordos com o PMDB, que tem tamanho, mas não tem unidade para lançar candidato próprio, do que com o PSB, que já tem seu candidato potencial no governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O papel definidor do PSB pode ser exercido já nas próximas eleições presidenciais ou pode ser adiado para 2018, tudo dependendo das condições objetivas que encontrar pela frente.

As eleições municipais têm mais a ver com a composição futura do Congresso Nacional e também com a eleição de governadores do que propriamente com a próxima disputa presidencial. No entanto, a maneira como os partidos espraiam seu poder político pelo país afora é parte fundamental da logística a ser montada para 2014.

Para efeitos práticos, o que importa é a fotografia do momento, e é certo que o PMDB, com 1.026 prefeituras (168 a menos que em 2008), e PT, com 635 (91 a mais), os dois partidos que estão no poder, governarão quase 1/3 dos municípios brasileiros, o que dá à campanha de reeleição da presidente Dilma forte plataforma para eleger bancadas no próximo Congresso. A base governista tem tudo para manter o controle político no Senado e na Câmara, acrescida do PSD, que surge nesta eleição como a quarta legenda a eleger mais prefeitos, nada menos que 496 nesta sua primeira eleição.

Se somarmos a essas as prefeituras de PP (468), PDT (312) e outros partidos menos votados, teremos um quadro amplamente favorável à campanha de reeleição. Mas acontece que também a oposição manteve uma boa base eleitoral pelo país, melhorando sua posição no Norte e no Nordeste, onde o domínio do governismo era avassalador.

Com as vitórias em Manaus e Belém, no Norte, e Maceió e Teresina, no Nordeste, o PSDB fincou os pés nas regiões, onde tem os governadores de Alagoas, Roraima e Tocantins. A eleição de Arthur Virgílio em Manaus, numa revanche pessoal, depois de ter sido derrotado por Lula na eleição para o Senado em 2010, coloca-o em posição proeminente novamente no PSDB, de que já foi secretário-geral e líder no Senado. O fato de Virgilio ter uma imagem nacional - foi também ministro no governo Fernand o Henrique - dá-lhe condições de interferir nas decisões estratégicas do partido, e ele sem dúvida voltará a ser um dos principais líderes oposicionistas.

No total de prefeituras, o PSDB continua sendo o segundo partido, com 702, mesmo fora do governo há dez anos. Somadas às 278 prefeituras do DEM e 123 do PPS, a oposição tem uma boa base municipal para as futuras disputas.

O que pode desequilibrar a disputa é a decisão que o PSB de Eduardo Campos venha a tomar quanto a 2014. No primeiro momento, a tentativa será de acomodação dentro da aliança governista, até porque as definições para a disputa presidencial só ocorrerão a partir do fim de 2013. Uma aliança entre o PSB e o PSDB de Aécio Neves formaria chapa com força nas principais regiões, mas difícil será um dos dois abrir mão da cabeça de chapa.

Uma aliança hipotética no segundo turno é previsível caso Campos decida investir mesmo na carreira solo em 2014. O senador Aécio Neves pretende concorrer mesmo que a presidente Dilma continue com sua popularidade alta como hoje, sem grande abalos econômicos a enfrentar. Estaria semeando uma colheita para quatro anos depois.

Resta saber se o governador Eduardo Campos se resignará a disputar espaço com o PT e o PMDB por mais quatro anos, na esperança vã de vir a ser o candidato da coligação em 2018.

Isso não se faz, Arnesto - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 31\10


Em vez de forçar os números para mostrar o cumprimento das metas das contas públicas, o governo Dilma podia ter atendido à sugestão do Samba do Arnesto e "ter ponhado um recado na porta" para dar alguma satisfação à sociedade. "Ansim: sinto muito, não deu pra esperá..." etc., e tal.

Ao longo de todo o ano, prometeu que a meta cheia do superávit primário de 3,1% do PIB seria religiosamente observada e, a cada Ata do Copom, o Banco Central assinou em cruz.

O superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) é um dos pilares da política econômica e um dos principais fatores cuja observância (relativa) permitiu a queda dos juros básicos (Selic).

Qualquer um compreenderia que, em plena crise global - a mais séria desde os anos 30 -, num ano eleitoral e de baixa atividade econômica (crescimento do PIB de 1,5%) e, portanto, de arrecadação mais baixa, certas metas não tinham mesmo como ser cumpridas à risca. Além disso, para estimular o consumo, o governo elevou as renúncias tributárias, o que também derrubou a arrecadação. Afinal, contados acertos e erros, o governo não está conseguindo entregar o prometido.

No entanto, em vez de assumir, em caráter excepcional, essa quebra de compromisso, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, prefere manter as aparências. Opta insistir em que tudo será como combinado, mesmo que tenha de sujeitar as estatísticas a contorcionismos de certa atrocidade.

O governo tem forçado estatais, especialmente o BNDES e a Caixa Econômica Federal, a adiantar a distribuição de dividendos para o Tesouro, compensada, em boa parte, com transferências de títulos públicos. E, como já aconteceu, empenhos de verbas normalmente entendidos como despesa passaram a ser considerados "investimento público".

Outras metas da política econômica do governo Dilma foram várias vezes revistas neste ano. Entre elas, a dos juros básicos, que começou sendo de um dígito (abaixo de 10% ao ano) e acabou aprofundada para 7,25%. O crescimento econômico (avanço do PIB) principiou o ano em 4,5%, mas, depois, foi sucessivamente ajustado para baixo. Deve terminar à altura do minguado 1,5%. Também a convergência da inflação para o centro da meta de 4,5% no ano-calendário foi deixada para trás. O Banco Central passou a ser bem mais tolerante com ela e deixou-a para mais adiante, "de forma não linear". Não dá para entender por que as autoridades da área fiscal continuam teimando com o superávit primário de 3,1% do PIB quando ficaram, digamos, incapacitadas de perfazê-lo.

O resultado é o que foi divulgado ontem pelo Banco Central: até setembro, o governo realizou menos de 60% da meta já revisada, de R$ 97 bilhões.

O maior prejuízo desse comportamento é a perda da capacidade do governo de mobilizar os agentes econômicos nos planos de crescimento. Quando, por exemplo, a presidente Dilma voltar a reunir a nata do empresariado e lhes pedir a liberação do espírito animal e a puxar pelos investimentos, eles vão argumentar que não dá para acentuar a dedicação quando o governo não só deixa de entregar o que promete, como também não reconhece que as coisas não estão saindo como o planejado. Ou seja, "na outra vez nóis num vai mais".

Tempestade na costa - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 31\10


Na economia, tudo vira uma medida. Sendo assim, aqui vai: a supertempestade Sandy ainda não está completamente calculada, mas pode ficar em 20% do Katrina. Pouco, portanto, mas são US$ 20 bilhões de perdas econômicas. Sem falar no custo para as empresas de seguro, que será maior do que o furacão Irene de agosto do ano passado, que foi de US$ 4,5 bilhões.

As máquinas de calcular das várias consultorias especializadas em estimar riscos estavam a todo o vapor ontem. A Eqecat avalia entre US$ 5 bilhões e US$ 10 bilhões as perdas dos bens segurados, o que se transforma em custo para as empresas seguradoras, e de US$ 10 bilhões a US$ 20 bi as perdas econômicas. A Capital Economics fecha em US$ 20 bi o custo total e lembra que o tsunami no Japão causou prejuízo de US$ 200 bilhões, e o furacão Katrina, de US$ 100 bi. A IHS Global Insight acha que só as perdas econômicas podem chegar a US$ 30 bilhões. Não há consenso, é cedo.

Nova York continuou com lojas, bancos e bolsas fechadas. Mas hoje as bolsas devem reabrir. A cidade ainda deve ficar mais uns dias sem metrô, a falta de luz se espalhou para mais consumidores, e isso afeta inclusive a capacidade de trabalhar remoto - uma possibilidade que a tecnologia permite. A ONU pediu desculpas por estar com seu site, e seu sistema, fora do ar, por falta de energia. Telefonia celular nem sempre pode substituir o fixo, por falta de energia ou por eventos como a sede da Verizon, que fica na parte baixa de Manhattan, atingida pela inundação. Terminais de portos e aeroportos fechados na Costa Leste estão afetando diretamente a cadeia de suprimentos.

O evento está em curso e ele tem efeitos econômicos e políticos. Faltando dias para as eleições americanas, as candidaturas estão congeladas, e o presidente Obama, exposto em sua capacidade de resposta diante de uma crise complexa. Por outro lado, o jornal "New York Times", que já anunciou que apoia a reeleição de Obama, fez um duro editorial contra o candidato republicano, Mitt Romney.

Em seu primeiro debate nas primárias do seu partido, Romney afirmou que não apenas era a favor de se devolver aos estados as funções de responder aos desastres e emergências, como disse que iria além: melhor seria privatizar esse serviço.

É preciso ser insensato para pensar em entregar para empresas a gerência de crises nas quais precisam ser mobilizados vários serviços públicos. A Agência Federal de Gerência de Emergências (Fema), foi criada pelo presidente Jimmy Carter, fortalecida na hierarquia federal por Bill Clinton, neglicenciada por George Bush. O candidato a vice na chapa de Romney, Paul Ryan, é autor de cortes nos gastos da agência que vão a 43%.

Eles não acreditam em mudança climática, sendo assim, no seu horizonte, não está o alerta que tem sido feito por nove em cada dez climatologistas - fazendo a conta por baixo - de que esses eventos ficarão mais extremos e mais frequentes. A ideologia, neste caso, é perigosa, exatamente porque se não houver sistema de prevenção forte, e de resposta a eventos como este, eles provocarão mais mortes e prejuízo.

Há economistas falando que depois da tempestade virá o impulso econômico da reconstrução e que novos empregos serão gerados e mais atividade vai acontecer. Por outro lado, teme-se que as vendas fiquem mais fracas no Natal porque os consumidores atingidos estarão mobilizando seus recursos para reparar estragos ou se proteger contra acontecimentos como este. O fato é que desastres naturais vêm e passam, o problema é que ocorrerão com mais frequência, o que torna a economia um terreno cada vez mais instável e imprevisível.

O velho no novo - ROBERTO DaMATTA


O Estado de S.Paulo - 31\10


Papai - perguntou um menino aflito depois de ver seu time de futebol fragorosamente derrotado pelo "inimigo" -, este gosto amargo de derrota passa?

O pai que com ele viu o jogo e era duplamente vitorioso, pois o seu time era justamente o vencedor e ele, Pai, sabia tudo, respondeu com amor:

- Meu filho querido, tudo passa e volta. A vida contém a morte e a morte contém a vida. Seu avô morreu, mas, veja, nasceu o seu priminho Quincas, que nos fez esquecer a morte. A vitória contém a derrota e a derrota traz, lá dentro, a vitória.

* * * *

Conte-me um mito importante, perguntou de gravador em punho um jovem e idiotizado antropólogo a um nativo. Sou estudioso de Lévi-Strauss e quero testar suas teorias de modo mais profundo. O índio ouviu, ficou com pena daquela criatura sôfrega, faminta, desorientada e disse:

- Abra os ouvidos. Isso foi no tempo em que não havia fogo. Comia-se carne crua, podre ou seca. Era horrível. Foi assim até o dia em que um menino saiu com seu cunhado atrás de penas de araras para fazer enfeites. O cunhado colocou um tronco para o menino subir até o ninho das araras situado no alto de um penhasco, mas os filhotes eram brabos e ele teve medo. Irritado, o marido de sua irmã foi embora. Abandonado pelo afim impaciente (os afins - gente como sogros e cunhados - não são, como deve saber o leitor, confiáveis), o menino ficou lá em cima, preso no ninho das araras. Misturou-se a elas e ficou sujo de suas fezes porque era literalmente - disse o índio que assistia à TV todo dia e lia os jornais na internet - "um estranho no ninho". Depois de uns dias e já com muita sede e fome, ouviu a voz de uma onça que pergunta o que ele, menino, fazia num ninho de araras. Fui abandonado por meu cunhado, disse o menino.

Após garantir que não seria comido pela onça, o menino desceu da escarpa e a onça o levou no seu vasto lombo para um ribeirão onde ele se limpou e saciou a sede. Em seguida, a onça o levou para sua casa. Lá, uma onça fêmea e grávida assava um pedaço de carne tipo picanha - acrescentou o índio para facilitar o imbecil do antropólogo - numa fogueira. O cheiro da carne assada sentido pela primeira vez varou a surpresa do menino, despertando-lhe imediatamente o apetite. Provou a carne e apreciou o poder transformador do fogo que permita, entre outras coisas, controlar o grau de cozimento naquilo que corresponde aos níveis de sociabilidade em torno da comida comum, esse elemento de comunhão e de solidariedade imemorial, arrematou o índio que havia lido Robertson Smith e Émile Durkheim. O menino comeu, comeu e comeu e não saciado - pois o novo (mesmo sendo velho) inventa o "quero mais" - repetiu tudo o que fez com que a onça fêmea ficasse irritada por sua falta de maneiras à mesa.

Quando o onça macho que o menino chamava de "tio" foi caçar e ele pediu mais carne, a fêmea o ameaçou com garras e dentes. Mas o menino havia recebido do Tio Onça um par de flechas e um arco (esses instrumentos de defesa equivalentes às garras das onças, explicou o índio para o antropólogo que balançava afirmativamente a cabeça). Sem dúvida, ele feriu a onça, correu para a aldeia. Lá - como um empresário moderno -, anunciou um novo modo de comer carne. Os índios foram à morada da onça e roubaram-lhe o fogo.

Foi assim que os homens passaram do cru ao cozido, terminou o índio com um riso simbólico atendendo a uma chamada no seu celular. Agora, as onças têm o fogo apenas dentro dos olhos - misto de ameaça e ressentimento - quando vistos na escuridão da noite.

* * * *

Ela era atraente e viva. A beleza não havia visitado aquela pessoa feita desses múltiplos atributos que definem as mulheres e que vão dos sapatos de salto alto aos colares e à pela lisa e boa de acariciar. Era matemática e especialista em geometria algébrica, uma subdisciplina da chamada Rainha das Ciências que o leitor naturalmente conhece de sobra...

O jovem Natan, era seu aluno de mestrado e se mostrara um excepcional matemático. Como se sabe, a matemática é como a música: ou você toca alguma coisa ou cai fora. Aos 20 anos, senão antes, o verdadeiro matemático resolve equações nebulosas e decifra cabeludos enigmas. Tal como Mozart que compunha aos 5 aninhos quando era exposto como gênio nos ducados europeus pelos seus pais-empresários, que hoje seriam provavelmente processados por exploração de menor, mas deixa pra lá.

Natan se apaixonou, Joana ficou interessada. Corria pelos corredores que a matemática era uma matadora. Tivera tantos namorados quanto os teoremas dos seus artigos e aulas. Natan fingia não ouvir ou saber. Ao término da brilhante tese de doutorado, aprovada com louvor e realizada em menos de três meses, Joana o convidou para jantar em sua casa - tinha um presente para ele. Quando todos se foram, deu-se aquele beijo com um Natan na ponta dos pés porque a mestra era muito alta. Após o susto do prazer e o prazer do susto que se chama milagre, ele perguntou pelo presente. Ela mandou que esperasse na saleta.

Depois de alguns minutos, entrou envelopada num robe de seda. Chegou à frente do jovem, abriu o robe e disse: eis o seu presente...

Vinte minutos depois, um Natan corado e confiante, pergunta: afinal, Joana, é verdade que você teve uma porrada de namorados? Ela olhou o jovem de frente e disse com aquela ternura das mulheres: tive muitos, mas perdi minha virgindade hoje com você. Há quem tenha ouvido um suspiro, mas eu não posso confirmar.

* * * *

Foi uma semana cheia. Segundo turno do "ganha-e-perde" eleitoral; a "descoberta" que a comida cozida transforma o cérebro humano; a "novidade" da moça que está vendendo sua virgindade. Se você não entendeu, querido leitor, escreva. Eu tento explicar.

terça-feira, outubro 30, 2012

Estado de graça - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 30\10


Dizem que a vitória cura todas as feridas. Mesmo não sendo uma verdade absoluta, certo é que ameniza os espíritos.

Na noite de domingo, logo após a confirmação do resultado em São Paulo, o PT estava em estado de graça. Dos petistas habitualmente belicosos, como o assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, aos mais apaziguadores, como o deputado Arlindo Chinaglia e o prefeito de Osasco, Emídio de Souza, todos pregavam bom senso e moderação.

Falando aberta e francamente nos erros crassos que levaram a derrotas do partido, reconhecendo a "aspiração legítima" do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, à disputa presidencial de 2014 e defendendo "respeito" às decisões do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão.

Aparentemente essa prudência se deve ao "relax" decorrente da eleição de Fernando Haddad. Mas é possível também que tenha a ver com o balanço objetivo de perdas e ganhos, no qual o PT não fica tão bem quanto apregoa.

O equilíbrio partidário observado no primeiro turno foi confirmado com o seguinte resultado final: o comando nas 26 capitais onde há prefeitura (o Distrito Federal não tem prefeito) está distribuído entre 11 partidos.

Isso quer dizer que há 11 legendas fortes e representativas? Não, significa que nesse sistema partidário fragmentado e frágil as condições locais - empatia do candidato, alianças, rumo da campanha etc. - prevalecem sobre a identificação do eleitor com esse ou aquele partido.

Outro dado a ser considerado: o ex-presidente Lula concentrou esforços em 17 cidades País afora, ganhando em oito delas e perdendo em nove. São Paulo, evidentemente, desequilibra, mas o cômputo geral desidrata a mistificação sobre o poder de Lula na condução da vontade do eleitor.

Ganha onde pode e faz as coisas certas. Onde quem acerta é o adversário, Lula e PT enfrentam as mesmas adversidades que qualquer outro partido ou político quando o eleitorado resolve dar o próprio jeito.

Os petistas contam com muitas vantagens - objetivos claros, boa dose de unidade e comando -, mas nelas não se inclui uma ligação direta, automática, permanente e, sobretudo, segura entre a presença do ex-presidente, a força do governo federal e o voto na urna.

De onde provavelmente a preocupação das lideranças de não se deixar inebriar excessivamente pelo êxito paulistano.

Arlindo Chinaglia, por exemplo, diz com todas as letras que insucessos fragorosos como os registrados em Recife e Porto Alegre devem-se exclusivamente a erros de cálculo do partido.

Essa "pegada" pós-eleitoral mais leve não pode ser vista como desistência do PT de se manifestar contra as condenações.

Já no decorrer desta semana, o partido apresentará publicamente a própria "leitura" de que houve uma grande injustiça e, quando for concluído o processo, ficará ao lado dos réus que decidam recorrer ao simbolismo de apelos a organismos internacionais.

Mas, se prevalecer o estado de espírito da noite da conquista da joia da coroa, nada de mobilizações de caráter institucionalmente desabonador em relação à Corte suprema.

"O eleitor separou o julgamento da eleição. O partido deve saber também fazer essa separação, compreendendo que vitória eleitoral não é salvo-conduto", analisava o prefeito de Osasco.

Marco Aurélio Garcia cobrava o mesmo rigor na apreciação do processo do "mensalão mineiro", cujo protagonista é o tucano Eduardo Azeredo, e reclamava do "clima de viva emoção" agora em torno do STF.

É de se notar, porém, o tom de passo adiante quando fala em "nova linhagem do PT" e defende uma reforma política "que nos previna desse tipo de acontecimento".

Emerge da eleição um discurso ameno, pragmático, para se contrapor ao ânimo radical que até "fala" ao coração de militância, mas não conquista a cabeça da maioria do público.

O novo-velho - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30\10


A figura que melhor representa o atual estágio de nossa política partidária, até porque, mesmo responsável direto pela maior derrota de seu aliado PSDB, pode se considerar “vitorioso” nesta eleição, é o prefeito Gilberto Kassab. As características mais enraizadas, a esperteza mais óbvia, todas as ambiguidades de nossa política que afugentam o eleitor das urnas em nível nunca antes registrado estão reunidas em Kassab e em seu novo-velho PSD, partido que não é “nem de centro nem de direita nem de esquerda” 

Para se ter uma ideia de como o prefeito paulistano é capaz de uma política pragmática, basta ver que ele é um dos principais articuladores no Congresso da aprovação de uma lei que impede novos partidos que venham a ser criados de ter tempo de TV e fundo partidário. A ideia é desestimular a criação de novos partidos, e Kassab está realmente preocupado com a possibilidade de novas legendas pipocarem no cenário político. 

Mas ele não foi o criador de um dos mais recentes partidos? Claro, mas agora, após ter ameaçado disputar até no STF o direito a tempo de propaganda eleitoral e dinheiro, ele quer fechar a torneira. E tem razão. Ao todo são 30 partidos legalmente reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral. Depois do PSD, foram criados mais dois: Partido Pátria Livre (que já tem até um senador) e Partido Ecológico Nacional. Na fila do TSE há vários outros: Partido dos Servidores Públicos e dos Trabalhadores da Iniciativa Privada do Brasil (PSPTP); Aliança Renovadora Nacional (Arena); Partido Nacionalista Democrático (PND); União Democrática Nacional (UDN); Partido Pirata do Brasil (Piratas); e Partido Federalista. 

Com taxa de rejeição altíssima, mesmo assim Kassab foi assediado por petistas e tucanos, na suposição de que a máquina municipal teria serventia em uma disputa que se mostrava difícil. 

Lula farejou com precisão em São Paulo para onde o vento soprava e obteve sua grande vitória pessoal, coisa que não ocorreu no resto do país, onde sofreu derrotas pessoais importantes em Recife, Fortaleza, Salvador, Porto Alegre, Manaus, Campinas, Belo Horizonte. Em São Paulo, porém, Lula acertou a mão na escolha de um candidato que vestiu o PT com roupagem nova, longe do mensalão, embora tenha arriscado muito com o apoio de Maluf e pudesse ter levado para seu candidato toda a rejeição do prefeito caso o PSDB não tivesse convencido Serra a se candidatar. 

A “lealdade” a quem o levou ao poder fez Kassab abandonar o namoro com o PT. Mas a “lealdade” era apenas local, e o PSD passou a fazer acordos políticos com os petistas e o Planalto em diversas disputas municipais, como em Belo Horizonte, a pedido da presidente Dilma, ou no interior paulista. 

Na eleição para prefeito de São Carlos, o PSD de Kassab apoiou Osvaldo Barba, do PT, que não conseguiu a reeleição. Mas o PT registrou a boa-vontade. Em Ribeirão Preto, foi a vez de o PT apoiar a reeleição de Dárcy Vera, do PSD. 

Na capital mineira, teve que fazer uma intervenção no diretório local do PSD, que pendia para um acordo com o prefeito Marcio Lacerda, do PSB. 

A situação ambígua desse apoio de Kassab a Serra a nível local e ao Planalto a nível nacional provocou situações estranhas, como estar no palanque do derrotado e já aparecer como uma das forças de apoio a Haddad mesmo antes que as urnas decretassem a derrota de seu “padrinho”. Foi o alvo preferencial das críticas da campanha petista e passa a ser aliado importante na grande aliança governista. 

Com a força que sua legenda ganhou — além de ser hoje a quarta maior bancada no Congresso, o PSD elegeu 494 prefeitos —, Kassab tornou-se figura importante no jogo político de Brasília, para onde se muda ao fim de seu mandato para articular seu papel na disputa presidencial de 2014. Um ministério aguarda o PSD. Nesse caso terá outro problema de “lealdade” para gerir caso o governador Eduardo Campos resolva mesmo sair do campo governista para ser candidato à sucessão de Dilma. Como se sabe, o PSD de Kassab foi uma construção conjunta com o PSB de Campos, e os dois partidos chegaram a pensar em uma fusão logo no início. 

Mas esse é doce problema que será resolvido a seu tempo, mesmo porque nada indica que Campos, também dentro do espírito pragmático que norteia nossa política, vá decidir logo que rumo tomará. Até 2014 há muito tempo para negociar.

Uma cidade que é um país - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30\10


A eleição de Fernando Haddad para prefeito em São Paulo representa o segundo sucesso de um projeto do ex-presidente Lula: lançar novos quadros políticos no país. Os partidos precisam de renovação, e o PSDB deveria fazer o mesmo, como bem lembrou o ex-presidente Fernando Henrique. A cidade de São Paulo e seus gigantescos problemas precisam muito que ele dê certo no cargo.

Haddad deixou a desejar como ministro da Educação. Cada problema que teve na execução dos testes de avaliação pode ter uma boa explicação; todos juntos mostram falha evidente de gestão. Lembra os casos de apagão. Cada um é um raio, um incêndio em subestação, um acaso; juntos mostram que há problemas graves de manutenção e de operação da rede interligada.

Se fossem só os vazamentos das provas do Enem, poderia até ser aceitável. O problema é que houve pouco avanço nos indicadores educacionais e, em alguns casos, retrocesso. Os dados da última Pnad mostraram piora em indicadores como os do ensino médio, onde houve aumento da evasão e uma queda do percentual de jovens na escola. Isso é completamente inconcebível.

A cidade de São Paulo é um país. Grande, difícil de governar, com sua força e seus descaminhos. Tem graves dificuldades de mobilidade urbana, agravadas pela política econômica de uma nota só: incentivar a compra de automóvel.

Haddad, como Dilma, foi chamado de poste. Convenhamos: ninguém se elege no Brasil só porque um líder, por mais popular que seja, indica, aposta ou faz campanha. Para confirmar isso, basta ver que o ex-presidente Lula e a presidente Dilma tiveram derrotas em outras cidades, mesmo se esforçando pela vitória. Haddad não seria prefeito sem a decisão de Lula de indicá-lo, impô-lo ao partido e fazer campanha para ele. Mas se ele não tivesse acertado - e os adversários, errado - não seria eleito em São Paulo.

Nesta trajetória, que o levou dos 3% de intenção de votos no começo da campanha aos 55% de votos no segundo turno, provavelmente aprendeu mais do que em qualquer curso que fizesse sobre como governar São Paulo. E essa é a vantagem da democracia e do voto direto.

Tomara que não cometa muitos erros ao governar, porque São Paulo, pelo seu gigantismo, não comporta o aprendizado via tentativa e erro. Tomara também que o governo federal não erre ao tratar os assuntos da cidade.

Um deles é a gigantesca dívida municipal, de R$ 72 bilhões, quase duas vezes o orçamento anual da cidade. Nos últimos dois anos, a arrecadação não tem conseguido chegar ao projetado porque na indústria é que está o impacto maior do baixo crescimento.

A dívida de São Paulo tem crescido muito. E os administradores, de qualquer partido, têm pedido uma mudança do indexador ou redução dos juros. Outras cidades pagam menos, mas, em grande parte, porque trabalharam para isso.

A dívida foi renegociada na gestão Maluf-Pitta. Na época, o município tomou a decisão equivocada de aceitar juros de 9%. Foram oferecido a todos os entes federados endividados juros de 6%, caso dessem um pagamento inicial de 20% através de receitas de privatização. Maluf, hoje aliado de Haddad, foi parte do endividamento e era o orientador do prefeito que cometeu esse erro. Vários estados e cidades preferiram quitar uma parte e ter a dívida mais barata. Recentemente, o município do Rio tomou empréstimos externos para reduzir o custo da dívida. Seria lamentável se a administração Haddad fosse tratada de maneira diferente de outras. O problema existe, a solução tem que ser para todos, e não um acerto entre Haddad e Dilma.

Meio cheio ou meio vazio? - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 30\10


Depois de amargar prejuízos de R$ 1,3 bilhão no segundo trimestre deste ano, a Petrobrás apresentou no período seguinte lucros insatisfatórios, de R$ 5,6 bilhões - 12,1% mais baixos do que no terceiro trimestre de 2011.

A diretoria tentou dar ao resultado o tratamento de "copo meio cheio", o de que os problemas vão sendo superados. Mas os analistas entendem que o desempenho da Petrobrás continua decepcionante e, por isso, preferem ver a situação como de "copo meio vazio".

A partir da recomposição da diretoria em abril deste ano, esperava-se a correção dos problemas. A presidente, Graça Foster, determinou a remoção de importantes esqueletos dos armários, especialmente o reconhecimento de 41 poços secos ou subcomerciais cujos custos foram definitivamente lançados como despesas sem retorno, não como investimento. A partir daí, Graça se pôs em campanha destinada a recuperar a confiança na empresa. Ela própria sugeria que o prejuízo do segundo trimestre havia sido um ponto fora da curva e convidava o investidor a voltar a apostar suas fichas na empresa.

Os resultados do terceiro trimestre foram medíocres por velhas e novas razões. A produção de petróleo na Bacia de Campos está em flagrante declínio. O novo diretor de produção, José Miranda Formigli, reconhece "problemas de ineficiência", embora pondere que esteja trabalhando para revertê-los.

Entre as razões da queda da produção de 4,4%, em setembro ante agosto - a pior desde abril de 2008 -, aponta para "paralisações além do previsto", que atribui a más condições meteorológicas na execução de serviços de manutenção das plataformas P-53 e P-57 - como se imponderáveis tivessem de ser desconsiderados das equações de governança.

Além dos aumentos de custos, o diretor Financeiro, Almir Barbassa, admitiu ontem que a empresa não está conseguindo se desfazer de ativos no exterior, de US$ 14,8 bilhões, operação que se destina a recompor a capacidade de investimento. Aparentemente, os eventuais pretendentes identificaram as fragilidades da Petrobrás e preferem esperar até que as premências de caixa se encarreguem de colocar as prendas na bacia das almas. Desse modo, os desinvestimentos que deveriam concentrar-se em 2012 agora vão sendo postergados para até o final de 2014.

Entre os principais causadores dos problemas de caixa está o desalinhamento dos preços ao consumidor em relação aos praticados no mercado internacional. Como não consegue processar aqui todo o volume de combustíveis, a Petrobrás se vê obrigada a vender parte deles no mercado interno a preços mais baixos do que os que paga aos fornecedores externos.

Em junho, a diretoria condicionou o cumprimento do programa de investimentos de US$ 236,5 bilhões em 4 anos ao reajuste de pelo menos 15% dos preços internos. Os últimos repasses, de 7,83% (para a gasolina) e de 6,00% (para o diesel), entre junho e julho, apenas com redução de impostos, não mudaram significativamente as coisas. O governo Dilma pratica em relação aos combustíveis a mesma política populista da presidente da Argentina, Cristina Kirchner: comprime os preços à custa da capacidade de investimento da Petrobrás.

O maior problema não é sequer o adiamento dos reajustes. É a falta de critérios para definição dos preços. Eles são ou não são o que der na telha de quem ocupa o cargo de ministro da Fazenda.

domingo, outubro 28, 2012

Farsa histórica - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 28/10


Querer transformar em heróis os principais líderes condenados pelo mensalão tem o mesmo tom de farsa da afirmativa de que são "prisioneiros políticos condenados por um tribunal de exceção". A defesa de José Dirceu tenta constranger os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) da mesma maneira que a de José Genoino tentou em vão durante o julgamento, confrontando-os com uma história de vida que teria "alto valor social" pela luta política desenvolvida tanto contra a ditadura militar quanto na democracia, com a fundação do Partido dos Trabalhadores.

Seria realmente patético se, em consequência dessa classificação esdrúxula de "perseguidos políticos", alguns deles pedissem asilo político a "democracias" como a Venezuela ou Cuba, capazes, sim, de compactuar com a farsa que surge da tentativa de repetir a história. Ou o Equador, como fez, desmascarando-se, Julian Assange do Wikileaks. Cairiam no ridículo se tentassem pedir asilo a uma democracia verdadeira.

Como escreveu Karl Marx, autor que deveria ser conhecido da parte dos réus que tenta dar contornos políticos à roubalheira em que foram apanhados, a história se repete, "a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa".

Pois Genoino, ex-presidente do PT, e Dirceu, ex-ministro-chefe da Casa Civil, tentam trazer para o presente o passado, que para muitos foi heroico, para justificar os crimes que praticaram contra a democracia, a favor da qual dizem ter lutado.

Nada indica que a Guerrilha do Araguaia promovida pelo PCdoB maoista pretendesse instalar no Brasil um governo democrático, nem que José Dirceu, do Molipo (Movimento de Libertação Popular) tenha ido para Cuba aprender democracia.

Mesmo sem entrar nos eventuais méritos que tenham tido na luta política, esses "valores sociais" só fariam agravar a atuação dos dois no episódio em julgamento, pois estariam traindo seus "ideais democráticos", agindo contra a própria democracia.

O ex-guerrilheiro José Genoino já havia se transformado em um perverso formulador da História ao se dizer vítima de novos torturadores da imprensa, que em vez de pau de arara usariam a caneta para lhe infligir sofrimentos. Tal desvirtuamento de ideias, transformando a liberdade de expressão e de informação em instrumentos de tortura, mostra bem a alma tortuosa desse político metido em bandidagens a guisa de impor um projeto político "popular".

Transformar um bando de delinquentes, na definição do ministro Celso de Mello, em heróis é uma tentativa de vitimizar os condenados, dando conotações políticas elevadas ao que não passou de um assalto aos cofres públicos com o objetivo de perpetuar um partido no poder através do desvirtuamento da própria democracia.

No julgamento, alguns ministros, mesmo que sugerindo respeito, ressaltaram que não estavam julgando o passado dos réus, mas os fatos nos autos do processo. Autos produzidos no sistema judiciário democrático, sob a atuação do Ministério Público Federal, um avanço da Constituição de 1988 (que o PT se recusou a assinar).

Os dois procuradores que atuaram no processo, Antonio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, foram nomeados pelo ex-presidente Lula, e sete dos dez atuais ministros do Supremo Tribunal Federal foram indicados por Lula e Dilma.

Sem falar que o PT está no governo há dez anos, e o processo se desenvolveu nos últimos sete anos. Todos esses pontos tornam ridícula a alegação de que os condenados foram vítimas de um complô "da direita" em conluio com a "mídia golpista".

Até Lula, de fora do processo, mas cada vez mais dentro do projeto de poder beneficiário dos golpes cometidos, saiu-se com a tirada de que já fora "absolvido pelas urnas", alegando para isso sua reeleição, seus 80% de popularidade e a eleição de Dilma.

Fora o ato falho de admitir que alguma coisa fizera para ser absolvido, Lula teve que ouvir dos ministros, em diversas ocasiões, que eleição não tem o dom de apagar os crimes cometidos.

Essa tentativa por parte de Dirceu de colocar-se como um grande brasileiro com "valor social" tem a ver com a possibilidade de anistia por parte da presidente da República, hipótese aventada para o fim do ano. Seria um acinte ao STF, um escândalo para a opinião pública e um reforço à percepção de que, no Brasil, quem tem amigos poderosos não vai para a cadeia.

Ouvidos moucos - DORA KRAMER

O Estado de S.Paulo - 28/10


Nada obriga os partidos a se curvarem às evidências. Aliás, o que mais fazem é virar as costas a elas, conforme indica a falta de "encaixe" entre eles e o público pagante.

Legalmente estão autorizados a ignorar as condenações do Supremo Tribunal Federal e os que tiverem dirigentes mandados à prisão podem tocar em frente sem se dar ao trabalho de excluí-los de seus quadros ou destituí-los de suas funções.

O leitor e a leitora disseram alguma coisa sobre compromisso moral? Não percam seu tempo.

Pelo que se ouve no PT, PP, PTB e PR (antigo PL) a tendência é levar ao paroxismo a condição de entidades de direito privado com inteira autonomia sobre as respectivas vidas. Ou seja, o STF condena, mas para eles isso é indiferente. O PR, por exemplo, tratou de reconduzir o deputado Valdemar Costa Neto ao cargo de secretário-geral dias depois de o tribunal declará-lo culpado por corrupção passiva, ativa, lavagem de dinheiro e peculato. Na undécima hora ele foi beneficiado pelo empate na votação por formação de quadrilha.

O PTB dá ao seu presidente licenciado, Roberto Jefferson, o tratamento de mártir denunciante que merece ser "homenageado", segundo o deputado Arnaldo Faria de Sá, e sequer cogita abrir discussão sobre punição.

O PP informa que examinará a situação de Pedro Henry e Pedro Corrêa - integrantes da Executiva Nacional do partido e condenados por corrupção passiva -, depois da conclusão do julgamento. Mas adianta desde já: não há a menor disposição sequer para admoestá-los.

O PT é o único a ter no estatuto a previsão de expulsão para condenados em última instância. Neste ponto segue um critério da Constituição quando estabelece perda de mandatos eletivos pela mesma razão. No entanto, o partido tende a afirmar sua "independência" alegando que uma coisa é a Justiça, outra muito diferente é a política.

Não obstante a lei seja uma coisa só e, em tese, igual para todos.

Espectador. Há 12 anos cassado pelo Senado, condenado a 31 anos de prisão por crimes relativos a desvio de dinheiro das obras do tribunal do trabalho de São Paulo, o empresário Luiz Estevão não perde uma sessão do julgamento do mensalão. "Se não vejo, ouço e acho tudo muito bom", diz enquanto se ajeita na cadeira do avião onde hoje, se alguém o reconhece daquele tempo de exposição como réu, guarda a lembrança para si.

Ele acompanha com entusiasmo, primeiro porque considera que o Supremo está impondo um freio de arrumação nos meios e modos da prática da ilegalidade na política. "As coisas sempre foram assim, nos municípios, nos Estados e no plano federal. Agora o Supremo está dizendo que quem quiser continuar fazendo assim vai ter de arcar com as consequências", aponta, falando naturalmente de cadeira.

O segundo motivo para Luiz Estevão olhar com agrado as decisões do STF tem a ver com o próprio processo, cujo recurso à sentença do Tribunal Regional Federal de São Paulo será julgado no ano que vem no Superior Tribunal de Justiça.

Se perder, pensa em recorrer ao Supremo reivindicando as mesmas penas impostas a Marcos Valério. A punição que recebeu por dois crimes semelhantes foram três vezes mais duras.

Por uma ocorrência de corrupção e outra de peculato, o operador do mensalão foi condenado a três anos em cada. Luiz Estevão pegou nove anos por corrupção, nove por peculato e dois anos e meio por formação de quadrilha, a única condenação igual à de Valério.

No cômputo final Valério receberá muito mais que os 31 anos de Luiz Estevão porque responde pelo dobro de crimes.

Por isso é que o primeiro senador cassado da História do Brasil - e, até Demóstenes Torres, o único - não concorda com as críticas feitas ao Supremo por excesso de rigor. "Não diria que o tribunal está sendo brando, mas bastante moderado."

O BC e a inflação - SUELY CALDAS



O ESTADÃO - 28/10
Previsibilidade é a palavra-chave para prevenir turbulências no mercado financeiro. Se os agentes do mercado ganham dinheiro com o sobe e desce das cotações de ativos, cabe ao Banco Central (BC) levar a este cenário-onde o dinheiro corre frouxo e exageros são bem-vindos - previsíveis certezas que neutralizem a ação desses agentes. Por isso desde o final dosanos 90 foram criados instrumentos de proteção contra especuladores, e entre eles despontam o Comitê de Política Monetária e o sistema de metas de inflação. Esperadas com avidez pelo mercado, as atas das reuniões do comitê costumam ir além dos fundamentos que justificam a decisão sobre juros, indicando intenções futuras do BC. Como quando, há dias, o BC preveniu que cessaram os cortes da taxa Selic

Se o governo escorrega,vacila e transmite dúvidas sobre suas intenções em política macroeconômica,abre a porteira para a especulação e o desequilíbrio do mercado financeiro e fecha para quem tem intenção de investir.Além de dificultar cálculos que definirão o futuro de seu negócio, o investidor privado passa a temer que a dúvida se traduza em mudança de rumos no futuro e acaba adiando ou desistindo do investimento. É o que de pior pode acontecer agora, quando o País busca sair de taxas medíocres de crescimento econômico e o investimento produtivo e em infraestrutura é fundamental para isso.

Foi preocupado com a porteira que, num de seus mais longos discursos para uma plateia lotada de potenciais investidores, o presidente do BC, Alexandre Tombini, reafirmou a eficácia econômica do sistema de metas de inflação, que economistas e consultores vinham avaliando como superado, enfraquecido e substituído pela meta dos juros. "Após 13 anos de adoção e 8 anos consecutivos em que as metas foram cumpridas, o regime de metas se consolidou e comprovou ser o que melhor se adapta à realidade brasileira e a um ambiente global em que os choques têm sido cada vez mais frequentes e mais intensos. Nos próximos anos a política monetária continuará sendo conduzida tendo como foco, exclusivamente, o compromisso com a estabilidade de preços, seguindo a abordagem das metas para a inflação", afirmou Tombini.

Na ênfase nessa "exclusividade" de compromisso está implícito que, se a inflação fugir do intervalo da meta,o BC vai elevar os juros, sim. Mas ele não garantiu ter por objetivo perseguir os 4,5% do centro da meta, deixando no ar a tolerância em aceitar um índice mais alto, mas que não ultrapasse o teto de 6,5% - como aconteceu em 2011, este ano e pode se estender até 2014, na projeção de bancos e consultorias.

Ao perceber que a análise da prioridade do juro sobre a inflação vinha ganhando espaço e gerando um ambiente confuso de incertezas, desfavorável ao investimento, Tombini veio a público esclarecer que o BC não abandonou o sistema de metas de inflação - uma das pernas do tripé que tem sustentado o sucesso da política macroeconômica.

Previsibilidade, transparência e estabilidade de preços são condições indispensáveis, mas não suficientes, para estimular o investimento.Decisões de ampliar a produção industrial dependem ainda da taxa de crescimento econômico,que depende de infraestrutur afluente,bem supridae e ficaz. A quiestáo problema. Embora o governo se aproprie de 36% de toda a riqueza produzida pelo País, investe só 2%. Ou seja, precisa do investidor privado.Mas a falta de um programa bem planejado, as frequentes intervenções do Estado na economia,agências reguladoras mal aparelhadas, incertezas regulatórias e longas indecisões do governo têm atrapalhado e desencorajado o investidor privado.

O caso dos aeroporto sé um exemplo.

Por ter criado regras erradas, o governo colheu um resultado ruim na primeira licitação. Agora tenta consertar o erro, mas quer impor o Estado como sócio majoritário. Primeiro, com a Infraero no comando; depois, agregando os fundos de pensão de estatais. Após ouvir um sonoro não dsgrandesoperadoras, tudo indica que a solução será seguir o modelo de privatização de FHC. Perdeu tempo e está atrasado para a Cop

Riscos argentinos - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 28/10



Nada do que acontece na Argentina, hoje, na economia e na política, é como foi no passado, claro. Mas tudo aponta para riscos futuros. É como se fosse o primeiro passo na estrada que já levou o país ao desastre. Empresários amigos do governo recebem publicidade estatal e são incentivados a comprar jornais; os outros são asfixiados. Na economia, a inflação é tratada com descaso.

A tragédia política e o colapso econômico foram visitados até o fundo do poço no país vizinho, onde tudo parece sempre mais exagerado aos nossos olhos. Eles estão aceitando que se mine devagar a liberdade de expressão e deixando crescer a inflação, depois de terem vivido o que viveram. Duas temeridades.

- Ah, nesta luta vocês, brasileiros, estão nos vencendo de dez a zero - afirmou Ceferino Reato, jornalista argentino que entrevistei na semana passada, pela Globonews.

Ele se referia à luta contra a inflação. Eu dera a ele de presente um exemplar do meu livro que conta a vitória do Brasil na busca da estabilização.

- Lula esteve na Argentina e disse que a inflação não pode subir de maneira alguma porque isso afeta exatamente os mais pobres - contou.

Outro argentino me disse, dias atrás, que nós aprendemos sobre os riscos inflacionários, e eles, não. Aqui também há problemas, mas a população reage mais cedo. No Brasil, quando a inflação sobe, a popularidade dos presidentes tende a cair. O brasileiro ficou com uma saudável alergia à alta de preços. Oferta excessiva de crédito e aumentos salariais podem atenuar o desconforto econômico, mas é difícil imaginar o Brasil vivendo uma inflação de 25%, mascarada por um instituto de preços sob intervenção, e os institutos privados sendo ameaçados na Justiça caso divulguem o número certo. É isso que se vive lá.

Reato conta que não há uma censura à imprensa como no passado, do tipo "você não pode publicar isso". Admite que, como em qualquer país, a imprensa argentina se equivoca e publica coisas "de maneira injustificável e apressada". Mas acha perigosa a reação do governo de Cristina Kirchner, que ele considera preocupante, mesmo sendo diferente do que era no regime autoritário.

- Este governo tem formas mais sutis de pressão, por meio da publicidade estatal, que é dada aos amigos e negada aos meios independentes; ou através de leis que são aplicadas apenas aos veículos que não são do governo. Às vezes, eles favorecem empresários amigos que nem são desse ramo de negócios e que ganham vantagens na telefonia, no setor bancário, ou em outro setor, se comprarem jornais ou canais de televisão, tendo a garantia da publicidade governamental. Os outros grupos são forçados a vender as empresas. Assim, estão se formando veículos afinados com o governo. Isso é perigoso. Para nós jornalistas e para as pessoas em geral. Em uma democracia deve haver opiniões divergentes - disse o jornalista.

Ele veio ao Brasil divulgar seu livro, ainda não traduzido, "Disposición Final", sobre os crimes da ditadura segundo a confissão que conseguiu do general Jorge Videla na prisão. Escrevi sobre isso na coluna de ontem. Na conversa e na entrevista, Reato mostrou que a Argentina tem esses dois perigos à frente. O risco, evidentemente, não tem qualquer comparação possível com a dimensão do passado. Mas quem já viveu uma ditadura e uma hiperinflação sabe que o caminho é buscar a estabilidade econômica mais sólida e a democracia mais ampla, para evitar qualquer risco de repetição das velhas tragédias, porque o preço a pagar é alto demais. A moeda e a liberdade não aceitam descuidos. Na economia e na política é preciso evitar o primeiro erro.

Arquivo do blog