Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 23, 2008

Jogos do Poder, com Tom Hanks

Faça amor e faça a guerra

Em Jogos do Poder, Mike Nichols une experiência
e jovialidade para contar como um deputado do baixo
clero e uma socialite armaram os afegãos


Isabela Boscov

Divulgação
Hanks, Julia e, ao fundo, Amy Adams: uísque, mulheres e intervenção na Guerra Fria

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Trailer do filme

Aos 76 anos, Mike Nichols, autor de filmes emblemáticos como A Primeira Noite de um Homem, não é propriamente um garotão – mas dirige como alguém bem mais próximo da meia-idade do que da aposentadoria: um homem que conhece muito a vida, mas guarda grande disposição para apreciar o humor que ela contém até nos seus aspectos mais perversos. É essa combinação de experiência e jovialidade que faz de Jogos do Poder (Charlie Wilson’s War, Estados Unidos, 2007), que estréia nesta sexta-feira no país, um prazer. A história trata de um deputado texano, membro típico do baixo clero congressional, que recebe de uma socialite – e ocasional amante sua – a incumbência de armar os afegãos contra os invasores soviéticos, na década de 80. Surpresa: ele consegue cumprir a tarefa, porque, graças a muitos favores que os colegas lhe devem, faz parte de um subcomitê de apropriação de verbas para assuntos de Defesa. E também porque é um sujeito safo, que localiza nos porões da CIA um agente altamente competente, mas que, graças à sua falta de tato, é cronicamente impedido de exercitar sua competência. Soa como fábula, mas não é: trata-se de um caso verídico, que Nichols e o roteirista Aaron Sorkin adaptaram do best-seller escrito pelo americano George Crile.

Charlie Wilson, o deputado em questão – que deixou o cargo pela última vez, depois de muitas reeleições, em 1996 –, é visto de início em seu ambiente predileto: a jacuzzi de uma suíte em Las Vegas, na companhia de coelhinhas da Playboy e de muito uísque e cocaína. Pôr Tom Hanks, o mais consumado profissional da afabilidade, no papel de Wilson é meio caminho andado. Eis aí um político que não tem agenda política nem compostura pessoal (ele só emprega mulheres jovens e belas, as quais trata pelo apelido "chave-de-cadeia"), mas do qual se pode acreditar também que tenha um coração. Da jacuzzi, Wilson vê uma reportagem sobre o padecimento dos afegãos. Comovido, dobra a verba para operações secretas na região, alcançando o total pífio de 10 milhões de dólares. Joanne (Julia Roberts), a socialite bilionária, descobriu Jesus Cristo (que, aparentemente, abre para ela uma exceção no que toca à prática do sexo casual) e está numa "fase afegã" de benemerência. Graças às suas conexões com o poder, arruma para Wilson uma audiência com o presidente do Paquistão, cujas fronteiras se encontram abarrotadas de refugiados afegãos. A partir daí, então, desenrola-se uma farsa, em que visitas a campos de ajuda humanitária, conversas crípticas com negociantes de armas e conchavos em gabinetes se alternam com paradas em camas de loiras, ruivas e morenas, num fluxo rápido e que nunca deixa de divertir.

Com a entrada em cena de Philip Seymour Hoffman, no papel do balofo e amarrotado agente da CIA Gust Avrakotos, Jogos do Poder ganha uma corrente mais perigosa e ilícita, e também aprofunda a sua sátira. Hoffman, indicado ao Oscar de coadjuvante, compõe a atuação mais brilhante de um filme que se pode dar ao luxo de tê-las até nas menores participações – como a do indiano Om Puri como o presidente paquistanês ou a da inglesa Emily Blunt no papel de uma patricinha texana. De todo o elenco, Hoffman é também o que melhor lida com os diálogos velozes e intrincados de Aaron Sorkin, que aprimorou esse talento até níveis impossíveis durante as sete temporadas da série The West Wing. Ele é, enfim, o recurso com o qual Jogos do Poder traz para o primeiro plano a questão da qual até aí vinha tratando com a ligeireza sintomática de seu protagonista, mas que é tudo menos ligeira: o que Wilson, Joanne e Avrakotos armaram foi uma operação que, em um passo mal dado, poderia ter elevado a Guerra Fria a temperaturas drásticas. Até dois minutos antes do final, o diretor deixa o espectador se confortar com a idéia de que esse mau passo não ocorreu. E então o lembra de um detalhe: em sua escala seguinte, todo esse armamento que o trio despejou no Afeganistão foi parar nas mãos dos talibãs – e dos extremistas paquistaneses, e da Al Qaeda.

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