Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 30, 2013

Reajuste parcial - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 30/11


Saiu ontem um pedaço do repetidamente anunciado e repetidamente renegado reajuste dos combustíveis.

Ao contrário do que prometera a Petrobrás em nota oficial há cinco semanas, não prevaleceu o ponto de vista da diretoria de instituir uma espécie de gatilho, que sempre seria acionado para ajustar os preços, tanto para cima como eventualmente também para baixo, de acordo com a evolução das cotações internacionais convertidas em reais pelo câmbio interno.

Em compensação, como está no comunicado divulgado ontem no início da noite, a Petrobrás está autorizada a reajustar gradualmente os preços até que convirjam aos patamares internacionais.

A decisão tomada ontem apresenta duas limitações: não recompõe a paridade internacional e, portanto, não recompõe totalmente a capacidade de investimentos da Petrobrás. Ela continua obrigada a pagar parte da conta do consumidor (subsídio), fator que, por si só, aumenta artificialmente o consumo. Em compensação, parece aceito o princípio de que esses represamentos têm de acabar. Se for isso, é bom sinal.

O governo estava emparedado e, aparentemente, tenta livrar-se disso, ao menos em parte. De um lado, não podia continuar sacrificando o caixa da Petrobrás, uma vez que estão previstos investimentos de R$ 236,7 bilhões em 4 anos. De outro, temia pela alta da inflação e pelos desdobramentos dos novos preços do diesel sobre as tarifas dos transportes urbanos, um dos fatores que mobilizaram as manifestações de junho.

Como é fato assiduamente lembrado, o estrangulamento dos preços dos combustíveis concorre para desestimular a produção de etanol, que não consegue concorrer com um combustível assim subsidiado. Apenas o reajuste de ontem não resolve o problema.

O que não é lembrado com a mesma frequência é o efeito sobre as contas públicas. Os combustíveis são produtos fortemente carregados de impostos. Um preço represado concorre, também, para a quebra de arrecadação do governo. Pelos cálculos da Consultoria Tendências, se o governo definisse tarifas da gasolina e do diesel equiparáveis às internacionais, a arrecadação de impostos federais e estaduais aumentaria em R$ 12,6 bilhões em 12 meses.

Alguns economistas de dentro e de fora do governo argumentam que, entre objetivos conflitantes, é preciso fazer uma espécie de média ou aquilo a que os ingleses chamam de trade off. Assim, tanto seria preciso atender em parte às necessidades de investimento da Petrobrás quanto ao combate à inflação. Em geral, quem apela para esse tipo de atitude é porque não quer decidir nada.

Não se trata apenas de passar graxa no caixa da Petrobrás. Há outras distorções a atacar, como o consumo excessivo de gasolina e o atrofiamento do setor do açúcar e do álcool, como lembrado acima. De mais a mais, salvo em casos excepcionais, a inflação não é gerada pelos preços dos combustíveis, mas, quase sempre, por uma condução flácida demais das contas públicas, como acontece agora.

A luta pelo mandato - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/11


A classe política está agitada com a decisão da Procuradoria Geral da República de exercitar o direito de questionar os mandatos de parlamentares que trocaram de legenda sem cumprir, a seu ver, recomendações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para não perder o mandato na troca de partido, o parlamentar tem que atender a dois critérios objetivos ou a dois subjetivos, considerados razões para a desfiliação partidária por justa causa .

A criação de novo partido e a incorporação ou fusão do partido são razões objetivas. As questões subjetivas se referem a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário ou grave discriminação pessoal . O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é contra a infidelidade partidária até mesmo para a fundação de um novo partido e, por isso, está apoiando no Supremo tribunal Federal uma Ação direta de inconstitucionalidade (Adin) do PPS nesse sentido.

Num julgamento de quinta-feira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi reafirmada por unanimidade a legalidade da resolução que permite a troca de partido para a criação de um novo. O PDT pedia de volta o mandato do deputado estadual Wagner Montes, que migrou para o PSD.

No julgamento, ocorreu um fato curioso: o novo presidente do TSEMinistro Marco Aurélio Mello, alegou que não havia óbice, até o julgamento da Adin do PPS pelo STF, a que o TSE reafirmasse e deixasse consignada a constitucionalidade da resolução. A ministra Rosa Weber, embora advertindo que ao votar estaria antecipando o seu voto na Adin do PPS, acompanhou o voto, que foi aprovado por unanimidade, indicando qual é a tendência do STF.

Ao negar o recurso, o ministro Henrique Neves disse que há no processo uma declaração assinada pelo próprio líder da bancada do PDT na Assembleia Legislativa, Luís Antônio Martins, que teria dito que Wagner Montes desde o início informou ter participado do processo de criação do referido partido .

Outro caso que se enquadra na resolução do TSE, por outros motivos, é o do deputado federal Alfredo Sirkis, que deixou o Partido Verde para entrar no PSB. Fundador do PV, no ato do Teatro Clara Nunes, no Rio, em janeiro de 1986, Sirkis sempre esteve filiado ao partido, tendo sido inclusive seu presidente nacional de 1991 a 1999. Foi candidato à Presidência, em 1998, pelo PV e teve quatro mandatos de vereador, sendo duas vezes secretario municipal pelo partido.

Era presidente estadual do partido no Rio e vice-presidente nacional quando Marina Silva, a seu convite, ingressou no PV e teve quase 20 milhões de votos na disputa presidencial de 2010. Travou-se então uma luta interna que foi abortada pela saída de Marina do PV com um grupo de dirigentes.

Sirkis ficou em minoria no partido e foi desligado de sua direção nacional. É Sirkis quem conta: Permaneci no PV como parlamentar e organicamente um soldado dissidente. Ao iniciar-se a organização da Rede, apesar de não ter claro ainda se iria ingressar definitivamente nesse partido uma vez registrado e de discordar de várias coisas (timing, nome, heterogeneidade, entre outras), fui um dos três parlamentares que lhe prestaram seu nome. No Rio, minha equipe destacou-se no trabalho de coleta de assinaturas.

Quando o TSE decidiu por não dar o registro partidário para a Rede, Sirkis decidiu preferencialmente permanecer no PV, mas foi informado pelo líder Zequinha Sarney de que a Executiva Nacional havia deliberado recusar-lhe a legenda para disputar as próximas eleições. Nessa situação, atendi ao convite do governador Eduardo Campos e me filiei ao PSB para ter a possibilidade de prosseguir na vida política institucional brasileira , explica Sirkis, que se considera um exemplo quase caricato de fidelidade partidária , tendo sempre permanecido no partido que fundou há quase 28 anos, num país onde há muitos políticos que já mudaram inúmeras vezes .

Para o deputado, essa tentativa de cassar o mandato é um despautério, pois é evidente que houve clara perseguição política - odienta, obsessiva - contra um dos ativistas mais fiéis que o partido e a causa verde já tiveram neste país .

À sombra de Kissinger - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 30/11


Para Obama, o foco deve se deslocar do Oriente Médio para a China, o que requer uma distensão com Teerã


Agora sabemos que o acordo nuclear não foi um raio no céu claro, mas o fruto de um ano de negociações bilaterais secretas entre os EUA e o Irã, em encontros furtivos em Mascate que contaram com a assistência logística do sultão Qaboos, de Omã. O acordo derivou de uma série de circunstâncias inesperadas, mas também de uma visão estratégica que tem a marca inconfundível da realpolitik. É, apenas, por ora, um acerto tático. Contudo, sinaliza uma brusca reacomodação das placas tectônicas da geopolítica do Oriente Médio. Daí, a fúria indiscreta de Israel e a cólera circunspecta dos sauditas.

Visão estratégica: Barack Obama prometeu engajar-se em negociações diretas com o Irã no discurso inaugural de seu primeiro mandato, em 2009. A iniciativa inscrevia-se na moldura da projetada retirada das forças americanas do Iraque e, mais amplamente, no conceito de um "giro estratégico" da política global de Washington em direção à Ásia. O enfraquecimento geral dos Estados árabes provocado pela onda de insurreições da chamada "primavera árabe" acentuou a convicção de que, na ausência de tropas americanas, a estabilidade do Oriente Médio depende de uma nova relação com o Irã. O acordo nuclear adquire sentido apenas nesse contexto.

Circunstâncias inesperadas: as negociações em Mascate ganharam impulso com a ascensão do moderado Hasan Rowhani à presidência do Irã, no início de agosto, mas quase descarrilharam semanas depois, sob o impacto do ataque químico na Síria. O advento de Rowhani e a nova disposição negociadora do Líder Supremo Ali Khamenei refletiram a eficácia das sanções internacionais articuladas pelos EUA. As palavras de Obama sobre a "linha vermelha", de 2012, foram formuladas como pretexto para circundar as pressões por uma intervenção na Síria --mas, ironicamente, arrastaram o presidente para o olho do furacão quando Bashar al-Assad ultrapassou a fronteira fatal. A decisão crítica de recuar na última hora representou um duro revés tático e feriu fundo a credibilidade americana --mas salvou o objetivo estratégico. O acordo nuclear desenhou-se naquele instante.

"Munique, Munique!", gritam os israelenses, acusando os EUA de repetirem a rendição ignominiosa de Chamberlain e Daladier diante de Hitler em 1938. É um paralelo tão previsível e fácil quanto falso. O acerto transitório com o Irã congela posições, abrindo um espaço para as negociações substanciais, mas contém o dispositivo crucial das inspeções, que faltava na peça propagandística encenada em 2010 por Ahmadinejad com a cumplicidade do turco Erdogan e de nosso Lula. Os EUA não sonham com a hipótese impossível de eliminação do programa nuclear iraniano, mas com um acordo que conserve Teerã dois passos antes da obtenção de uma bomba. Washington joga suas fichas num sistema de punições e incentivos, oferecendo ao Irã um lugar destacado nas mesas em que se decidirá o futuro da Síria e do Iraque. A sombra de Henry Kissinger, o estrategista dos governos Nixon e Ford, projeta-se sobre a diplomacia de Obama.

Numa era de retração, marcada pelo desastre no Vietnã, Kissinger afastou os EUA da tradição wilsoniana, formulando políticas ancoradas no conceito de equilíbrio de poder e operando a difícil transição americana de uma posição de hegemonia para a de liderança. Obama inclinou-se pelo intervencionismo liberal na Líbia e foi erroneamente acusado de insistir no cruzadismo neoconservador na "guerra ao terror", mas o vetor de sua política global é uma versão adaptada do realismo de Kissinger. No horizonte do presidente, o foco deve se deslocar do Oriente Médio para a China, um movimento que requer a distensão com Teerã.

"Munique!", alvoroçaram-se, por razões distintas, tanto os liberais quanto os neoconservadores diante da distensão de Nixon com Moscou e Pequim. Não era "Munique", como não é agora.

O reajuste dos combustíveis - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 30/11


A busca do ponto de equilíbrio entre a defesa da política econômica e a preservação dos interesses da Petrobras deve passar a nortear as relações entre as autoridades do primeiro escalão e os dirigentes da estatal, estremecidas pelas especulações em torno do aumento dos combustíveis. Espera-se que o impasse comece a ser resolvido com o reajuste determinado ontem. O que prevalecia até esta sexta-feira era claramente o ponto de vista governamental de que importa muito mais usar os mecanismos à mão para segurar a inflação, o que incluía a contenção dos preços da gasolina e outros derivados, do que atender aos apelos por reajuste. A decisão vinha prolongando a descapitalização da empresa em nome da estabilidade.
Esse retardamento foi uma opção controversa. A Petrobras enfrenta no momento o grande desafio de investir recursos bilionários na exploração do pré-sal. Ao mesmo tempo, deve-se levar em conta a percepção de analistas de estratégias governamentais, que consideram a importância da petroleira como estatal. Nesse sentido, seria ingenuidade imaginar-se que um grupo do porte da Petrobras possa ser gerido sem intervenções diretas do governo. A Petrobras é uma empresa de Estado e, mesmo que tenha ações em bolsa, se submete às vontades de seu controlador, desde que respeitados os interesses de seus acionistas. É a questão central a ser resolvida.
Até que ponto o Planalto pode interferir nas decisões da empresa, sem que isso comprometa sua integridade e os ganhos dos que nela apostaram poupanças e reservas financeiras? O adiamento do reajuste vinha expondo o dilema e dando sentido às reações de acionistas minoritários, segundo os quais é preciso esclarecer os focos de conflito entre a sua direção e o Ministério da Fazenda. Há ainda, como componente explosivo, a questão política diretamente relacionada com o período pré-eleitoral. Os preços dos combustíveis, se sabe há muito tempo, prestam-se a manipulações, principalmente às vésperas de pleitos nacionais.
O que não se pode desconhecer é que a Petrobras perde sistematicamente valor em bolsa, vê seu endividamento crescer e tem sido olhada com desconfiança sobre suas reais condições de sustentar os custos da operacionalização do pré-sal. Preservar a empresa e, em consequência, o patrimônio de seus acionistas, é dever do Estado que a controla. Depois do reajuste agora definido, Petrobras e governo não escaparão da definição das linhas gerais de uma política duradoura para correção de preços, ou a estatal estará submetida aos humores de quem tenta centralizar decisões, nem sempre claras, em nome do interesse nacional.

Feridas de Honduras - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 30/11


O ex-presidente de Honduras Manuel Zelaya prejudica a frágil democracia de seu país ao não reconhecer a vitória do governista Juan Orlando Hernández na eleição presidencial realizada domingo.

Com quase todos os votos apurados, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) proclamou o triunfo do candidato apoiado pelo presidente Porfirio Lobo. Na disputa de apenas um turno, Xiomara Castro, mulher de Zelaya, ficou em segundo lugar --seu marido, no entanto, a declarou "presidente eleita".

Não há motivos para levar a sério alguém que em 2009 tentou permanecer no poder por meio de um golpe plebiscitário de inspiração chavista e terminou legalmente deposto do cargo e indevidamente expulso de seu país.

Ainda que não fosse por seu histórico, Zelaya não mostra nenhuma evidência para comprovar a alegada manipulação de resultados; o processo, ademais, foi considerado legítimo por diversas missões internacionais de observação.

Terá havido, sem dúvida, abusos durante a campanha. Essa é a regra em praticamente toda parte; também o é, e talvez com mais força, num país onde cerca de 40% da população sobrevive com menos de US$ 1,25 por dia.

Clientelismo e uso da máquina estatal favoreceram Hernández. Sua legenda, o conservador Partido Nacional, distribuiu benesses --de cimento a cestas básicas-- às vésperas da eleição e compensou, por um instante decisivo, a baixa popularidade do governo. Mas isso não se confunde com suposta fraude comandada pelo TSE.

De resto, a agremiação de Zelaya, o Libre, conseguiu resultado notável. Fundado há apenas dois anos, rompeu o secular bipartidarismo entre o Partido Nacional e o Partido Liberal --além da votação expressiva de Xiomara, deve obter a segunda bancada no Congresso e diversas prefeituras.

O que interessa aos 8,4 milhões de habitantes a partir de agora é saber se o novo cenário político ajudará o país a enfrentar seus graves problemas. Basta dizer que Honduras detém a mais alta taxa de homicídios do mundo, 86,5 assassinatos por 100 mil (cerca de três vezes maior que a do Brasil), devido ao narcotráfico internacional e à atuação de gangues armadas.

O presidente eleito Juan Orlando Hernández promete combater a violência com o emprego de militares em tarefas policiais de rua. A medida, sempre temerária, é mais preocupante num país instável, com feridas de 2009 ainda abertas e um ex-presidente destemperado.

Urge apressar as privatizações - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 30/11

As comemorações em público - de investidores e de algumas autoridades -, diante dos resultados dos últimos leilões federais de infraestrutura, deveriam ser vistas muito mais como expressão de alívio do que de euforia. A semana passada agregou mais dois importantes certames ao ruidoso desfecho de R$ 20,8 bilhões das concessões dos aeroportos do Galeão (RJ) e de Confins (MG) na semana anterior.
Continuar o processo de privatização - termo ocultado pelo Planalto por motivos ideológicos - com os arremates de trecho rodoviário estratégico para o escoamento da safra de soja de Mato Grosso e de dezenas de blocos de exploração de gás no subsolo, é bom prenúncio. Sugere a aceleração de processo essencial para a retomada do crescimento econômico e para que ele se sustente a longo prazo.

Tanto governo quanto oposição fazem o mesmo discurso no que se refere à necessidade urgente de superar a saturação evidente dos meios básicos para produzir riqueza e transportar mercadorias no território nacional. Apesar de não haver discórdia em relação à lista de alvos, os métodos para atingi-los criaram preocupantes atrasos, sobretudo no momento em que piora o ambiente externo.

Descontadas as ressalvas de ausência de competidores, a onda tardia iniciada pela disputa pelo campo de Libra precisa aprender com os erros. A razão é óbvia para não perder de vista as oportunidades de investimento no país e não tornar as vitórias meras peças de publicidade de governo ou recursos para encobrir os deslizes fiscais da União.

Os ajustes feitos na direção dos argumentos apresentados pelos empreendedores levaram a melhor desempenho das propostas de competidores. Mas ainda há muito a esperar do saudável diálogo de burocratas e ministros com o mercado - pelo menos que se dê em bases mais realistas, sem margem para desconfianças recíprocas.

Cinco anos após a confirmação das megajazidas do pré-sal, o leilão de estreia do modelo de partilha garantiu R$ 15 bilhões ao caixa do Tesouro, dos quais R$ 9 bilhões desembolsados pela Petrobras. Sem concorrentes e com ágio zero, a largada de grandes disputas serviu para amenizar o rombo orçamentário no apagar das luzes do ano. Poderia ter soado como a abertura da avenida para o investidor estrangeiro.

Com grande expectativa, o ano pode dar mais uma chance ao otimismo se o martelo bater na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) em favor da duplicação e da modernização dos quase mil quilômetros da BR-040, entre Brasília e Juiz de Fora (MG). A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) espera lançar mais dois editais ainda este ano. A corrida eleitoral de 2014, já deflagrada, coloca ainda mais tensão sobre o calendário.

Após décadas de espera, o movimento pode resgatar os mais novos frutos da ousada empreitada da construção da capital e da interiorização do progresso. Na atual quadra da história brasileira, não há caminho alternativo para superar os entraves que inibem novos saltos na economia e ainda pressionam preços senão virtuosa parceria entre o capital privado e o planejamento de Estado. Numa época em que China e Japão promovem profundas reformas em favor do capitalismo, a tentação do controle excessivo deve ser combatida.

Recursos ilimitados são incentivo à impunidade - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 30/11


Processo do escândalo do 'Propinoduto', no Rio de Janeiro, congela dinheiro de quadrilha na Suíça, mas demora para veredicto final pode enriquecer criminosos



É com a autoridade e experiência de ministro-chefe da Controladoria-Geral da União que Jorge Hage afirma que, no Brasil, processos só chegam ao final em menos de 20 anos "se o acusado quiser". Caso, entenda-se, o processado tenha conta bancária capaz de financiar a contratação de bons advogados e trafegue sem dificuldades por gabinetes do poder, duas condições que costumam andar juntas.

Hage deu a declaração ao comentar a tramitação em câmera mais que lenta de um processo de corrupção instaurado contra o deputado Paulo Maluf (PP-SP), pelo desvio de dinheiro de obra superfaturada na gestão do político na prefeitura de São Paulo, na década de 90. Maluf sofreu a primeira condenação em 2009. Há pouco, saiu o segundo veredicto, do Tribunal de Justiça, também condenatório. Mas o ex-prefeito ainda conta com duas instâncias de recursos, o Superior Tribunal de Justiça e o próprio STF. Espera-se que ele não escape da Lei da Ficha Limpa, ano que vem, mas, no aspecto criminal, tem tudo a favor para tentar livrar-se por decurso de prazo.

Se alguém duvida que o excesso de possibilidades de recursos protelatórios permitidos pela legislação brasileira é forte indutor, talvez o principal, da cultura da impunidade que existe no país, e em todos os estratos sociais, deve informar-se sobre o estágio do processo do escândalo do "Propinoduto", ocorrido no Rio de Janeiro em 2002.

Revela a revista "Época" que os fiscais da Receita estadual condenados por ordenhar dinheiro de pessoas jurídicas contribuintes — à frente deles Rodrigo Silveirinha, subsecretário adjunto de Administração Tributária no governo de Anthony Garotinho, entre 1999 e 2002 — estão prestes a se ver livres do processo e, talvez, reaver os milhões que transferiram para a Suíça.

Mais este desfecho judicial na linha do "crime compensa" se deve à demora para o trânsito final do processo. Silveirinha e comparsas chegaram a ser presos e, em outubro de 2003, 22 pessoas foram condenadas. Nada mal. Porém, apenas começava a longa jornada. A sentença foi confirmada em 2007 pelo Tribunal Regional Federal, mas os condenados puderam recorrer ao STJ, onde o processo repousa, sob segredo de Justiça, e já forma um cartapácio de 22 mil páginas. As perspectivas são sombrias, porque existem, ainda, sete recursos na própria Corte e um no Supremo.

O resultado é que, sem um veredicto final, a Suíça não atende ao pedido do governo fluminense para repatriar os US$ 34 milhões da quadrilha congelados por lá. Em janeiro, a Suprema Corte suíça concluiu o processo para o resgate do dinheiro. Restam gestões de cunho mais diplomático e político, empreendidas pelo Ministério da Justiça. Se não obtiverem êxito, os milhões ficarão com Silveirinha e cúmplices ou com a Suíça.

Esta é uma história que sempre precisará ser lembrada quando for se tratar de aperfeiçoamentos dos códigos jurídicos brasileiros.

Sem regalias na Papuda - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S. PAULO - 30/11

A Vara de Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal (DF), em decisão subscrita por três de seus integran­tes, determinou que os 11 condena­dos no processo do mensalão que cumprem pena na penitenciária da Papuda, em Brasília, recebam o mes­mo tratamento dispensado a todos os mais de 9 mil encarcerados no lo­cal - feito para abrigar cerca de 5 mil. A Papuda é um dos piores exemplos dos descalabros do superlotado siste­ma prisional brasileiro. Mas nem is­so poderia justificar os afrontosos privilégios desfrutados pelos mensa­leiros nos seus primeiros dias de ca­deia. Tampouco se poderia admitir que fossem ressarcidos, desse modo, por suas atribulações na transferên­cia para Brasília e subsequente ad­missão na Papuda.Os juízes da VEP basearam-se em duas ordens de consideração - uma, de fato; outra, de direito. A primeira focaliza os efeitos da diferença de tratamento para a sempre frágil nor­malidade no interior do presídio. Uma inspeção realizada na segunda e na terça-feira passadas pelo Minis­tério Público do DF constatou que se formara um "clima de instabilida­de e insatisfação" entre os detentos. Eles ficaram sabendo que, enquanto os seus familiares eram obrigados a chegar na madrugada dos dias de visi­ta para não perder a viagem, tama­nha a fila que engrossariam, as por­tas do presídio podiam se abrir a qualquer hora para dar passagem a levas de políticos - entre eles o go­vernador do DF, Agnelo Queiroz - desejosos aparentemente de levar a sua seletiva solidariedade aos auto­denominados "presos políticos" petistas, José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
Grupos de mulheres, incertas se se­riam admitidas - porém certas do in­digno tratamento que teriam dos agentes penitenciários incumbidos de revistá-las e aos seus pertences -, chegaram a bater boca com um pu­nhado de ativistas do PT, em "vigí­lia" diante do estabelecimento. De­tentos também ficaram furiosos com a prerrogativa dos mensaleiros de complementar o invariável trivial servido na Papuda com alimentos que recebessem do exterior a qual­quer momento. O caso mais citado foi o da entrega, a cargo da Polícia Fe­deral, de uma pizza destinada a Genoino, tarde da sua primeira noite na cadeia. Assim como em incontá­veis outras, ali qualquer coisa à toa pode servir de motivo para violência entre os reclusos ou contra os seus carcereiros: é uma forma corriqueira de acertar contas ou cobrar o atendi­mento de demandas. Que dizer, en­tão, da descoberta, nesse meio, de uma classe de presidiários com direi­tos especiais?
"É justamente a crença dos presos na postura isonômica por parte da Justiça do Distrito Federal", argumen­tam os magistrados da VEP, "que mantém a estabilidade do precário sistema carcerário local." Daí a exi­gência de que as autoridades obser­vem estritamente as normas prisio­nais, "especialmente no que se refere ao tratamento igualitário a ser dispen­sado". A essa fundamentada linha de raciocínio, eles agregaram a questão de direito a que se fez referência no início deste comentário. Trata-se do princípio da igualdade jurídica entre as pessoas. O então presidente Lula se permitiu a enormidade de atacar os críticos das transgressões éticas cometidas pelo aliado José Sarney na presidência do Senado, alegando que ele não poderia ser tratado como se fosse "uma pessoa comum". Mas, em liberdade ou no cárcere, é o que to­dos devem ser perante a lei.
A condição de político preso não dá a ninguém o gozo de regalias ina­cessíveis aos outros. A menos, ironi­zam os juízes, que se consagre a exis­tência de dois grupos de condena­dos: um, "digno de sofrer e passar por todas as agruras do cárcere" e ou­tro, "o qual deve ser preservado de tais efeitos negativos". Ironia ainda maior é a naturalidade com que figu­rões do partido que apregoa ter nas­cido para combater a desigualdade assumiram o papel de "mais iguais" que os demais. Podiam ao menos fin­gir que preferiam ser tratados com a isonomia de que o PT volta e meia in­voca. Mas é pedir muito para quem não se peja, como José Dirceu, de aceitar de um político aliado do go­verno - e por ele favorecido nos seus negócios - uma sinecura de R$ 20 mil mensais para, nas horas livres, "administrar" o hotel de Brasília de propriedade da família.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO


"Um tombaço! Hahaha. Mas não desafinei!"
Fafá de Belém, após cair "feito um tomate", ao cantar o Hino Nacional em BH


JUSTIÇA CUSTA R$ 30 BI E RESOLVE 27% DOS CASOS

O Judiciário brasileiro custa quase R$ 30 bilhões por ano somente em salários, segundo dados do Boletim de Pessoal do governo federal. Trabalham na Justiça mais de 121 mil servidores, mas apenas 27% dos tribunais brasileiros conseguiram fechar mais casos do que foram recebidos em 2012. Nos Estados Unidos, o Judiciário emprega um quarto dos profissionais (33 mil) e custa R$ 12 bilhões por ano.

AGILIDADE

Ao contrario do Brasil, 100% dos tribunais norte-americanos julgaram mais processos que o total recebido, no ano passado.

E QUEREM MAIS

Existem propostas tramitando no Senado americano prevendo redução de 10% no staff de juízes, compartilhando secretárias e assistentes.

ÓTIMO COMEÇO

No Brasil, há iniciativas como a digitalização de processos, no Superior Tribunal de Justiça, que reduziram em anos o tempo de tramitação.

NINGUÉM MERECE

Os juízes brasileiros sofrem com a sobrecarga. No Supremo Tribunal Federal, cada ministro julga, em média, 11 mil processos ao ano.

BRASIL É O 4º QUE MAIS MATA JORNALISTAS NO MUNDO

O Brasil é o quarto colocado entre os países onde mais morreram jornalistas em 2013, segundo dados da ONG suíça Press Emblem. Foram assassinados seis jornalistas até outubro deste ano em terras brasileiras, índice idêntico ao Egito, que se encontra em guerra civil há quase três anos. Apenas a Somália, com oito mortes, a Síria, com dez e o Paquistão, com 13, tiveram mais jornalistas assassinados em 2013.

PERICULOSIDADE

Segundo a Press Emblem, 103 jornalistas já foram mortos em 2013. Em 2012, o número foi 141; 107 em 2011; 110 em 2010 e 122 em 2009.

PROTEÇÃO

Nos Estados Unidos, por exemplo, há registrada a morte de apenas um jornalista este ano.

BRASIL EM PAZ

Desde 2008, foram assassinados 28 jornalistas no Brasil. Só perdemos para um punhado de países em guerra como o Iraque e a Síria.

TENTATIVA INÚTIL

Como dois laudos médicos não confirmaram a encenação do deputado presidiário José Genoino, o presidente do PT, Rui Falcão, cumpre a patética tarefa de tentar desqualificar duas juntas médicas de respeitados especialistas. Todos com PhD, nenhum obtido em Cuba.

RESORT PAPUDA

Mensaleiros ainda são tratados com privilégios, na Papuda, apesar da proibição da Justiça. Transformados em camareiros, agentes afirmam, em off, que cumprem ordens do governo petista do Distrito Federal.

RISCO DE INTERVENÇÃO

O senador Waldemir Moka (MS) foi designado pela Executiva Nacional do PMDB para fazer última tentativa de acordo entre a senadora Kátia Abreu e deputado Júnior Coimbra pelo comando da sigla em Tocantins.

DISSIDENTE DE ARAQUE

Aspirante a disputar o governo gaúcho, o deputado Vieira da Cunha se reuniu com dono do PDT, Carlos Lupi, e seu puxa-saco, ministro Manoel Dias (Trabalho). Lupi ameaça apoiar Eduardo Campos (PSB) para chantagear a presidente Dilma Rousseff a manter Dias em seu cargo.

CONTRA A 'BURROCRACIA'

De volta ao Congresso, o ex-secretário Paulo Bornhausen (PSB-SC) coleta assinaturas para tentar obrigar os deputados a propor, a cada projeto novo apresentado, a extinção de duas leis obsoletas.

PMDB ON FIRE

Além das brigas entre o PT e PMDB nos estados, está na pauta do encontro entre a presidente Dilma, o ex-presidente Lula e o vice Michel Temer (PMDB), este sábado (30), a reforma ministerial de 2014.

GERA EFEITO CASCATA

Líder do PRB, deputado George Hilton (MG) ameaçou retirar assinatura do pacto fiscal de Dilma, caso a base aliada decida abrir a janela e mandar votar o projeto criando o piso dos agentes comunitários.

PIMENTA NÃO É REFRESCO

Após acompanhar o STF colocando mensaleiros atrás das grades, a cúpula do PSDB não esconde a preocupação com o julgamento do mensalão mineiro, que envolve o ex-governador Eduardo Azeredo.

VIAJANTE GENUÍNO

O mensaleiro José Genoino exerceu mandato por 9 meses em 2013 e viajou muito. Gastou quase R$ 24 mil em viagens até para o Nordeste.


PODER SEM PUDOR

VIVO, VÍRGULA

Delegado em Rio Claro (SP), Joaquim Alves Dias viveu recentemente um episódio de filmes de Zé do Caixão: sem documentos, o cadáver encontrado num canavial se levanta no camburão:

- Para onde estão me levando?

Em meio a susto e correria, Dias se irrita com o BO do escrivão de "morte aparente". Como explicar à imprensa a "ressuscitação"?

O escrivão caprichou na vírgula: "Encontrado num canavial um cadáver, vivo".

O delegado quase infartou.

Os infiéis na política - FERNANDO RODRIGUES

FOLHA DE SP - 30/11


BRASÍLIA - Entre suas várias anomalias, o sistema político no Brasil costuma remeter para a Justiça casos de deputados e senadores infiéis aos seus partidos. É um traço marcante do subdesenvolvimento democrático do país.

Numa democracia consolidada, um juiz não seria chamado para punir um deputado que troca de legenda. Aqui, está na lei. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acaba de decidir enviar à Justiça uma dezena de ações pedindo a cassação de congressistas infiéis.

Sem querer parafrasear o PT, que tem culpado o "sistema" pelos seus erros, o que ocorre nesse caso de políticos infiéis é uma mistura de regras disfuncionais com excesso de imbricação entre dinheiro público e partidos.

É nula a chance de esse cenário se alterar no curto prazo. Mas um episódio assim --a possível cassação de muitos mandatos por infidelidade-- convida a refletir sobre qual rumo poderá, quem sabe, ser tomado pelo país no futuro.

A lógica atual é simples. Nenhum político se elege sozinho. Precisa do partido, que dá dinheiro e tempo de rádio e de TV. Logo, nada mais natural do que cobrar fidelidade de quem vence a eleição e está exercendo um mandato.

Tudo bem. A ideia é fortalecer os partidos políticos. Só que esse modelo existe há décadas. Ao contrário de siglas sólidas, a maioria é cada vez mais frágil. Algo está muito errado. O DNA do problema é a extrema facilidade com que se monta uma nova agremiação para receber dinheiro público e acesso a outros benefícios. Reforma ampla nunca virá. Uma medida mais simples seria a cláusula de desempenho: só partidos com pelo menos 3% dos votos teriam amplo acesso a dinheiro público e ao rádio e à TV. Mas nem isso parece ter chance de prosperar no Congresso.

Assim, resignemo-nos. A Justiça permanecerá ainda muito tempo cassando deputados infiéis.

Cristina em seu labirinto - FABIO GIAMBIAGI

O Estado de S.Paulo - 30/11


A vitória de Cristina Kirchner na Argentina em 2011 foi explicada por quatro razões: a pujança apresentada na época pela economia; a exploração do luto pela morte de Néstor Kirchner; o receio do eleitorado de retornar a uma situação de desgoverno como a da gestão De la Rúa; e a incompetência da oposição.

Entretanto, a Argentina, mais uma vez, mostrou que amplas maiorias não são garantia de condução segura do dia a dia. Cabe lembrar que Cámpora arrasou nas urnas em 1973, para renunciar depois. Foi sucedido por Perón, eleito em votação consagradora, que acabou no banho de sangue dos anos 70. Alfonsín, que chegou a flertar com a ideia de fundar um novo "movimento histórico", teve de antecipar o fim do mandato por causa da hiperinflação. E Menem, cuja popularidade fez com que sonhasse com um terceiro mandato, foi engolido pela crise e tornou-se sinônimo de palavrão na política local.

A gestão do país após a vitória kirchnerista em 2011, com a multiplicação de atos de soberba, a percepção de que uma espécie de estado permanente de tensão se instalou no país e a proliferação de problemas na vida cotidiana, indo desde a inflação ao agravamento da violência, levou a uma mudança do humor social, com perda de prestígio do governo, concluindo na derrota nas eleições legislativas de meio de período realizadas em outubro.

A Argentina precisa encontrar uma saída para "sincerar" o sistema de preços. Além disso, em razão de diversos atos praticados ao longo dos anos, amarga as consequências do isolamento externo, que impede o país de receber financiamento em proporção importante.

Como a economia teve forte expansão nos anos K, as importações cresceram muito e isso acendeu o sinal vermelho no painel de controle do governo. Isso fez entrar em cena o poderoso secretário de Comércio, que passou a ligar para os principais exportadores do país exigindo antecipar a liquidação das vendas ao exterior e deixar de lado qualquer aquisição de divisas.

As consequências não tardaram a aparecer. A frase "de las importaciones, olvidate", dita para diferentes industriais, levou uma vasta gama de setores a ter problemas de abastecimento para fabricar seus produtos. O ressurgimento da prática que na década de 70 um ministro tinha batizado como "vivir con lo nuestro" levou a economia a um fechamento sem precedentes. As importações passaram a depender da vontade imperial de um homem só. Não é de estranhar que os problemas nas plantas fossem se avolumando - e que o secretário de Comércio tenha sido afastado.

Nesse contexto, a presidente se isolou cada vez mais, sem ouvir ninguém, a ponto de, quando um ministro ousou numa reunião sugerir um rumo diferente em relação a uma proposta, ter recebido a advertência do titular do cargo equivalente ao de nossa Casa Civil, com a mensagem de que "a la presidenta no se le responde: se la escucha".

A Argentina ruma a um final previsível da experiência dirigista em curso. Há números que impressionam. Santa Cruz, Estado que Kirchner governou como senhor absoluto antes de ser eleito presidente, tinha 11 mil funcionários públicos no final do governo militar em 1983; aumentou o contingente para 22 mil nos tempos de Kirchner como governador; escalou para 40 mil em 2007, quando Cristina Kirchner foi eleita após quatro anos de gestão do marido que nunca esqueceu a sua província de origem; e acabou com 60 mil servidores. O país, rico em petróleo e gás, vê a produção do primeiro cair desde 1998 e a do segundo, desde 2004. Como disse no La Nación o colunista Carlos Pagni, "sempre que a dinâmica de mercado faz surgir um desequilíbrio, o kirchnerismo tende a identificar uma conspiração" (14/11/2011). Anos de desconfiança em relação à gestão privada cobram seu preço. O país mergulhou numa espiral de controles, pressão de preços e administração "soviética" do que se pode importar. A recente troca de ministros visa a mitigar esse processo. É difícil de imaginar como isso possa acabar bem sem mudanças de rumo.

E Lula fez escola - DENISE ROTHENBURG

CORREIO BRAZILIENSE - 30/11


O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, só deixará o cargo se for candidato a algum mandato eletivo e apenas em abril, dentro da data prevista pela legislação eleitoral. Assim, Cabral terá até o primeiro trimestre de 2014 para tentar recuperar os índices de popularidade e, dessa forma, entregar a Luiz Fernando Pezão um governo melhor avaliado. Além disso, há a clara sensação entre os peemedebistas de que, se Cabral deixar o governo, Pezão vira alvo no minuto seguinte.

Mesmo a candidatura de Cabral ao Senado está em aberto. Se não for candidato, fará como Lula fez em 2010, quando viajou o país incensando a candidatura da presidente Dilma Rousseff. Aliás, se levar ao pé da letra, ninguém quer sair do conforto de um cargo antes da hora prevista pela lei eleitoral. Nem mesmo os ministros com a propalada reforma ministerial de janeiro. Se brincar, Dilma volta de seu descanso de fim de ano e a reforma fica depois do carnaval.

Saída regimental

A direção da Câmara tentará ressuscitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do orçamento impositivo, fatiada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A ideia é aprovar as duas fatias e, aí, basta o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves, apensar uma PEC à outra. Assim, as duas seguem juntas para a formação de uma comissão especial e o futuro relator do texto elabora um projeto substitutivo "colando" as duas metades — a que institui a liberação automática das emendas e a destinação de 50% dessas emendas à Saúde. Falta combinar com a CCJ.

Saída política

Para evitar problemas quanto ao mérito, o PMDB não descarta dar a relatoria do orçamento impositivo ao próprio líder ou ao deputado Danilo Forte (PMDB-CE), defensor da fórmula. Ninguém quer arriscar deixar o DEM, do deputado Ronaldo Caiado (GO), criar novos problemas para o projeto.

Quatro por quatro

A reunião de hoje entre PT e PMDB para discutir os palanques não contará com as presenças dos líderes partidários. Isso porque o Ceará do líder peemedebista no Senado, Eunício Oliveira e o Rio de Janeiro, do líder da Câmara, Eduardo Cunha, são as praças mais complicadas. Lá estarão Renan Calheiros e Henrique Alves, que vivem às turras nessa temporada pré-eleitoral.

No forno

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) reuniu 32 assinaturas para pedir a CPI do Transporte Público. Mal a boa nova começou a circular pelos corredores, ele foi procurado por alguns interessados em retirar o apoio à investigação. Ficará justamente para o ano eleitoral, assim como as investigações do Conselho de Administração e Defesa Econômica (Cade) sobre a Siemens.

Correção/ A coluna informou ontem que quem arrumou emprego de gerente para José Dirceu foi o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o kakay. Na verdade, foi o dono do hotel Saint Peter, Paulo de Abreu. Kakay jogou o abacaxi da concessão da TV Excelsior no colo de importante advogado de Brasilia.

No embalo da abertura…/ E lá vem a proposta que os comandantes do Senado tanto temem. O senador Álvaro Dias (foto) apresentou um projeto de resolução para que o voto seja aberto no caso de eleição da Mesa Diretora da Casa.

Vizinhos I / Em prédio de senador tem tudo. Menos segredos. Na noite que o senador Rodrigo Rollemberg (que não reside em um funcional) e a senadora Lídice da Mata selaram a filiação da ministra Eliana Calmon ao PSB da Bahia, eles se depararam justamente com o senador Armando Monteiro Neto (PTB-PE), hoje adversário dos socialistas.

Vizinhos II/ O senador pernambucano não teve dúvidas a respeito do acordo fechado entre Lídice e Eliana com o aval do líder socialista no Senado. Em tempo: Outros senadores que chegavam de jantares na cidade perceberam que a ministra foi embora dirigindo o próprio carro. Exemplo que muitos, aliás, deveriam seguir em todas as instâncias e esferas de poder.

Cinco palpites a - CACÁ DIEGUES

O GLOBO - 30/11


Aprendi a gostar de futebol vendo Nilton Santos jogar. Nilton não dependia de inspiração ou improviso, seu talento era pura luz



Nunca deixei de escrever por falta de assunto. Nosso mundo contemporâneo é pródigo em informação, sabemos logo de tudo que acontece, temos sempre assuntos demais. Também não precisamos ficar só nas novidades que nos desgostam, podemos de vez em quando dar uns palpites a favor.

Alegria

O Papa chamou seu recente documento oficial de "A alegria do Evangelho". Nesse manifesto exaltante, Francisco propõe uma igreja com esse estado de espírito em relação a todos. O texto é uma longa extensão do que tem declarado, sobretudo quando esteve este ano no Rio de Janeiro, para a Jornada Mundial da Juventude.

Durante a Jornada, fiz a direção geral de "Rio de fé", documentário realizado por cinco jovens cineastas (Cadu Barcellos, Cadu Valinoti, Flora Diegues, Gustavo Mello e Marcos Moura), com a coordenação de Ana Murgel, fotografia de João Atala, edição de Mair Tavares e Daniel Garcia, produção de Renata Magalhães. O documentário está para sair em DVD, antes do Natal.

Registramos depoimentos de peregrinos, de autoridades e sumidades. Acompanhamos fiéis vindos de todo o mundo, marchamos ao lado de um que veio a pé do Ceará e viajamos no ônibus de grupo vindo de Natal. Estivemos nos grandes eventos, como na vigília de mais de 3 milhões de jovens na Praia de Copacabana, assim como em encontros de peregrinos estrangeiros com praticantes de candomblé e em seminário reunindo bispos católicos, rabinos judeus e xeques muçulmanos. Independentemente de religião, assistíamos a uma rara vitória coletiva do amor, da tolerância e da delicadeza.

Por trás disso tudo, estavam as palavras de Francisco, talvez o líder mundial mais importante do momento, sua proposta do que chamou de "cultura do encontro", a convivência entre os seres humanos sem importar suas qualificações. Esse manifesto do Papa só faz confirmar a impressão de que algo de muito novo está ocorrendo na Igreja Católica. E que isso servirá a todos.

Prazeres

Hoje, comemoram-se cinco anos de instalação pelo governo do estado da primeira UPP, inauguração de uma nova politica de segurança para as favelas do Rio.

As UPPs não são uma panaceia capaz de resolver a vida de todos os moradores dessas comunidades. O desaparecimento de Amarildo na Rocinha, a morte de inocentes em invasão brutal na Maré, os tiroteios constantes no Alemão, tudo isso nos mostra como será difícil conquistar a segurança necessária para viver e trabalhar em paz.

Os bandidos não se conformam de perder seu espaço e a polícia precisa ser reeducada para que pare de fazer guerra contra a população. Mas ignorar os avanços conquistados pelas UPPs seria uma insensatez.

Como sempre disse o secretário José Mariano Beltrame, executor dessa política, é preciso que os serviços do Estado subam os morros, levando à sua população o que é direito de todo cidadão: educação, saúde, saneamento, mobilidade, o que cabe ao Estado prover. Se não, um dia os moradores já terão esquecido a era do tráfico armado e se sentirão sufocados por um estado que não é capaz de entender e atender suas necessidades.

É isso o que mostra um bom documentário brasileiro que acaba de entrar em cartaz, "Morro dos Prazeres", de Maria Augusta Ramos, realizado um ano depois da instalação de uma UPP naquela comunidade de Santa Teresa. Um testemunho do que anda acontecendo agora.

Talento

A atriz, roteirista e colunista Fernanda Torres acaba de lançar seu romance de estreia. "Fim" não é um livro escrito no tempo do ócio, um volume da coleção rosa, texto para moças de fino trato. "Fim" é uma profunda e arrojada experiência literária, um romance de quem parece conviver há anos com o ofício de escrever ficção.

Contando a história de cinco idosos em seus últimos dias de vida, "Fim" é escrito com amor e humor, pungência e delicadeza, uma proposta de literatura com o gosto e o empenho literários dos escritores de real talento. Um romance comovente e cheio de graça.

Luz

Aprendi a gostar de futebol vendo Nilton Santos jogar. Nilton não dependia de inspiração ou improviso, seu talento era pura luz, uma luz que tinha sido acesa na eternidade. Nilton não errava.

Quando ia ao Maracanã vê-lo jogar, costumava apostar com meus companheiros botafoguenses quantas vezes Nilton ia olhar para baixo, para a bola ou para o gramado. O resultado era quase sempre zero, nenhuma vez. Nilton era o único jogador de futebol em todo o mundo que não sabia de que cor era o campo em que jogava.

Considerado pela Fifa como o maior lateral-esquerdo de todos os tempos, Nilton foi muito mais do que isso. Ele ensinou os laterais esquerdos de todo o mundo a jogar dentro da área, no meio de campo, no ataque.

Seu inesquecível gol contra a Áustria, o primeiro do Brasil na Copa de 1958, inaugurou uma era de arte, beleza, elegância e perfeição na história do futebol mundial. A era que foi do Brasil. Nilton pode ir embora em paz.

Utopia

Outro dia, ouvi uma canção cantada por Luciana Mello, cujo refrão dizia que "hoje só quero que o dia termine bem". Meu amigo Fred Coelho me disse que essa é a nova utopia.

Melhor que a Britannica - SÉRGIO AUGUSTO

O Estado de S.Paulo - 30/11


Tão ou até mais triste que um país que precisa de heróis é uma criança que nunca idolatrou um herói do futebol.

Em geral, os heróis da criançada ou se destacam no ataque, fazendo muitos gols, ou debaixo das traves, defendendo-as com destreza, arrojo e alguma ostentação. Meu primeiro (e único) ídolo não era, estranhamente, nem atacante nem goleiro. Vi jogar Pelé, Garrincha, Zizinho, Didi, mas acontece que Nilton Santos foi meu primeiro coup de foudre futebolístico e jamais deixei de lhe ser tão fiel quanto ele foi ao Botafogo, seu único clube ao longo da carreira, que durou 16 anos (1948-1964), e da vida, que durou 88 e chegou ao fim na última quarta-feira.

Se eu fosse um pouquinho mais velho, dificilmente teria escapado aos sortilégios do temperamental e galante artilheiro Heleno de Freitas, mas quando despertei para o futebol, Silvio Pirilo já ocupara seu lugar no ataque alvinegro. Restou-me Nilton Santos. Ou melhor, o garbo, a elegância e a mestria de Nilton Santos, com sua marcação precisa e leal, seu raciocínio rápido, sua perfeita noção de passe e cobertura, seus dribles desconcertantes dentro e fora da área, seus vistosos e audaciosos avanços ao ataque. Os dois, aliás, só atuaram juntos quatro vezes, em maio de 1948.

Nilton, naquela época, era apenas Santos. Havia outro Nilton no time e o jeito foi distingui-lo pelo sobrenome, só reincorporado ao prenome quando o convocaram para a seleção brasileira, pois nela havia outro Santos, Djalma.

Santos ainda estava sem o Nilton ao ser biografado pela revista Vida do Crack, em setembro de 1953. Custava cinco cruzeiros o exemplar, eu queria dois (um para guardar, outro para recortar e fazer um álbum), minha mãe disse não (alegando já ter estourado minha mesada com gibis e ingressos de cinema), minha avó me salvou. Ao ouvir que eu queria comprar "a vida do Santos", vovó persignou-se, e, acompanhadas de um conselho ("Isto mesmo, meu filho, é melhor você ler sobre a vida dos santos do que histórias em quadrinhos"), depositou na minha mão duas notas de cinco, o dobro do que eu mendigara.

O álbum há muito sumiu, mas o segundo exemplar da Vida do Crack permanece comigo até hoje, em perfeito estado de conservação, guardado a não sei quantas chaves como se fosse a Bíblia de Mongúncia. Depois então que o biografado craque o autografou, na primeira Feijoada do Fogão, dez anos atrás, seu valor tornou-se rigorosamente inestimável. "Se eu fosse você, não o trocaria nem por um desenho original do Michelangelo", aconselhou-me a sério o arquibotafoguense João Moreira Salles. E ele nem viu Nilton Santos jogar ao vivo.

Atacante nas peladas adolescentes, só virou defensor por teimosia do então presidente do Botafogo, Carlito Rocha, que ao vê-lo no primeiro teste em General Severiano, perguntou: "Rapaz, você joga com a cabeça?". Crente que jogar com a cabeça significava jogar de forma inteligente, Nilton respondeu afirmativamente. "Salte", ordenou Carlito. Nilton saltou. "Esqueça o ataque, rapaz", disse o cartola. E profetizou: "Na defesa, você será campeão carioca, brasileiro e sul-americano". Em menos de dois anos a profecia se cumpriu.

Nilton foi campeão carioca (quatro vezes), brasileiro, sul-americano (o primeiro título internacional de nossa seleção, no Pan-Americano do Chile, em 1952), venceu um Rio-São Paulo e duas Copas do Mundo. No total, 26 títulos. Jamais perdeu uma final de campeonato. Vale lembrar que na infausta Copa de 1950, a primeira das quatro para as quais foi convocado, era reserva de Augusto, zagueiro do Vasco. Foi o único jogador a participar da fantástica evolução que se deu no futebol brasileiro entre 1950 e a Copa de 1962.

Conhecia tudo de bola. Dava-se ao luxo de driblar de costas o adversário porque sabia, pela sombra projetada no gramado, onde estava seu pé de apoio, saindo sempre pelo lado certo. Não ganhou gratuitamente o apelido de "Enciclopédia do Futebol", que o locutor esportivo Valdir Amaral tirou do colete durante a transmissão de uma partida memorável do Botafogo - e sobretudo do seu lateral esquerdo. Foi nessa posição que se consagrou como o primeiro ala moderno, de resto revelado ao mundo na tarde de 8 de junho de 1958, no estádio de Udevala, na Suécia, quando desrespeitou as ordens do treinador Vicente Feola, abandonou nosso setor defensivo, avançou célere com a bola pela esquerda, tabelou com o centroavante Mazzola, e marcou o segundo gol do Brasil.

Bem antes de ser eleito pela Fifa o melhor da posição em todos os tempos, já era um deus dos estádios de todo o continente. Conta-se que, no intervalo de um jogo do Botafogo contra o River Plate, na Cidade do México, o argentino Nestor Rossi aconselhou seu companheiro de equipe Federico Vairo, esbodegado de tanto levar dribles de Garrincha, a passar a mão nas pernas de Nilton: "Vá lá, passe a mão nas pernas dele, que seu jogo logo melhora. Anda, que o futebol de todos os beques do mundo está ali, naquelas pernas". Se deu certo a mandinga, não sei.

Com a idade, o fôlego mais curto, Nilton virou zagueiro, sem perder a classe nem a competência. Depois de aposentado, passou a dar show nas peladas do clube Trinta por Trinta, na zona sul do Rio, ao lado de jornalistas, artistas e outros aposentados. Ensinou ao também peladeiro Armando Nogueira a gastar por igual as laterais de sua Conga, no cimento do vestiário, para que os jogadores do time visitante não descobrissem de cara se ele era destro ou canhoto. Um sábio.

Armando o endeusava. "Não era um jogador de futebol, era uma exclamação", escreveu numa crônica. Consumido de saudades botafoguenses, encaixou nela este breve poema sobre o craque: "Tu em campo parecias tantos. E, no entanto - que encanto - eras um só Nilton Santos."

Creio ter sido Armando o autor do texto gravado, à guisa de dedicatória, naquela bola com que o jogador foi presenteado pelos amigos em 1983: "Mestre Nilton, hoje estou realizando o sonho de felicidade de todas as bolas do mundo: ser só sua para sempre".

O drama de Lucas - DANIEL TABAK


O GLOBO - 30/11

Cerca de 70% dos que precisam de transplante de medula óssea não possuem doador compatível na família. A esperança reside em mais de 21 milhões de doadores adultos


Lucas tem 9 anos. O Vasco da Gama é sua paixão e ele adora os jogos eletrônicos. Ele tem sonhos. Muitos. Ele espera que, neste Natal, o maior deles seja realizado. Ele escreveu uma carta com um pedido diferente ao Papai Noel. Lucas tem uma forma grave de leucemia e, portanto, precisa de um transplante de medula óssea para continuar sonhando. Lucas pediu a Papai Noel um doador para um transplante que pode salvar a sua vida.

A generosidade do Papai Noel e de seus agentes aqui entre nós, entretanto, pode ser frustrada. Lucas é negro e a representatividade desta etnia nos registros de doadores de medula óssea é pequena. Não apenas no Brasil, mas também em todo o mundo.

A leucemia não atinge somente Lucas. A cada quatro minutos, uma pessoa é diagnosticada com câncer do sangue. A cada dez minutos uma pessoa morre com este diagnóstico. No mundo, estes números representam mais de seis pessoas a cada hora ou cerca de 150 pessoas por dia. Os pacientes, seus médicos, suas famílias e seus amigos buscam desesperadamente a cura. E ela pode vir através de um de nós.

Cerca de 70% dos pacientes que precisam de um transplante de medula óssea não possuem um doador compatível na família. A sua esperança reside em mais de 21 milhões de doadores adultos potenciais cadastrados bem como em quase 600 mil unidades de células de cordão umbilical armazenadas nos bancos de doadores existentes em todo o mundo, incluindo o Brasil.

Qual o tamanho do registro necessário para atender a toda a população mundial? A variabilidade é extrema e a dificuldade na identificação dos doadores reside na multiplicidade das combinações de marcadores genéticos que fazem cada indivíduo ser único. A natureza, entretanto, permitiu que determinadas combinações fossem toleradas e assim os milhões de doadores representam de fato a esperança de cura para os pacientes.

Para um indivíduo caucasiano, a possibilidade de identificação de um doador compatível é mais de 90%. Os registros de busca estimam que com mais um pequeno esforço será possível atingir o número mágico necessário para que um doador seja identificado para todos aqueles pacientes.

Já para os pacientes negros, os números são bem diferentes. Segundo o programa Be a Match (Seja um Doador), nos EUA apenas 66% dos pacientes afrodescendentes têm um doador identificado. Nesse sentido, há um esforço de todos os registros de doadores para o recrutamento daqueles que representam as minorias étnicas.

No entanto, no Brasil, a situação é ainda diferente. As pessoas que tentaram ajudar Lucas viram os seus esforços malograr. Não pela variabilidade do nosso sistema genético, mas pelo sistema que acredita que as células tumorais respeitam os ditames da nossa burocracia. O registro brasileiro que dispõe de mais de 3 milhões de doadores — sendo, assim, o terceiro maior registro de doadores do mundo — não aceita novos doadores, independentemente da etnia.

A portaria no 2.132, de 25 de setembro de 2013 publicada no Diário Oficial da União, visa a "garantir a adequada representatividade da diversidade genética da população brasileira nesses registros, garantir a oportunidade de identificação de doadores compatíveis e de assegurar a utilização adequada dos recursos financeiros disponíveis no SUS". Restringir o cadastro de doadores voluntários por estado, como determina a portaria, certamente não irá aumentar a diversidade étnica do nosso registro. Alcançar este objetivo fica ainda mais distante quando aprendemos que o Amazonas terá direito a cadastrar 10.162 doadores por ano. Os critérios que estabelecem a cota de São Paulo em 72.110 e a do Rio de Janeiro em 14.040 doadores também fogem à compreensão. O mundo globalizado não admite regionalidades quando o objetivo é enfrentar o câncer de sangue em todas as etnias. Como justificar as diferentes cotas estaduais?

Quando o sistema é questionado sobre os motivos da recusa de novos doadores, os investimentos dos últimos dez anos são logo apresentados. De fato, os avanços são inquestionáveis. Milhões de reais foram gastos na identificação de doadores para o transplante de medula óssea. Entretanto, o sistema não consegue definir quantos dos nossos 3 milhões de doadores podem ser realmente disponibilizados quando solicitados. E, dentre estes doadores, quantos são negros?

Os milhões de reais e o tamanho do Registro também não serão suficientes para garantir o transplante de Lucas e de muitos outros. A maratona daqueles que sobrevivem ao tratamento inicial não se encerra com a identificação do doador. Como explicar que o Rio de Janeiro, com uma população de mais de dez milhões de habitantes e sede do Registro Brasileiro (Redome), dispõe de apenas dois leitos ativos para os transplantes a partir de doadores identificados neste mesmo Registro?

A batalha para conquistar um leito em um dos centros credenciados frequentemente fracassa, pois o número limitado de leitos aguarda uma nova política de expansão. Enquanto isso, a leucemia não espera. Ela mata!

Como reduzir os custos das tipagens de doadores e mesmo assim ampliar os registros? Um exemplo de sucesso é o registro alemão — o DKMS —, que aceita amostras para tipagens oriundas de doadores de todo o mundo, inclusive do Brasil. Além disso, o programa alemão substituiu a coleta de sangue de potenciais doadores por um esfregaço de células da mucosa bucal obtido com um simples cotonete, permitindo, assim, o envio da amostra pelo correio sem nenhum risco de contaminação. O custo para o governo alemão é de apenas 50 euros. Doações são bem-vindas. É só conferir http://www.dkms.de/en

A agonia do colesterol - DRAUZIO VARELLA

FOLHA DE SP - 30/11


Se reduzir os níveis de colesterol não confere proteção, por que insistir nas estatinas?


Nunca me convenci de que essa obsessão para abaixar o colesterol às custas de remédio aumentasse a longevidade de pessoas saudáveis.

Essa crença --que fez das estatinas o maior sucesso comercial da história da medicina-- tomou conta da cardiologia a partir de dois estudos observacionais: Seven Cities e Framingham, iniciados nos anos 1950.

Considerados tendenciosos por vários especialistas, o Seven Cities pretendeu demonstrar que os ataques cardíacos estariam ligados ao consumo de gordura animal, enquanto o Framingham concluiu que eles guardariam relação direta com o colesterol.

A partir dos anos 1980, o aparecimento das estatinas (drogas que reduzem os níveis de colesterol) abafou as vozes discordantes, e a classe médica foi tomada por um furor anticolesterol que contagiou a população. Hoje, todos se preocupam com os alimentos gordurosos e tratam com intimidade o "bom" (HDL) e o "mau" colesterol (LDL).

As diretrizes americanas publicadas em 2001 recomendavam manter o LDL abaixo de cem a qualquer preço. Ainda que fosse preciso quadruplicar a dose de estatina ou combiná-la com outras drogas, sem nenhuma evidência científica que justificasse tal conduta.

Apenas nos Estados Unidos, esse alvo absolutamente arbitrário fez o número de usuários de estatinas saltar de 13 milhões para 36 milhões. Nenhum estudo posterior, patrocinado ou não pela indústria, conseguiu demonstrar que essa estratégia fez cair a mortalidade por doença cardiovascular.

Cardiologistas radicais foram mais longe: o LDL deveria ser mantido abaixo de 70, alvo inacessível a mortais como você e eu. Seríamos tantos os candidatos ao tratamento, que sairia mais barato acrescentar estatina ao suprimento de água domiciliar, conforme sugeriu um eminente professor americano.

Pois bem. Depois de cinco anos de análises dos estudos mais recentes, a American Heart Association e a American College of Cardiology, entidades sem fins lucrativos, mas que recebem auxílios generosos da indústria farmacêutica, atualizaram as diretrizes de 2001.

Pasme, leitor de inteligência mediana como eu. Segundo elas, os níveis de colesterol não interessam mais.

Portanto, se seu LDL é alto não fique aflito para reduzi-lo: o risco de sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral não será modificado. Em português mais claro, esqueça tudo o que foi dito nos últimos 30 anos.

A indústria não sofrerá prejuízos, no entanto: as estatinas devem até ampliar sua participação no mercado. Agora serão prescritas para a multidão daqueles com mais de 7,5% de chance de sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral nos dez anos seguintes, risco calculado a partir de uma fórmula nova que já recebe críticas dos especialistas.

Se reduzir os níveis de colesterol não confere proteção, por que insistir nas estatinas? Porque elas têm ações anti-inflamatórias e estabilizadoras das placas de aterosclerose, que podem dificultar o desprendimento de coágulos capazes de obstruir artérias menores.

O argumento é consistente, mas qual o custo-benefício?

Recém-publicado no "British Medical Journal", um artigo baseado nos mesmos estudos avaliados pelas diretrizes mostrou que naqueles com menos de 20% de risco em dez anos as estatinas não reduzem o número de mortes nem de eventos mais graves. Nesse grupo seria necessário tratar 140 pessoas para evitar um caso de infarto do miocárdio ou de derrame cerebral não fatais.

Ou seja, 139 tomarão inutilmente medicamentos caros que em até 20% dos casos podem provocar dores musculares, problemas gastrointestinais, distúrbios de sono e de memória e disfunção erétil.

A indicação de estatina no diabetes e para quem já sofreu ataque cardíaco, por enquanto, resiste às críticas.

Se você, leitor com boa saúde, toma remédio para o colesterol, converse com seu médico, mas esteja certo de que ele conhece a literatura e leu com espírito crítico as 32 páginas das novas diretrizes citadas nesta coluna.

Preste atenção: mais de 80% dos ataques cardíacos ocorrem por conta do cigarro, vida sedentária, obesidade, pressão alta e diabetes. Imaginar ser possível evitá-los sentado na poltrona, às custas de uma pílula para abaixar o colesterol, é pensamento mágico.

sexta-feira, novembro 29, 2013

Simples assim - DORA KRAMER

O ESTADÃO - 29/11

A lei italiana que prevê a cassação de parlamentar condenado a mais de dois anos de prisão foi aprovada há um ano, no fim de 2012. Em agosto, o senador e ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi foi condenado em definitivo a quatro anos de reclusão por fraude fiscal. Na última quarta-feira, menos de três meses depois, o Senado cassou-lhe o mandato. Sem choro nem vela, com toda popularidade de que Berlusconi ainda desfruta segundo as pesquisas.
Aqui, lei muito mais branda que impede políticos condenados em segunda instância de concorrerem a eleições foi aprovada em 2009. Vigorou para valer a partir de 2012 e, entre outras artimanhas, será alvo de tentativa de burla em 2014 por políticos que, impedidos de concorrer, lançarão as candidaturas de parentes e apadrinhados.
Aqui, a Constituição prevê a perda dos direitos políticos para condenados (independentemente do tamanho das penas), mas também diz que o Congresso deve se manifestar sobre a cassação dos mandatos. Há quatro deputados condenados desde o fim do ano passado; três – José Genoino, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry – em situação transitada em julgado desde o último dia 14; e um, João Paulo Cunha, aguarda exame de recurso.
Há cerca de um ano, quando decidiu pelas condenações, o STF determinou que os mandatos de todos eles fossem interrompidos. O Congresso entendeu que deveria dar a última palavra sobre isso e resolveu adiar a solução do problema.
Considerando que o conflito de posições estava estabelecido e que o desfecho seria inevitável, o Parlamento poderia ter dirimido as dúvidas, estabelecido um roteiro e se preparado para quando o julgamento fosse dado como definitivo, mas preferiu deixar o assunto em suspenso. Agora, em cima da hora, aprova uma emenda imperfeita instituindo o voto aberto para cassações – e vetos presidenciais, acabando na prática com possibilidade de derrubada deles –, deixa na gaveta outra que torna automática a perda de mandatos, se enrola na tentativa do PT de adiar por 90 dias o exame do caso de José Genoino e nem pensou (se pensou não disse) no que fazer com os dois, cujas sentenças estão para ser executadas.
O ano vai terminando, daqui a menos de um mês o Congresso entra em recesso. A não ser que haja um acordo de procedimentos, não para acelerar, mas para fazer os trâmites andarem, vem fevereiro, carnaval de 2014 no início de março e, de repente, lá se vão mais três meses sem nada resolvido.
Na Itália, não exatamente um exemplo de organização, não pairou dúvida no Senado sobre a incompatibilidade entre condenação e posse de mandatos. Aqui, é de se perguntar qual parte dessa cristalina premissa suas excelências não entenderam.
Brecha. Aponta na direção certa o senador Aloysio Nunes Ferreira quando alerta para um detalhe da emenda que retirou da Constituição a expressão “voto secreto” para cassações no Poder Legislativo. O trecho do artigo 55 fica assim: “...a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal por maioria absoluta...”. Sem a explicitação de que a votação será aberta, além de contestações judiciais, o texto dá margem a que amanhã ou depois haja votações secretas em casos específicos se assim ordenarem os interesses dos casuísmos de plantão.
Obscuridade. Alguns dos condenados no mensalão ainda não tiveram suas ordens de prisão expedidas porque o ato depende de manifestação do Ministério Público. Não é o caso de Roberto Jefferson. De tanto esperar a polícia em casa, ironizou: “E a Federal que não chega?”. Uma dúvida para o ministro Joaquim Barbosa esclarecer.

(in)fidelidade partidária - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/11A preocupação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com a fidelidade partidária, confirmada ontem com sua decisão de pedir o mandato de parlamentares que tenham tentado burlar a legislação partidária, já é clara no parecer relativo à Ação direta de inconstitucionalidade proposta no Supremo tribunal Federal (STF) pelo PPS contra a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que permite a mudança de partido, no caso de formação de uma nova legenda política.Mesmo concordando com o PPS, o procurador pede que o Supremo, se considerar também inconstitucional, module os efeitos de sua decisão para garantir o princípio da segurança jurídica, uma garantia do cidadão firmada na Constituição brasileira. Essa modulação seria declarar que a troca de legenda para a criação de partido político ensejaria a perda do mandato apenas a partir do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nesta Ação direta de inconstitucionalidade .Dificilmente o PPS sairá vitorioso dessa disputa no Supremo, pois foi com base em decisões do próprio STF que o TSE baixou as normas de justa causa que permitem a mudança de partido sem a perda de mandatos.Ontem, a Procuradoria Geral Eleitoral (PGE) propôs ao TSE 13 ações de perda de mandato apenas por desfiliação partidária sem justa causa contra parlamentares. Segundo os pedidos, os deputados não comprovaram o cumprimento de qualquer das hipóteses legais que autorizam o procedimento de desfiliação.Contrariando a tese do TSE de que o mandato pertence aos partidos e não ao eleito, o fundamento dos pedidos da Procuradoria Geral está baseado no caráter representativo do mandato, como expressão da vontade popular. O eleitor confere a representação ao parlamentar vinculado a certo partido, que encarna o ideário que se pretende avançar na disputa pelo poder político. A infidelidade quebra essa relação de confiança e permite à sociedade que reivindique o mandato através do Ministério Público , alega o procurador.Outro processo que Janot pretende combater é a tentativa de muitos de driblar a legislação eleitoral fazendo uma escala em um partido novo. A PGE detectou diversos casos em que parlamentares saíram de seus partidos com a alegação de formar um novo para, em seguida, mudarem-se para legendas já estabelecidas.Seria, no exemplo do próprio Janot, uma escala técnica para chegar ao objetivo inicial, que era trocar simplesmente um partido por outro, sem compromisso com nova legenda. A senadora Kátia Abreu, por exemplo, saiu do DEM para se filiar ao PSD, seguindo a decisão aprovada pelo TSE, mas recentemente se mudou para o PMDB, o que pode ser considerado drible na legislação.Já o deputado Alfredo Sirkis saiu diretamente do Partido Verde para o PSB, junto com Marina Silva, e está na primeira lista da Procuradoria Geral divulgada ontem. Quem provocou toda essa confusão partidária foi o PSD do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, que montou uma das maiores bancadas da Câmara com deputados saídos de diversos partidos.Ele conseguiu no Supremo permissão para que os deputados que mudassem de partido levassem para a nova legenda o tempo de televisão e o fundo partidário correspondente à sua votação, o que criou um verdadeiro mercado paralelo para a criação de novas legendas, como o PROS e o Solidariedade.Sintomaticamente, o PSD de Kassab uniu-se ao governo federal para mudar a legislação e impedir que Marina Silva levasse para a sua Rede Sustentabilidade o tempo de televisão e o fundo partidário de seus fundadores. Tal legislação foi aprovada após muita polêmica, mas todos os parlamentares que mudaram de partido antes de sua promulgação, a 30 de outubro, estão com seus direitos garantidos.Como se vê, essa questão da fidelidade partidária está merecendo uma legislação mais ampla, que defina de uma vez por todas os direitos e deveres dos parlamentares dentro de uma ampla reforma político-eleitoral.

Mentir, conspirar, trair - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 29/11

Na democracia, a divisa do PT pode ser assim sintetizada: 'Aos amigos tudo, menos a lei; aos inimigos, nada, nem a lei'
O PT nem inventou a corrupção nem a inaugurou no Brasil. Mas só o partido ousou, entre nós, transformá-la numa categoria de pensamento e numa teoria do poder. E isso faz a diferença. O partido é caudatário do relativismo moral da esquerda. Na democracia, sua divisa pode ser assim sintetizada: "Aos amigos tudo, menos a lei; aos inimigos, nada, nem a lei". Para ter futuro, é preciso ter memória.
Eliana Tranchesi foi presa em 2005 e em 2009. Em 2008, foi a vez de Celso Pitta, surpreendido em casa, de pijama. Daniel Dantas, no mesmo ano, foi exibido de algemas. Nos três casos, e houve uma penca, equipes de TV acompanhavam os agentes federais. A parceria violava direitos dos acusados. Quem se importava? Lula batia no peito: "Nunca antes na história deste país se prendeu tanto". Era a PF em ritmo de "Os Ricos Também Choram".
Ainda que condenados em última instância, e não eram, o espetáculo teria sido ilegal. Ai de quem ousasse apontar, como fez este escriba (os arquivos existem), o circo fascistoide! Tornava-se alvo da fúria dos "espadachins da reputação alheia", era acusado de defensor de endinheirados. Procurem um só intelectual petista --como se isso existisse...-- que tenha escrito uma linha contra os exageros do "Estado repressor". Ao contrário! Fez-se, por exemplo, um quiproquó dos diabos contra a correta 11ª Súmula Vinculante do STF, que disciplinou o uso de algemas. "A direita quer algemar só os pobres!", urravam.
Até que chegou a hora de a trinca de criminosos do PT pagar a pena na Papuda. Aí tudo mudou. O gozo persecutório cedeu à retórica humanista e condoreira. Acusam a truculência de Joaquim Barbosa e a espetacularização das prisões, mas não citam, porque não há, uma só lei que tenha sido violada. Cadê o código, o artigo, o parágrafo, o inciso, a alínea? Não vem nada.
Essa mentalidade tem história. Num texto intitulado "A moral deles e a nossa", Trotsky explica por que os bolcheviques podem, e devem!, cometer crimes, inaceitáveis apenas para seus inimigos. Ele imagina um "moralista" a lhe indagar se, na luta contra os capitalistas, todos os meios são admissíveis, inclusive "a mentira, a conspiração, a traição e o assassinato".
E responde: "Admissíveis e obrigatórios são todos os meios, e só eles, que unam o proletariado revolucionário, que encham seu coração com uma inegociável hostilidade à opressão, que lhe ensinem a desprezar a moral oficial e seus democráticos arautos, que lhe deem consciência de sua missão e aumentem sua coragem e sua abnegação. Donde se conclui que nem todos os meios são admissíveis".
O texto é de 1938. Dois anos depois, um agente de Stalin infiltrado em seu séquito meteu-lhe uma picaretada no crânio. Sinistra e ironicamente, a exemplo de Robespierre, ele havia escrito a justificativa (a)moral da própria morte. Vejam ali. Conspirar, mentir, trair, matar... Vale tudo para "combater a opressão". Só não é aceitável a infidelidade à causa. Pois é...
José Dirceu quer trabalhar. O "consultor de empresas privadas" não precisa de dinheiro. Precisa é de um hotel. Poderia fazer uma camiseta: "Não é pelos R$ 20 mil!". Paulo de Abreu, que lhe ofereceu o, vá lá, emprego, ganhou, nesta semana, o direito de transferir de Francisco Morato para a avenida Paulista antena da sua Top TV, informou Júlia Borba nesta Folha. O governo tomou a decisão contra parecer técnico da Anatel, com quem Abreu tem um contencioso razoável. Dizer o quê? Lembrando adágio famoso, os petistas não aprenderam nada nem esqueceram nada.
Aos amigos, tudo, menos a lei. Aos inimigos, José Eduardo Cardozo e Cade. É a moral deles.

O drama carcerário e o ‘jus esperniandi’ do PT - ROBERTO FREIRE

BRASIL ECONÔMICO - 29/11

Bastou que algumas de suas principais lideranças como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares começassem a cumprir pena pelos crimes do mensalão para que o PT tomasse conhecimento da precariedade do sistema carcerário brasileiro. Militantes e próceres do partido têm protestado contra as condições da prisão para onde foram levados os antigos companheiros, como se a responsabilidade pelo caos nas cadeias não fosse de um governo que comanda o país há 12 anos.
A incompetência petista para lidar como problema ficou mais uma vez evidenciada este ano, com o corte de 34,2% nos investimentos para o Plano Nacional de Apoio ao Sistema Prisional. Segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça, o projeto terá recebido, ao final de 2013, R$ 238milhões, ante R$ 361,9 milhões do ano passado.
Em relação ao montante destinado à segurança pública, a pasta promete empenhar R$ 4,2 bilhões, mas até agora apenas R$ 2,5 bilhões foram disponibilizados. Enquanto os defensores de Dirceu, Genoino e Delúbio manifestam tardiamente sua preocupação coma penúria a que os presidiários brasileiros estão submetidos, treze estados do país perderam R$135 milhões para investimentos em reformas ou construção de novas cadeias.
O montante não executado, que seria destinado à redução do déficit de 20 mil vagas nesses estados, voltou aos cofres da União por falta de projetos ou falhas nas propostas apresentadas. De acordo com o Conselho Nacional do Ministério Público, só o Rio de Janeiro, cujo déficit de vagas nas cadeias é de 5 mil, perdeu R$ 25 milhões que seriam aproveitados em reformas de quatro presídios e construção de outros cinco.
O PT que hoje estrebucha contra a degradação das penitenciárias porque lá chegou por meio de algumas de suas figuras mais ilustres é o mesmo que governa o país desde 2003 e não acabou com a superlotação nas cadeias. Entre 2011 e 2012, o Departamento Penitenciário Nacional, órgão subordinado ao Ministério da Justiça comandado pelo petista José Eduardo Cardozo, abriu 7,2 mil vagas, mas esse número teria de ser multiplicado por 33 para zerar o déficit demais de 237 mil.
Talvez as prisões dos mensaleiros petistas levem o governo, ainda que com um atraso de mais de 12 anos, a investir mais no sistema carcerário brasileiro. Ao invés de atacar as instituições republicanas, como tem feito reiteradamente com o Judiciário, ou tentar transformar seus condenados em mártires, o PT tema obrigação de trabalhar para que o cotidiano dos milhares de presos que não usufruem das mesmas regalias oferecidas a Dirceu, Genoino e Delúbio – como visitas fora do horário estipulado – seja menos desumano.
Há um ano, o ministro da Justiça disse que as cadeias brasileiras eram “medievais” e afirmou textualmente: “Entre passar anos em um presídio no Brasil e perder a vida, talvez eu preferisse perder a vida”. O que não se pode, caro ministro, é perder a compostura.
Afinal, enquanto o PT cria factoides em nome dos interesses de seus mensaleiros condenados, Cardozo despacha à Polícia Federal, de forma irresponsável, documentos apócrifos com denúncias contra adversários do governo. Se aproveitasse o horário de trabalho para cumprir sua função, o ministro talvez fizesse o Brasil se poupar do chororô tardio do PT, que hoje assina o atestado da própria inépcia

Um bom começo - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 29/11

A Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizou ontem, no Rio, o primeiro leilão de áreas em terra para produção de gás natural. Foi a 12.ª Rodada de Áreas Exploratórias, que conseguiu outorgar 72 dos 240 blocos oferecidos e garantiu uma arrecadação com prêmios de assinatura de R$ 165 milhões. A Petrobrás sozinha ou em consórcio com outras empresas ficou com 49 blocos.
O leilão foi precedido por uma tardia oposição de grupos ecologistas. A principal crítica é a de que a exploração dessas áreas abre caminho para a utilização da tecnologia de craqueamento hidráulico, que consiste na injeção direta, a altas pressões sobre as camadas de xisto, de uma mistura de água, areia e agentes químicos, que se destina a libertar o gás aprisionado nos folhelhos.
A crítica é a de que, além de exigir enorme quantidade de água doce, essa tecnologia pode contaminar os lençóis freáticos e os aquíferos. Daí porque, argumentam algumas associações preservacionistas, seria preciso adiar o leilão até que se chegue a um entendimento sobre as melhores condições de exploração ou, se não isso, até que fosse definitivamente proibida a atividade, como ocorreu em alguns países ricos, caso da França e de algumas regiões dos Estados Unidos.
Essas críticas não são suficientes para paralisar o processo de licitação. Primeiro, porque não necessariamente terá de ser usado o processo de fraturamento hidráulico; e, segundo, porque há avanços no emprego dessa tecnologia que evitam ou reduzem substancialmente os riscos de contágio.
Até recentemente, a exploração de gás natural não foi considerada importante no Brasil. Mas o jogo mudou e vai mudar mais ainda. O gás natural já alcança cerca de 10% da matriz energética brasileira (veja gráfico) e tem uma demanda industrial cada vez maior. Também é crescente o uso de energia elétrica de fonte térmica para suprir os picos de consumo.
A exploração do gás de xisto no mundo ganhou nova importância. Em seis anos (até 2020), os Estados Unidos se tornarão autossuficientes e exportadores de hidrocarbonetos. Hoje, esse gás está disponível no mercado dos Estados Unidos a um preço médio de US$ 4 por milhão de BTU, substancialmente mais baixo do que os US$ 12 a US$ 16 por milhão de BTU negociados em outros países, inclusive aqui no Brasil.
A revolução do xisto nos Estados Unidos deverá ter impacto estratégico relevante na medida em que reduzirá a dependência das grandes economias do fornecimento de petróleo do Oriente Médio, região sujeita a intermináveis conflitos militares e políticos.
O Brasil não dispõe de um mapeamento geológico confiável de suas reservas de xisto. Também falta para o setor um marco regulatório consistente. No entanto, o melhor jeito de atacar essas limitações é começar a exploração o quanto antes. Não se encontrarão as melhores soluções nem o caminho mais curto e mais barato para a exploração do gás natural em terra no Brasil se o processo não começar e se os eventuais problemas não forem conhecidos para em seguida poderem ser equacionados.

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