Congresso interditado
O Planalto não quer a abrir mão do poder de governar depressa, controla a maioria parlamentar que também não se dispõe a desagradar à chefia, e a discussão empaca mais ou menos nos termos da reforma política: todo mundo aponta os defeitos, defende as mudanças, mas ninguém toma uma providência para valer.
Uma luz no fim desse longo túnel que começou a ser construído quando a Constituição de 1988 acabou com o decreto-lei e deu ao presidente da República o instrumento da MP para ser usado em caso de urgência e relevância, surge agora na junção de esforços dos presidentes da Câmara, Arlindo Chinaglia, e do Senado, Garibaldi Alves.
Na abertura dos trabalhos legislativos deste ano, o foco dos discursos de ambos foi o efeito do uso abusivo das medidas provisórias sobre o equilíbrio dos Poderes. Garibaldi definiu o Congresso como "quarto de despejo de um presidencialismo de matiz absolutista".
Chinaglia não radicaliza tanto na forma, tampouco entra em conflito com Garibaldi, mas no conteúdo diz o mesmo: "A agilidade do presidencialismo não pode se dar ao custo de a Câmara e o Senado simplesmente perderem a prerrogativa de definir a própria pauta de trabalho."
Mostra a distorção em números: há 7 medidas provisórias trancando a pauta da Câmara. Daqui até 22 de março, outras 22 chegarão uma após a outra na data limite. Feitas as contas, dá uma medida provisória por dia trancando a pauta. Mais de uma, considerados só os dias úteis.
E de quem é o defeito maior, do Executivo que abusa ou do Legislativo que não se dá ao respeito e impõe a limitação, devolvendo as medidas que não forem urgentes nem relevantes?
Chinaglia, em princípio, divide as responsabilidades. "Governo nenhum toma a iniciativa de ceder poder e na prática cotidiana da política também é irreal achar que seja possível a devolução sistemática das medidas que não se enquadram nos critérios de relevância e urgência."
Como, na opinião dele, o Legislativo também não pode só reclamar e precisa tomar uma atitude, a solução é buscar uma acomodação que atenda ao princípio do equilíbrio. Em 2001, quando se fez a primeira mexida na sistemática das MPs, ele acha que houve um avanço.
Antes disso, o Executivo podia reeditar medidas provisórias de forma ilimitada. Resultado: o Congresso ficava simplesmente excluído do processo. A idéia de fazer com que a pauta fosse paralisada depois de 120 dias de tramitação da MP tinha o objetivo de fazer o Congresso votar as medidas antes da data limite.
Quando assumiu a presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia diz que tentou instituir essa sistemática. Mas a oposição foi contra e recorreu à Comissão de Constituição e Justiça, que tomou a seguinte decisão: medidas provisórias só podem entrar na pauta de votação mediante o vencimento de seu prazo de validade.
O que fazer, então, para resolver o problema sem entrar em choque com o Executivo que, em princípio, não quer mudar nada?
"O principal é desatar o nó do trancamento da pauta." Como? A idéia do presidente da Câmara é aproveitar uma proposta de autoria do falecido senador Antonio Carlos Magalhães, já aprovada pelo Senado e em tramitação em comissão especial da Câmara, introduzindo a seguinte exigência: medida provisória que não for votada em 120 dias perde a validade.
Desse modo, o Executivo seria o principal interessado em mobilizar sua maioria para aprovar o quanto antes as MPs.
Para que elas realmente não atrapalhassem os trabalhos normais do Congresso, o exame das medidas provisórias seria feito em sessões extraordinárias, deixando as ordinárias liberadas para tocar a agenda do Parlamento.
Muito bem, mas uma coisa é falar, combinar, outra coisa é aprovar, quebrando as resistências do Executivo. Sobre essa parte, Arlindo Chinaglia não gosta de discorrer, pois evidentemente enfrentará mais dificuldades na bancada governista, notadamente no PT, do que na oposição.
Foi assim quando, em 2001, Aécio Neves era presidente da Câmara e teve um trabalho enorme para convencer o então governo tucano a alterar a regra das medidas provisórias. É de se imaginar que seja igualmente difícil mexer no assunto agora.
"Por isso mesmo é ótimo a pressão de fora para dentro. É indispensável para que a sociedade entenda que o que está em jogo são as prerrogativas da Casa de representação popular, para cobrar e levar o Parlamento a buscar a sua independência."
E há um horizonte para a solução?
Arlindo Chinaglia acha que o assunto chega em abril ao plenário da Câmara e, antes do recesso eleitoral de julho em diante, pode estar resolvido.
"O governo não poderá dizer que está sendo limitado indevidamente, mas também não terá como continuar a ocupar todos os espaços sem conviver com o contraditório de um Parlamento que não abre mão de cumprir seu papel."