Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 24, 2008

Alberto Tamer

Brasil não se assusta com a crise

Os EUA estão assustados, o Brasil por enquanto não; só sente a crise agora na desaceleração do comércio mundial e no desafio de manter as taxas de juros elevadas para atrair capital externos. O banco central americano admitiu que o corte extraordinário do juro básico pode não ter sido suficiente para reanimar a economia e aumentar a previsão de crescimento, neste ano entre 1,3% e 2%. Indicou que vai continuar reduzindo a taxa, mas teme que o núcleo da inflação (sem energia e alimentos) passe de 2,2%. A inflação plena já está em 4,3%.

Aqui, o BC trabalha com a hipótese de crescimento de 4,5% e inflação de pouco mais de 4,2%. Por enquanto, o choque do preço do petróleo não nos atingiu; a Petrobrás, que comercializa em dólar, não está repassando a alta para os preços da gasolina e do óleo, pois se beneficia com a diferença cambial. Nos EUA e na Europa, o repasse dos US$100 por barril para o consumidor é integral e é uma das causas do salto inflacionário. O preço interno da energia já subiu 14%.

NÓS E ELES


Neste início de ano, temos dois mundos distintos, só interligados intimamente no mercado financeiro, no qual qualquer susto repercute pelo mundo. De um lado, Europa e EUA tremem com o risco iminente de estagflação - inflação e estagnação ao mesmo tempo.

BRASIL, MELHOR NO BRIC


Do outro lado, estamos nós, os emergentes que ainda vão bem. No Brasil, o BC prevê um crescimento de 4,2%, mas teme uma inflação caminhando para mais de 4,2%. É uma situação desconfortável, porque, nesse caso, a pressão vem do aumento da demanda, e não da oferta. Há um aumento mais acelerado do consumo sobre a produção.

Como a economia deve ainda continuar crescendo, com mais emprego, renda e consumo, pode-se prever novas tensões sobre os preços, principalmente dos alimentos. É o que mostram os resultados de janeiro das vendas a varejo e nos supermercados.

Ao nosso lado, integrando simbolicamente o Bric, estão os três países emergentes - Rússia, Índia e China. Eles estão em situação mais delicada. A China deve crescer 10% este ano, mas a inflação já está em 7,1%; a Rússia tem crescimento previsto em 7,6% com inflação de 12,6%; a Índia projeta crescer 8,9% e tem inflação de 5,5%.

Como se pode ver, estamos numa situação boa entre os melhores.

O QUE ELE VÃO FAZER?

Os EUA já entraram na luta, estão dando cheques com dinheiro novo para os americanos consumirem, reduziram e vão reduzir ainda mais a taxa de juro.

Decidiram lutar contra a recessão e administrar a inflação, mais fácil de corrigir depois com os instrumentos de que dispõem. Ao mesmo tempo, o dólar desvalorizado está impulsionando as exportações e, em conseqüência, o crescimento interno. Vai ser uma batalha difícil, não isenta do risco de fracassar.

EUROPA PIOR

Mais séria é a perspectiva para a Europa. A Comissão Européia reduziu a previsão de crescimento da zona do euro para baixo, 1,8%, e da inflação para cima, 2,6%. Em janeiro, ela já estava em 3,2%. Também aí um cenário de estagflação. A zona do euro está sofrendo mais com os desdobramentos da crise imobiliária americana, porque, ao contrário do Federal Reserve (banco central americano), o Banco Central Europeu (BCE)optou por conter a inflação mesmo ao custo de uma desaceleração econômica. Mas, e se ele mudar? Deve ser tarde, pois a economia européia, menos dinâmica e mais estratificada, com um mercado de trabalho engessado, reage menos a estímulos e já vinha recuando há meses, antes da crise. A retração das últimas semanas apenas se acelerou. E o presidente do BCE , Jean-Claude Trichet, foi categórico, radical: ninguém aumenta o endividamento e não se admite inflação acima de 2%.

BRASIL, OS VÁRIOS CENÁRIOS

Neste ano, o Brasil será o menos atingido, por cinco motivos:

1)Conta com a confiança dos investidores estrangeiros, que dispõem de grande liquidez; só faltam mais projetos e garantia de energia firme.

2) É basicamente exportador de commodities agrícolas e minerais e seu principal cliente, a China, continuará crescendo neste ano. Apesar da crise financeira, os preços das commodities continuam em alta, puxados pela voracidade do mercado chinês. Mesmo que haja uma redução dos preços das commodities agrícolas - as mais sensíveis para nós -, estima-se que não deve passar de 20%.Também aí estamos bem, embora esses produtos de exportação gerem pouco emprego.

3) Criou no último ano um mercado consumidor interno vigoroso, que vem sustentando o crescimento, embora ao custo de maior pressão inflacionária.

4 ) Dispõe de um sólido mercado de capitais e bancário, que não se envolveu com a crise americana e européia. Há saída de investidores financeiros, sim, para cobrir perdas externas, mas isso está sedo compensado pelo ingresso de investimentos diretos, que vêm para ficar.

5 ) As reservas cambiais, que cobrem agora a dívida externa, mesmo sendo um resultado simbólico e ao custo do endividamento interno, permitirão resistir a turbulências mais fortes.

Mesmo crescendo menos, neste ano, estamos ainda bem em meio ao vendaval que assola o mercado financeiro mundial. Mas há riscos. Por causa do câmbio, vamos importar mais, o que prejudica a nossa indústria, e expandir menos as exportações, por causa da retração do comércio mundial.

Este é o cenário externo para o Brasil nos dias de hoje. É hora de aproveitar esse clima, para nós ainda ameno, e agir com urgência para evitar que a economia se retraia ainda mais.

Há tempestades rugindo lá fora e, mesmo protegidos, não seremos uma espécie de ilha ensolarada por muito tempo.

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