O anúncio de que o Brasil passou de devedor a credor do mercado financeiro internacional - ou seja, tem reservas superiores à soma das dívidas externas pública e privada - foi feito num momento particularmente oportuno. Aos investidores externos mostra que o Brasil está bastante protegido contra as turbulências que deprimem os mercados desde que estourou a bolha do subprime. Quando só se fala em redução da atividade, principalmente nos Estados Unidos, o Brasil desponta como um destino seguro para novos investimentos. Para a opinião pública brasileira, fica demonstrado o acerto da política do Banco Central, adotada desde o primeiro dia do primeiro mandato do presidente Lula - em continuidade ao que vinha fazendo o ministro Pedro Malan no governo Fernando Henrique -, contra a vontade dos chamados “desenvolvimentistas” do PT e de alhures.
“É mais um trunfo que temos para mostrar o quanto o nosso governo está no caminho certo”, comemorou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas a transformação do Brasil de devedor em credor internacional mostra muito mais a mudança de mentalidade por que passou o presidente Lula. Primeiro como líder sindical, depois como líder de um partido de oposição, Lula fez comícios nos quais afirmava que o pagamento da dívida externa estava levando os brasileiros à miséria. Na Constituinte, a bancada da qual fazia parte demonizou o FMI, pregou o calote, pediu a instituição de uma auditoria para verificar a lisura da dívida e, por fim, requereu a convocação de um plebiscito para que os brasileiros decidissem se a dívida deveria ou não ser paga.
Antes de ser eleito, em 2002, mudou de opinião. Em 2005, o governo liquidou, dois anos antes do vencimento, os empréstimos tomados no FMI. Também resgatou os C-Bonds emitidos durante a renegociação das moratórias da década de 1980, com 19 anos de antecipação. Em 2006 liquidou a dívida com o Clube de Paris. E, com isso, o governo zerou a dívida externa pública, ou pagando o débito ou mantendo fundos suficientes em caixa.
Agora, tem reservas mais que suficientes para quitar o total da dívida nacional, pública e privada. Isso porque as reservas do Banco Central, que eram de US$ 16,3 bilhões em 2002, superaram os US$ 180 bilhões em 2007. Na quarta-feira, as reservas atingiam US$ 188,2 bilhões. Graças ao excelente desempenho do setor exportador, que gerou sucessivos superávits da balança comercial, à prudente administração das contas externas e ao ingresso de investimentos estrangeiros diretos, atraídos pelas boas perspectivas da economia brasileira, houve abundância de dólares no mercado. Em cinco anos, o Banco Central comprou no mercado o equivalente a US$ 141,3 bilhões para compor as reservas internacionais do País. Na quarta-feira, as reservas atingiram o recorde de US$ 188,2 bilhões que, somados a outros créditos e disponibilidades no exterior, superam em mais de US$ 4 bilhões a dívida externa total de US$ 197,7 bilhões.
O problema da dívida externa, que certas correntes políticas e certos economistas superdimensionavam há menos de dez anos - “a dívida externa é impagável”, era o que mais se ouvia -, foi resolvido, como observou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, “pela implementação de políticas macroeconômicas responsáveis e consistentes, baseadas no tripé responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e metas para a inflação”.
Mas falta resolver o problema da dívida pública interna. Ela atinge hoje a astronômica quantia de R$ 1,204 trilhão, com um custo de rolagem de cerca de 12%. É esse o ponto fraco das finanças públicas. Mesmo com o superávit primário, que este ano deverá ser de cerca de 3,55% do PIB, não se consegue reduzir satisfatoriamente o montante da dívida nem melhorar o perfil dos vencimentos. Só com aperto fiscal e superávits nominais o Brasil conseguirá reduzir a dívida interna a níveis aceitáveis.
A dívida, em si, não é um fator negativo para a economia nacional. É tudo uma questão de equilíbrio. A dívida interna está consumindo recursos de que o País carece para investimentos em infra-estrutura. E o fato de o Brasil ser credor internacional significa que está exportando poupança - uma poupança que não basta para suprir as necessidades internas.