Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 30, 2005

A votação mais cara do mundo Bruno Lima Rocha

BLOG NOBLAT


Na última quarta-feira, 28, o governo Lula conseguiu um feito histórico. Ao final da votação para o terceiro cargo mais importante na hierarquia do país, fez os votos individuais atingiram o custo mais alto na história. Sangria desatada nos cofres da 11ª economia do mundo. Vale a pena refazer e cruzar os votos com números do orçamento. São dados de acesso público, bastando para isso um simples raciocínio lógico.

 

No primeiro turno do Congresso, Aldo Rebelo (PCdoB-SP) terminou rigorosamente empatado com José Thomaz Nonô (PFL-AL), ambos com 182 votos. Em terceiro, figurava Ciro Nogueira (PP-PI), com 76 votos. O correligionário de Maluf, Janene e Severino terminou à frente do ex-governador de São Paulo na época da falência do Banespa e do Massacre do Carandiru, Luiz Antônio Fleury Filho (PTB-SP), que ganhou 41 votos. Entre os candidatos relevantes, Alceu Collares (PDT-RS) saiu-se pior. O leal brizolista e ex-governador do Rio Grande recebeu apenas 18 votos.

 

Quando as coisas se definiram, o segundo turno acabou com a sinistra diferença de 15 votos. Justo o número da lista dos possíveis cassados. Mas, outra conta é necessária. O processo decisório implicou uma barganha orçamentária, mais uma entre muitas, realizada não apenas por este governo, mas por todos os antecessores de 1985 aos dias de hoje. O governo Lula abriu o cofre, despejando R$ 500 milhões de reais em emendas parlamentares. Em troca, recebeu exatos 258 votos para o ex-guerrilheiro do Araguaia. Rebelo foi apoiado pelos amigos e por contratados. Leia-se, os aliados na política nacional embora rivais na esquerda, PT e PSB, obviamente o apoiaram. PP, PTB e PTB, marcaram posição em primeiro turno. Tanto bateram pé que a barganha saiu cara. Sim, na média, cada voto para Rebelo custou R$ 2 milhões de reais!

 

No meio do tumulto, alguns setores se deram melhor, outros não. O PMDB apareceu mais rachado do que nunca, com Michel Temer discursando forte e um surpreendente Pedro Simon batendo ao contrário. Collares também surpreendera, peleando votos para o candidato do Planalto. Severino foi bem, canalizando apoio, verbas e fundos para seus redutos eleitorais. Está no lucro o homem que antes de renunciar, derrubou Olívio Dutra, emplacando um tecnocrata de sua confiança no Ministério das Cidades. Os parlamentares cassáveis, comemoraram intensamente. À frente da festa, o ex-chefe de Governo, José Dirceu, celebrava sua sobrevivência política, não importa o preço que se tenha a pagar.

 

Ao contrário do que possa parecer, esta liberação de verbas, por dentro e com rubrica, é coisa corriqueira. Sabiamente a ciência política dos Estados Unidos apelidou este conceito de pork barrel. Ou seja, a disputa pela lavagem (alimento) que os porcos comem no coxo. Esta é a representação material da idéia, sem tirar nem pôr. Contrariando a muitos colegas, que têm por hábito confundir o papel de analista político com o de bombeiro, não tenho a mínima intenção de diminuir a indignação. É justo o oposto. Creio na capacidade de se indignar. Quem perde isso, perde a capacidade de fazer qualquer política distributiva. A real polítik pragmática já mostrou seu potencial desagregador. Não há motivos para repeti-la de forma supostamente "científica".

 

Voltando ao preço dos votos, apenas nos últimos 45 dias, o país gastou em "lavagem" quase 10% do que a Petrobrás deve faturar este ano. No balanço do 1º semestre, a estatal brasileira fechou no azul, com lucro líquido de R$ 10 bilhões de reais. No dia 16 de agosto, o Congresso brecou o aumento do salário mínimo com um  acordo de liderança e com votação simbólica. "Coincidentemente" o governo liberou R$ 1 bilhão de reais do orçamento para emendas parlamentares. A obediência ao governo cessou quando o aumento em jogo foi corporativo. Para agradar seus funcionários, também por meio de votação secreta, fora aprovado o aumento de 15% para o funcionalismo das duas casas. O prejuízo para a nação foi de R$ 500 milhões ao ano. Se somarmos os gastos obtidos com as barganhas do Congresso para impedir o aumento do salário mínimo, aumentar em 15% os ganhos dos funcionários da Câmara e Senado, somando-se ao 2º turno da disputa para a presidência da Câmara, teremos o total de R$ 2 bilhões e 100 milhões de reais. Se a Petrobrás repetir seu faturamento no 2º semestre, fechará o ano com lucro de R$ 20 bilhões de reais. E, para revolta de todos os cidadãos atentos do país, pouco mais de 10% desse montante já foi gasto no toma lá dá cá das emendas parlamentares.

 

Chegamos assim a uma triste constatação. Sistematicamente, a moeda de troca da política brasileira é o recurso público administrado pelo Estado. Se ainda fossem por interesses maiores, por meio de medidas concretas para melhorar a vida da maioria dos brasileiros, seria aceitável. Mas, uma classe política que negocia entre si, descaradamente, manipulando nossos recursos, é demais. Não há distribuição da riqueza nem participação popular nas decisões fundamentais. 

 

Esta forma de "democracia" é pouco mais que uma coleção de ritos e procedimentos oligárquicos. Por muito menos, nos últimos cinco anos a ira popular já desmantelou sistemas políticos inteiros na Argentina, Equador e Bolívia. Sabe-se que a paciência do povo brasileiro é grande. Mas não é eterna.

 

Bruno Lima Rocha é cientista político
(www.estrategiaeanalise.com.br/ blimarocha@via-rs.net)

LUÍS NASSIF Efeitos dos títulos em reais

FOLHA DE S PAULO
Ainda há muito o que discutir em relação a dois temas relevantes: um, a emissão de títulos do Tesouro corrigidos em reais, no exterior; o segundo, uma eventual anistia para atrair capitais brasileiros que se evadiram do país nesses anos de "offshore" e caixa dois.
Há desafios de monta. O primeiro, separar adequadamente caixa dois de dinheiro criminoso. A nova Lei de Lavagem de Dinheiro poderá pecar pelo excesso se não estabelecer essa distinção. Uma coisa é a punição futura de quem sonegar. Outra é atrair a sonegação passada para a formalidade. A não-distinção dos antecedentes dificultará essa formalização.
A poupança externa só interessa a um país com déficit em suas contas externas. Se as contas estão equilibradas, o ingresso de dólares tem só um efeito: apreciar ainda mais a cotação do real.
Há um vício de raciocínio recorrente no pensamento cabeça de planilha. Uma economia em desenvolvimento deve ter exportações e importações crescentes, uma balança comercial superavitária ou levemente deficitária. Quando entram outros itens, a conta fica deficitária. O país precisa pagar pela importação de tecnologia, royalties, juros e dividendos.
O vício de raciocínio consiste em tomar o efeito pela causa. Ou seja, induzir a um déficit em contas correntes, como se a geração da conseqüência criasse as causas virtuosas -a compra de tecnologia etc.
O capital estrangeiro é fundamental quando significa máquinas, tecnologias, abertura de mercados. Quando o ingresso é meramente financeiro, em uma economia superavitária, há duas maneiras de trabalhar a questão. A primeira é permitir a troca de dólares por reais. O efeito será uma apreciação ainda maior do câmbio. A segunda alternativa é o Banco Central esterilizar os dólares, ao aumentar as reservas, emitir reais e, depois, emitir títulos da dívida parar enxugar os reais adicionais. O resultado é um impacto adicional sobre as contas públicas e um efeito-substituição: para cada dólar que entra, há a redução do valor correspondente dos reais disponíveis para a parte da economia que não tem acesso aos dólares.
Por isso mesmo, do ponto de vista macroeconômico, a única vantagem da anistia ao capital exportado seria conferir a verdadeira identidade a esse caixa dois imenso que sai diariamente para o exterior sob as barbas do BC. Mas, se bem-sucedida, a operação poderia apreciar ainda mais o real.
O mesmo ocorre com as emissões de títulos soberanos em reais. Na prática, a única vantagem será demonstrar que os investidores externos aceitam taxas bem menores do que o viciado organismo interno brasileiro. Mas de modo nenhum se poderá substituir o financiamento interno da dívida pelo externo.

Pactual e Conselhinho
O Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional reduziu as punições do Banco Pactual e de nove executivos acusados de operações irregulares em 1999. Não se levou em conta a informação de que, em março e abril, o Pactual teria reincidido nas mesmas práticas. Segundo seu secretário executivo, o Conselhinho é meramente um órgão de revisão, de recursos.
No julgamento, entendeu-se que estavam caracterizadas as irregularidades apontadas, mas a materialidade não estava bem definida. Para alguns conselheiros, o processo não foi bem instruído. Para as pessoas físicas, a inabilitação foi transformada em advertência, por 5 votos a 3.

Batendo no muro LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

FOLHA DE S PAULO

O processo de abertura em curso no Brasil aprofundou a dependência de nossos ciclos econômicos ao que acontece no resto do mundo. Como já disse várias vezes neste espaço, para o bem e para o mal. Vivemos hoje dias de euforia, principalmente nos mercados financeiros, porque a economia mundial está crescendo vigorosamente. Nosso PIB está se expandindo sob o impulso das exportações, fruto de preços de commodities mais altos e um crescimento vigoroso do comércio internacional.
Mas vejamos alguns problemas que podem aparecer em 2006 e 2007. O primeiro, e mais sério, vem de fora, mais precisamente dos Estados Unidos. Os mercados internacionais trabalham com a manutenção do crescimento econômico americano perto do potencial para o ano de 2006. Para tanto, contam com uma ação do Fed do tipo "light", isto é, sem produzir uma recessão na terra de Tio Sam. Com isso, o crescimento da economia mundial se manteria em níveis elevados, principalmente porque o outro motor da economia global -a China- continua a todo o vapor.
Mas os primeiros sinais de estresse no mundo cor de rosa de hoje estão aparecendo nos radares de analistas mais cuidadosos. Primeiro porque a tórrida demanda chinesa por matérias-primas está criando uma situação de escassez real em vários mercados. O de derivados de petróleo é o mais evidente. Mas o mesmo ocorre em outros. O desequilíbrio entre oferta e procura aparece porque os investimentos em aumento de capacidade de produção de produtos como petróleo e seus derivados, cobre, minério de ferro e outros não acompanharam a intensidade da demanda chinesa.
Poucos acreditaram em trabalhos que há alguns anos mostravam o potencial dessa situação de escassez. Lembro-me de ter lido um estudo especulativo sobre o que aconteceria no mundo quando a renda per capita da China chegasse à marca de US$ 3.000. Segundo o autor desse trabalho, seria preciso uma nova Terra para equilibrar os mercados de bens primários. O que estamos vendo agora, mesmo com a renda média dos chineses muito abaixo dos US$ 3.000, é apenas uma prévia do futuro.
É evidente que investimentos serão feitos para aumentar a oferta das matérias-primas e produtos primários escassos. Mas isso leva tempo e um aumento ainda maior de preços para viabilizar novos projetos. Essa é uma característica clássica de setores cujo aumento de oferta só é viável a partir de projetos de grande escala e, por isso mesmo, com elevadas barreiras de entrada: siderurgia, mineração, petroquímica, celulose, entre outros.
Dou aqui dois exemplos: no caso da Vale do Rio Doce, aos preços atuais do minério de ferro, a rentabilidade de suas minas em produção é de mais de 100% ao ano; já no caso de três grandes minas novas, que estão sendo desenvolvidas por outras empresas, o retorno é de pouco mais de 15%. No caso de novas plataformas de exploração de petróleo no mar, as estimativas são as de entrega para a produção apenas para depois de 2008 e a custos maiores que os atuais.
Com isso, existe uma pressão inflacionária latente que já foi detectada por alguns bancos centrais. Mas o problema que realmente preocupa o analista mais cuidadoso é o mercado de trabalho americano. A continuar o ritmo atual de crescimento na maior economia do mundo, as pressões inflacionárias, pelo lado do chamado custo do trabalho, devem aparecer em meados da segunda metade do próximo ano. Adicionando os estímulos fiscais que devem aparecer, por conta da reconstrução dos estragos que os furacões provocaram na terra do sr Bush, a probabilidade de um Fed mais agressivo aumentou muito.
O crescimento do mundo pode estar batendo no muro da capacidade instalada em segmentos sensíveis da economia e no mercado de trabalho dos EUA. E, para acomodar tal situação, não se conhece um mecanismo de curto prazo que não seja juros mais altos e crescimento menor. Como a economia chinesa é a que menos responde aos sinais do mercado -ainda é comandada pelo planejamento estratégico centralizado-, o peso do ajuste vai ser maior nas economias realmente capitalistas.
Estamos claramente chegando ao fim de um longo e complicado ciclo de crescimento no mundo, e a configuração de um período de crescimento mais baixo deve começar a partir de 2006.

Dirceu entre a inocência e a onipotência MARCELO COELHO


COLUNISTA DA FOLHA

"Peguei em armas pela liberdade de imprensa", disse o deputado José Dirceu num dos raros momentos de vivacidade do seu depoimento ao Conselho de Ética da Câmara, na terça-feira passada.
A frase ilustra as dificuldades do ex-ministro em se mostrar convincente quando toma a palavra. Não é que seja mentira. Só é um tanto dura de engolir. Se ele dissesse que pegou em armas pelo socialismo, pela justiça social, pelo fim da ditadura, não haveria reparos a fazer. Mas pegar em armas pela liberdade de imprensa?
Claro, qualquer pessoa que, nos anos 70 ou 80, lutasse pela redemocratização do país estava automaticamente defendendo o fim da censura a jornais e revistas. Só que isso não significa que a liberdade de imprensa levasse alguém a entrar na luta armada. Muito menos no caso de José Dirceu, a quem não repugna manter relações com Fidel Castro.
De qualquer modo, José Dirceu tem motivos para reclamar da imprensa. Fiquei chocado, por exemplo, ao topar, na coluna de Millôr Fernandes na revista "Veja", com uma foto do ex-ministro num riso escancarado, que revelava suas mais recônditas obturações. A imagem servia para o humorista chamar José Dirceu de "Boca de Ouro" e citar, sem muito propósito, falas do conhecido facínora de Nelson Rodrigues.
Diante do Conselho de Ética, José Dirceu insistia: tem sido vítima de um linchamento moral, e não há prova nenhuma contra ele. "Estou cada vez mais convencido de minha inocência", declarou, numa formulação infeliz, com jeito de ato falho.
Em outra ocasião, ele também já tinha tropeçado em palavras parecidas. Afirmara-se "inocêncio", despertando alguns risos na platéia, ao lembrar involuntariamente um prócer político com quem não tem muitos pontos em comum.
Na mesma linha de deslizes verbais, chamou-me a atenção uma frase de José Dirceu na sua entrevista para Mônica Bergamo, na Folha de domingo passado.
Ele reafirmava que o dinheiro do valerioduto veio de empréstimos de campanha feitos pelo PT e por Marcos Valério no Banco Rural. "O problema", acrescentou, "é que não se quer aceitar essa tese". Uma "tese"? Do seu ponto de vista, não deveria ser uma "tese", uma "versão", uma "teoria", mas sim um fato, uma verdade meridiana e simples...
Atos falhos e impropriedades vocabulares não são, todavia, prova de culpa. A questão é que, embora sem provas, ninguém acredita que José Dirceu seja inocente, e que toda a responsabilidade pelo valerioduto estivesse apenas nas mãos de Delúbio Soares.
A imagem de "manda-chuva" é indissociável de José Dirceu, e ainda hoje a sua argumentação fica talvez debilitada por um excesso de vaidade: se o acusam, se o perseguem, é porque ele, José Dirceu, representa a esquerda, representa o governo Lula etc. Logo após sua demissão, ficou célebre a frase com que José Dirceu se referia "ao meu governo".
Resumindo, é como se José Dirceu dissesse: embora todo-poderoso, não tive poder nenhum sobre o que acontecia. Em tese, é possível que tenha sido assim. Mas, numa psicologia algo perversa, talvez ele até se sinta mal ao afirmar que algo escapara ao seu controle.
Dizer-se inocente equivale a admitir que seu poder não era tão grande assim.
E isso dá um tom fosco, desanimado, às suas declarações. Quanto mais Roberto Jefferson se dizia culpado, mais acreditavam nele. O contrário ocorre com José Dirceu. Ele poderia dar argumentos no sentido de que não era necessário pagar "mensalão", de que as votações dos partidos aliados seguiam outra lógica, de que há contradições e inconsistências nas acusações dos adversários...
Mas José Dirceu se fecha, dizendo o mínimo possível, numa atitude de pura resistência.
Ainda aqui, seu passado de esquerda o condena: em tempos de delação premiada, ele segue o princípio de não entregar seus companheiros.
O resultado é menos heróico do que burocrático. "Tudo foi aprovado pelo partido"; "essa pergunta não sou eu quem tem de responder"; "eu não era deputado quando tais casos ocorreram"... José Dirceu diz que assume responsabilidades políticas, mas não sabemos exatamente quais, nem a respeito do quê.
Ganha assim um significado paradoxal a frase mais forte de sua entrevista à Folha: "eu fui desumanizado, eu não existo mais". Talvez esse processo não tenha começado agora.
A sensação de "inexistência" remete aos tempos de sua clandestinidade. Mas é a própria posição de "apparatchik" do partido, de executivo político capaz de agir sem nenhuma sentimentalidade, pronto a fazer "o que é necessário" no jogo do poder, que o desumaniza aos olhos da opinião pública, e transforma em dura indiferença pessoal o que ele chama (ainda?) de idealismo político.

ELIANE CANTANHÊDE Nova República de Alagoas

FOLHA DE S PAULO
 BRASÍLIA - O Brasil rodou, rodou e voltou à República das Alagoas.
Você pode pensar nos tempos áureos da Proclamação: os dois primeiros presidentes foram alagoanos -Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Se preferir, pode pensar no governo meteórico de Fernando Collor e sua entourage, despachados de volta a Alagoas por um processo de impeachment. Seria uma comparação injusta.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB), é alagoano, como três dos candidatos à presidência da Câmara: João Caldas (PL) e os finalistas, José Thomaz Nonô (PFL), que continua com a vice-presidência, e Aldo Rebelo (PC do B), deputado por São Paulo, que venceu a eleição.
Para completar, a senadora Heloisa Helena ostentou ontem as novas adesões do PT ao seu estreante PSol. Alagoana arretada, ela se prepara para a campanha presidencial de 2006.
Alagoas, portanto, está com tudo e está prosa. Depois, a vida de Aldo Rebelo não vai ficar assim tão fácil. Ele foi ministro da Coordenação Política e se lascou todo. Na sua gestão, só se falava na sua guerra com José Dirceu, então poderoso chefe da Casa Civil, enquanto o governo perdia todas no Congresso. A mais retumbante, aliás, foi para Severino Cavalcanti. Mas isso é coisa do passado.
A partir de agora, passa a farra dos votos, vêm as pressões da oposição, as cobranças dos aliados e dos neoaliados e... os processos de cassação.
Severino, que é Severino, não resistiu à força da cobrança e tocou os processos adiante. Tudo está cada vez mais possível, mas mesmo assim é inimaginável o comunista Aldo trancando as cassações, fazendo corpo mole, garantindo a impunidade.
Vai ficar ruim para a biografia dele e pior ainda para o governo que ele representa e que patrocinou sua candidatura. Bem. Ganhar tem dessas coisas. A campanha tem adrenalina, depois vem a festa da vitória e no final jorram problemas. Lula, aliás, é o melhor exemplo disso.

CLÓVIS ROSSI O país do baixo clero

FOLHA DE S PAULO
 SÃO PAULO - Vistas as coisas com mais vagar, nota-se que o baixo clero espraiou-se muito além daqueles 300 que elegeram Severino Cavalcanti presidente da Câmara.
Aldo Rebelo, o novo presidente, não é baixo clero? Afinal, o perfil dele traçado pela Folha ontem menciona um "colecionador de fracassos". Qual é a opinião relevante que se ouviu de Rebelo em sua longa militância política? Você aí tem a mais remota idéia de que país ele construiria se assumisse a Presidência algum dia?
Seu partido, nas propagandas televisivas que casualmente estão ou estiveram no ar, diz-se "o partido do socialismo". Mas, na hora do vamos ver, a única coisa socializada pelo governo de que faz parte o PC do B é o caixa dois. Nada contra o socialismo, é bom ressalvar, mas tudo contra a incoerência total, a mentira.
A difusão maciça do baixo clero foi até fotografada: os deputados pilhados comemorando a vitória de Rebelo são, quase todos, do baixo clero, inclusive aqueles que a mídia, piedosamente, poupa do rótulo. Exemplo: João Paulo Cunha, antecessor de Rebelo e agora na lista de cassáveis, quando presidente da Câmara contratou uma penca de funcionários para as lideranças, sem concurso, e se orgulhava disso.
Mesmo quando admitia que, se todos os contratados comparecessem no mesmo dia ao local de trabalho, nem caberiam. Não é o típico comportamento de baixo clero?
O governo, de modo geral, é baixo clero, se por essa expressão se entender políticos cuja opinião é inexistente. Afinal, o presidente Lula elegeu-se à base do que ele próprio designaria depois como "bravatas". Eliminadas as "bravatas", sobra o quê? Uma catarata de frases feitas, um festival do lugar-comum e algumas graves escorregadelas, tipo "minha mãe nasceu analfabeta", como se todas as mães (e pais e filhos e filhas) também não nascessem assim.
E assim navegará o país na sua crônica mediocridade e na sua eterna lama.

EDITORIAL DA FOLHA DE S PAULO O ELEITO DE LULAL

Quanto terá custado a eleição de Aldo Rebelo (PC do B-SP) para a presidência da Câmara dos Deputados? "Apenas" R$ 1 bilhão do Orçamento que o Executivo, à véspera do pleito, prometeu gastar? Quantos cargos cedidos a partidos da base governista beneficiários do "valerioduto"? Que tipo de acordo político terá sido feito com quem está interessado na impunidade?
Essas perguntas evidenciam a nódoa que paira sobre a vitória do governismo. Em demonstração de que nada aprendeu com o escândalo que devastou o PT e abalou seu governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pôs em campo estratégia cuja lógica é muito parecida com a que comandou os pagamentos a bancadas no âmbito do "valerioduto".
Foi opção cara e de eficácia arriscada -apenas 15 votos decidiram a disputa a favor de Rebelo. Além disso, denotou uma intromissão abusiva do Poder Executivo nos assuntos do Legislativo.
Já o eleito de Lula, o alagoano Aldo Rebelo, começou mal no posto. Em infeliz manifestação de desconhecimento da atitude exigida de seu cargo, disse que terá coragem "para condenar quem tiver culpa", mas também "coragem e isenção para defender quem não tiver culpa".
Do presidente da Câmara não se espera que condene nem absolva ninguém, mas que, como magistrado, conduza os processos políticos com lisura, garanta o amplo direito a defesa e se exima de manobras procastinatórias. Quem condena ou absolve é o plenário, em votação secreta.
Mas Rebelo não tem a isenção necessária para presidir pelo menos a um processo de cassação por quebra de decoro parlamentar, o do deputado petista José Dirceu. O presidente da Câmara foi testemunha de defesa do ex-ministro. Deveria se considerar impedido de deliberar sobre qualquer aspecto do caso.
De todo modo, sob a chefia de Aldo Rebelo na Câmara aumenta muito a chance de que interesses escusos selem um pacto para a impunidade de parlamentares que participaram do "valerioduto" e dos que foram responsáveis pelo esquema criminoso. É por isso que sua presidência merece vigilância implacável dos que não desejam esse final melancólico.

DORA KRAMER Agora é que são elas

O ESTADO DE S PAULO


dkramer@estadao.com.br


Oposição aumenta sua força e base vai cobrar seus votos com juros e correção Vitória é vitória, resultado dentro da regra e da ordem vigentes não se discute. Mas a votação apertada de Aldo Rebelo, a despeito do jogo para lá de pesado do governo para elegê-lo presidente da Câmara, não desenha o cenário favorável que a euforia da sofrida glória governista parece supor.

O resultado mostra uma oposição forte como nunca se viu no Congresso nestes anos de reconquista democrática. Não há como falar em minoria quando o Senado é política e numericamente dominado pelos partidos oposicionistas que agora assumem o domínio de metade da Câmara, onde até a eleição de Severino Cavalcanti o governo reinava absoluto.

Embora já sem o antigo vigor, continuou dando as cartas depois disso e, não por outro motivo, o Palácio do Planalto fez de tudo para que as CPIs da compra de votos e dos Correios fossem só de deputados e não mistas - da Câmara e do Senado -, como acabou acontecendo.

Essa correlação se alterou e o novo perfil ficou exposto no placar do empate no primeiro turno e na contagem final de mais ou menos 3% de diferença do total dos votos.

Isso no que tange aos números, porque há uma diferença mais ampla no que se refere ao conteúdo de um lado e de outro.

A oposição mostrou firmeza e unidade. A aliança entre PFL e PSDB - com intenção explícita de antecipar movimento eleitoral de 2006 - foi acrescida da adesão da ala oposicionista do PMDB que, depois da rasteira dada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, na candidatura do presidente nacional de seu partido, Michel Temer, perdeu a cerimônia estratégica até então conservada no sal do cinismo e declarou guerra à ala governista.

Essa tríplice aliança no dia-a-dia vai dar trabalho ao governo, que vai ser obrigado a negociar cada passo dentro da Câmara. E, se o cotidiano fosse dificultado apenas pela oposição, nem estaria tão mal.

O problema mesmo será a chamada base aliada, cujo apetite, vimos mais uma vez agora, é amazônico.

E ali, com o pessoal que traz o conceito do dito mensalão arraigado à alma, o negócio não é na base do discurso nem do debate: é no concreto, no toma-lá-dá-cá, no picadinho de todo dia, na pressão permanente e na possibilidade da traição latente ao menor sinal de contrariedade.

Essa gente não vai dar trégua. Cobrará com juros e correção as promessas feitas para eleger Aldo Rebelo.

Ainda mais agora que pôde medir o seu tamanho - graças ao teste propiciado pelas candidaturas de Luiz Antônio Fleury Filho e de Ciro Nogueira - e pesar a sua importância ante um PT enfraquecido (pelo próprio governo) e uma oposição fortalecida.

Bumerangue

Ainda que o novo presidente da Câmara pretenda mesmo pagar promessas de campanha com o abrandamento das penalidades dos mensalistas, o projeto é de difícil execução.

Será estreitamente vigiado pela oposição e denunciado até por presunção de intenções heterodoxas. Se insistir e formar fileiras ao lado dos acusados, Aldo Rebelo contribuirá para dar à oposição as credenciais éticas que ela tanto busca para, no ano que vem, tentar derrotar o PT em seu antigo terreno.

Quando recorre à fisiologia de olho apenas na vitória imediata, o governo ignora a força de um efeito bumerangue e acha que não acontecerá com ele a derrocada de imagem que atingiu outros partidos adeptos da mesma prática quando eram governos.

Pode ser apenas conversa de oposição, mas muita gente boa no PFL e no PMDB se arrepende de ter pensado pequeno quando estava no poder porque hoje paga a conta do descrédito em função da prolongada submissão à lógica do benefício de curto prazo.

Foice no escuro

A briga no PMDB ficou feia de vez. O presidente do Senado, acusado de ter alimentado a candidatura de Temer à presidência da Câmara só para criar uma dificuldade a fim de vender posterior facilidade ao governo, foi recebido ontem por Temer com um lacônico "como vai o senhor" na cerimônia de filiação do ex-ministro do Supremo Maurício Corrêa.

O presidente do PMDB considerou a presença de Renan Calheiros um acinte e anuncia que será pedida a expulsão dele do partido no domingo, durante reunião de pemedebistas promovida pelo governador de Santa Catarina, Luiz Henrique, em Florianópolis.

Novilíngua

Aldo Rebelo não vê problema em presidir os processos de cassações, entre eles o de José Dirceu, tendo sido testemunha de defesa do ex-ministro da Casa Civil e eleito com apoio da esperança explicitada da absolvição dos ameaçados.

Da mesma forma como o PT decidiu oficialmente que nada há de irregular no desvio do dinheiro (público) do Fundo Partidário para pagar passagem de avião às namoradas dos filhos do presidente Lula.

No contexto

É fato: o presidente do Senado almoçou ontem em seu gabinete duas enormes pizzas pedidas pelo telefone.


EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Despudores à parte


"Quero ser leal com você, até porque eu havia lhe falado da inclinação do PL pelo seu nome. O Palácio nos chamou e decidimos ficar com o Aldo. O governo está pressionando demais." Se fosse para escolher um simples segmento de diálogo, capaz de sintetizar o nível da política brasileira nos dias que correm, com a compra despudorada de apoio parlamentar, que faz o Planalto, viabilizada por meio da interferência direta do chefe de Estado e governo na escolha de quem vai comandar a Casa Legislativa, sem dúvida a melhor opção seria a fala que abre este comentário. Trata-se de um telefonema feito ao meio do dia de terça-feira pelo presidente do PL, o ex-deputado (renunciado) Waldemar da Costa Neto, para o presidente do PMDB, deputado Michel Temer, então candidato a presidente da Câmara dos Deputados.

Da mesma forma que chamara o candidato do PTB, Luiz Antonio Fleury Filho, para convencê-lo (certamente com bons argumentos) a manter sua candidatura, para dividir os votos do "baixo clero" que iriam ser canalizados para o candidato do PP (e do Severino) Ciro Nogueira, o Planalto convocara Costa Neto para pedir-lhe apoio direto a Aldo Rebelo, imaginando-se tudo o que possa lhe ter oferecido, em troca. Dessa forma, a costura tentada pelo candidato peemedebista com o PL e o PTB foi prontamente desalinhavada pelo presidente Lula. Se isso não bastasse, cinco ministros foram despachados para o recinto da Câmara horas antes da votação para a escolha de seu presidente. E, depois do empate em primeiro turno (por 182 votos) dos candidatos do governo (Aldo Rebelo, do PC do B) e da oposição (José Thomaz Nono, do PFL), como era de se esperar, o rolo compressor do governo, certamente rolando sobre o eixo de muitas verbas e promessas, acabou resultando em uma vitória final do candidato governamental - embora pela exígua diferença de 15 votos.

Há que se observar, despudores na cooptação à parte (especialmente na captação dos 135 votos "soltos" do baixo clero, mais propícios à adesão fisiológica), que o governo Lula cravou uma importante vitória depois de sucessivas derrotas - especialmente desde o advento da desastrada era severina. Mais importante ainda - e aí não só para o governo, mas para o Legislativo e o País - foi o fato de na disputa final estarem dois parlamentares de nível e estatura ética compatíveis com a responsabilidade de comandar a Câmara. Ambos fizeram bons pronunciamentos, salientando a importância de a Câmara dos Deputados exercer e valorizar sua independência. É verdade que o candidato vitorioso, o comunista Aldo Rebelo - pessoa de idoneidade irreprochável -, deve ter feito um certo esforço moral (quem sabe com o auxílio da crença ideológica segundo a qual "os fins justificam os meios") para superar o constrangimento causado pelo rolo compressor governamental.

Aliás, em termos de constrangimento, outros vitoriosos - como o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner - podem ter disfarçado o choro de pejo com o de alegria. E não precisaria Wagner dizer que o Palácio venceu sem vender a alma porque ninguém suspeitou dessa venda - sabendo tratar-se de compra... De qualquer forma, o que fica é um homem de bem à testa da Câmara dos Deputados, em um momento especialmente importante, no qual essa Casa Legislativa deverá passar por uma indispensável faxina moral. Tenhamos presente, ad cautelam, que os parlamentares que se mostravam mais aliviados - e mesmo eufóricos - com o resultado dessa eleição interna da Câmara eram, justamente, os mensalados, a saber, o grupo de deputados já indicados para cassação, pelos relatórios das CPIs em curso no Congresso. Registremos, também, que o deputado Aldo Rebelo é uma das testemunhas de defesa do deputado José Dirceu - que talvez seja o deputado sobre o qual recai o maior grau de responsabilização pela crise moral que se abateu sobre o governo Lula e seu principal partido.

Que essas cautelas, no entanto, sirvam para enfatizar a necessidade de Aldo Rebelo vir a cumprir a expectativa de independência de atuação, que levou a seus pares e à Nação, ao candidatar-se à presidência da Câmara dos Deputados. Pois a verdadeira expectativa da sociedade brasileira é a de que quando for colocado, para deliberação da Casa, o destino dos mandatos dos mensaláveis, se perceba que estes foram precipitados em seu eufórico alívio, com a vitória do novo presidente.

João Mellão Neto Como é duro ser democrata

O Estado de S Paulo

Ralph Dahrendorf, filósofo alemão contemporâneo, nos conta, num de seus livros, que, ao participar de um bloqueio de estrada, em protesto contra a construção de uma usina nuclear, foi preso e levado ao tribunal. Argumentou perante o juiz que não deveria ser punido, uma vez que sua causa era justa. O magistrado, homem experimentado, que vivera a juventude sob o nazismo, respondeu-lhe: "O senhor é uma pessoa famosa, eu bem sei; os seus motivos podem ser nobres, isso não se discute; mas manifestações com esta são ilegais. Por melhores que sejam o senhor e as suas razões, eu não posso abrir precedentes. O senhor bem sabe aonde nos leva a livre interpretação das leis. E esse é um passado que nenhum de nós dois quer reviver. O senhor será multado em 10 mil marcos."

Dahrendorf reconhece que aprendeu mais sobre democracia com aquele juiz do que em toda uma estante de livros. A lei é igual para todos; não nos cabe interpretá-la, mas sim ao juiz. Este deve fazê-lo à luz do direito, não importam as suas preferências e convicções pessoais. E as suas sentenças só se revestem de legitimidade quando obedecem ao "due process of law". Trata-se de um princípio jurídico fundamental, que nasceu na Magna Carta de 1215 e está insculpido em todas as Constituições democráticas do mundo. Em tradução livre significa "o devido processo legal".

Nós, cidadãos comuns, não versados em Direito e em História, somos tentados a acreditar que, quando os nossos objetivos são nobres, todos os expedientes são válidos para atingi-los. Algo assim como o dito "os fins justificam os meios", atribuído a Maquiavel. Não há nada mais incompatível com o espírito democrático do que isso.

Ao acompanhar o noticiário, sou levado a concluir que o erro fatal do PT foi justamente esse. Os petistas sempre se disseram socialistas democráticos, mas, em essência, eram socialistas, e só. O seu compromisso com a democracia e suas regras era apenas formal. Até porque o socialismo autêntico - um sistema que pretende abolir a propriedade privada - é incompatível com o respeito aos direitos individuais, pedra de toque da democracia, entre os quais se inclui o direito à propriedade. Como é possível expropriar os bens dos indivíduos "de forma democrática"? Mesmo que se conseguisse estabelecer algum compromisso entre o socialismo e a democracia, não haveria mais socialistas, e sim social-democratas, uma expressão que o petista típico abomina...

A brava gente do PT nunca entendeu que a democracia é um regime que privilegia os meios em detrimento dos fins. Nenhum fim é lícito se os meios para obtê-lo não forem lícitos também. O princípio fundamental e primeiro do regime democrático é aquele que reza que "a Justiça só é justa quando alcançada por meios justos".

A um petista afoito, apaixonado pela sua causa, é difícil compreender que a prática democrática não pode prescindir de seus ritos formais e vedações de natureza ética, sob o risco de pôr a perder todo o processo. O princípio do "due process of law", num sentido mais amplo, também se estende à arena política, nas democracias. As regras existem e têm de ser respeitadas, por mais morosos ou difíceis que sejam os procedimentos.

Para o fiel cumprimento desses ritos existem as instituições. Elas são sagradas e abrangentes, abarcando a Constituição, os partidos políticos, a Justiça Eleitoral, os regimentos internos do Legislativo e mais uma ampla gama de regulamentos que não devem e não podem jamais ser violados.

Ao militante petista, mesmerizado com a sua ideologia, não é fácil assimilar o árduo trabalho de convencimento e o longo prazo exigido para que suas metas venham a se tornar reais. Há que compor, negociar, convencer, transigir e conceder. O ótimo, na democracia, é o inimigo do bom. Quem não cede nada não consegue nada.

Para os herdeiros de Guevara, não é simples compreender que no regime democrático não há lugar para o épico ou o heróico. É impossível tão-somente descer a serra e tomar o poder. Nas democracias não há espaço para personalidades determinadas como a do Che. Talvez alguém como ele nem lograsse se eleger deputado. Se o fizesse, logo se perderia nos corredores e comissões do Congresso, com seus discursos inflamados perante um público indiferente. O bravo Ernesto seria apenas mais um Don Quixote, investindo sua fúria cívica contra moinhos de vento.

Para os paladinos da Nova Era, fiéis leitores de um livro só, seria por demais sacrificante aceitar as ambigüidades, ambivalências e imprecisões que são inerentes à vida democrática... Quem tem um único relógio sabe sempre que horas são. Quem tem vários nunca terá certeza...

Os destemidos soldados da utopia petista jamais entenderam que a democracia não é nem pode ser um regime perfeito. Ela é apenas o porto seguro onde se abrigam os povos que se desencantaram das utopias.

Os povos tornam-se democratas não por idealismo, mas sim porque padeceram na carne as agruras que provêm das soluções radicais. A democracia é ruim, mas ainda é melhor do que todos os outros regimes já experimentados pelo homem.

Os petistas, por fim, jamais compreenderam o verdadeiro espírito da democracia. É pena. Naufragaram convictos e vão, para sempre, povoar o inferno dos bem-intencionados. Reza a História que para aqueles que só entendem a metade de um problema o destino implacável é ser devorados pela outra metade...

Roberto Macedo Na USP, uma greve pelas elites

O Estado de S Paulo

Na semana passada, nova greve eclodiu na Universidade de São Paulo (USP). Começou com uma paralisação de funcionários, alcançou professores e chegou também à Universidade Estadual Paulista (Unesp).

O objetivo central dos grevistas é o de ampliar os recursos que o governo do Estado destina às suas três universidades, um grupo que também inclui a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente, esses recursos alcançam 9,57% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e com muita razão o governador Geraldo Alckmin vetou emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pela Assembléia Legislativa, que elevaria esse porcentual para 10%, ampliando também, de 30% para 31% da arrecadação tributária, os recursos destinados à educação em geral, outra mudança também reivindicada pelos grevistas.

O movimento sustenta-se numa motivação aparentemente meritória, a de ampliar os gastos públicos em educação. Entretanto, o mérito só aparece quando, como querem os grevistas, a educação é tomada no seu todo e isoladamente de outras necessidades sociais. O governo estadual já investe em educação parcela importante de seus recursos e vincular fração adicional da receita para essa finalidade significaria reduzir o quinhão de outras áreas igualmente prioritárias, como saúde, segurança e infra-estrutura.

O argumento dos grevistas é ainda mais frágil no que diz respeito a mais verbas para as universidades estaduais. Se elas levassem mais 0,43% da arrecadação estadual de ICMS, seriam particularmente aquinhoadas relativamente aos recursos de que já dispõem. No contexto de uma política social bem fundamentada, contudo, não há como sustentar a prioridade do ensino superior relativamente aos níveis fundamental e médio.

A propósito, no mesmo dia em que eclodiu a greve assisti a um seminário sobre políticas sociais organizado pelo Instituto Fernand Braudel, associado à Fundação Armando Álvares Penteado (Faap). Esse evento teve como convidado especial o professor Peter Lindert, da Universidade da Califórnia (EUA), um historiador econômico reconhecido internacionalmente como especialista em políticas sociais.

Numa de suas intervenções, voltada para a educação e intitulada O Brasil no Espelho Mundial, Lindert apresentou dados que confirmam a visão de pesquisadores brasileiros. Há tempos estes apontam o desequilíbrio entre os gastos públicos do País conforme o nível de ensino, o que configura uma situação que favorece o ensino superior. Lindert comparou essa realidade à de outros países. Nessa linha, os dados mostram que no final da década passada os gastos públicos por estudante do ensino fundamental no Brasil correspondiam a 14% do produto interno bruto (PIB) per capita, enquanto no ensino superior alcançavam 195% desse mesmo PIB. Ou seja, quase 14 vezes o que é gasto por aluno do ensino fundamental. No ensino superior a média dos gastos públicos por aluno de países em desenvolvimento era de 95% de seu PIB per capita e, assim, bem mais baixa que a porcentagem mostrada pelo Brasil.

E mais: tomando as médias da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), um grupo de 30 países em que predominam os mais ricos do mundo, essas porcentagens eram de 19% no ensino fundamental e 44% no superior. Portanto, bem mais equilibradas que as dos países em desenvolvimento, particularmente o nosso.

Lindert mostrou ainda dados internacionais que revelam ser a taxa de retorno social do investimento em ensino fundamental maior que a do ensino médio e esta maior que a do ensino superior. Também assinalou os grandes progressos que o Brasil vem alcançando na ampliação dos dois primeiros níveis de ensino público, mas são avanços que ainda deixam muito a desejar, em particular no seu aspecto qualitativo.

Em seguida, pôs o dedo na ferida ao enfatizar que aqui, como em muitos outros países em desenvolvimento, o desequilíbrio dos gastos públicos por nível de ensino ocorre em larga medida porque as elites exercem forte poder sobre as políticas públicas da área. Como resultado, freqüentemente influenciaram e ainda influenciam a distribuição de recursos públicos segundo seu próprio interesse, o que é particularmente verdadeiro no caso da alta prioridade dada no passado à educação superior pública no Brasil.

Além disso, o fato de os gastos públicos sociais não beneficiarem devidamente os mais pobres é agravado porque o sistema tributário que os financia se assenta principalmente em impostos indiretos, de caráter regressivo em relação à renda, pois os mais pobres gastam em bens e serviços tributados com impostos desse tipo uma proporção maior de seus rendimentos do que as classes de renda mais alta. A educação superior pública paulista é bem ilustrativa dessa distorção, pois é custeada com um imposto indireto, o ICMS, e dela se beneficiam com maior intensidade os estudantes originários dessas classes.

Ainda que essas percepções não constituam novidade para especialistas brasileiros, é importante difundi-las ainda mais e ver nosso país no espelho internacional. Nessa linha, os professores grevistas - que integram as elites nacionais - deveriam mirar-se num espelho que refletisse a injustiça social que configura seu pleito nessa greve.

Já os funcionários deveriam olhar-se num outro, que mostrasse o uso da categoria como massa de manobra nessa greve mal pensada. Em particular, deveriam levar em conta, no passado ou no presente, a sua falta de acesso ao ensino das universidades onde trabalham e a baixa probabilidade de que seus filhos venham a passar por elas, em particular nas faculdades que conduzem às carreiras de maiores rendimentos e prestígio social.

EDITORIAL DE O GLOBO Cidade partida




A descoberta de um prédio de 11 andares construído na Rocinha sem que a prefeitura reprimisse tamanha aberração levou o prefeito Cesar Maia a exercitar a ironia. "É muito melhor ter prédios grandes na Rocinha do que prédios grandes na praia, pois eles produzem sombra." A tirada poderia ser apenas mais um comentário folclórico de Cesar Maia se não passasse para o carioca a assustadora idéia de que a lei não vale para todos, quando se trata de seguir as posturas municipais.

Assim, o conceito de cidade partida passa a ter outra interpretação: de um lado, as favelas e edificações irregulares, tratadas com salvaguardas especiais; delas nada se cobra e é exigido — conta de luz, IPTU, gabaritos, licenças, vistorias etc. — de outro, a cidade legal, onde os serviços públicos são devidamente pagos, em que a burocracia inferniza os construtores, e assim por diante.

Não surpreende que a cidade informal cresça e avance sobre a formal. E como resultado da diferença de pesos e medidas no tratamento dado pela administração pública a uma e outra cidade degrada-se a vida no Rio, afugentam-se investimentos e com isso é estabelecido um círculo vicioso de deterioração da vida do carioca — de favelados e de não favelados — a ser quebrado com urgência.

A favelização no Rio tem causas comuns ao mesmo processo de desordem urbana verificado em outras regiões do país: falta de uma política habitacional ampla para as classes de renda mais baixa, desequilíbrios estruturais que produziram uma intensa corrente de migração interna para o Sul e Sudeste, por exemplo.

O problema no Rio, porém, foi agravado pela questão específica do populismo de alguns governantes. A favela, em vez de ser vista como é, uma anomalia, foi convertida em curral de eleitores.

O importante, agora, é recolocar a questão na agenda da sociedade — e dessa vez sem interditar o termo "remoção", descontaminando-o de um sentido pejorativo que ele não deve ter. Um programa amplo de desfavelização, com os devidos investimentos em transporte de massa, não pode deixar de prever a transferência de favelados para moradias dignas e de fácil e barato acesso. Há inúmeras razões de segurança pública, de saneamento e de qualidade de vida para toda a população que justificam essa iniciativa.

MERVAL PEREIRA O gospel da reeleição

O GLOBO

Não satisfeito com o festival de fisiologismo que comandou nos últimos dias para colocar o candidato oficial Aldo Rebelo na presidência da Câmara, o Palácio do Planalto patrocinou ontem pelo menos duas iniciativas que revelam que tipo de política seus atuais ocupantes estão dispostos a adotar para lá permanecerem por mais quatro anos.

Na primeira reunião de líderes sob nova administração, o líder do governo defendeu prioridade para a votação da proposta de emenda constitucional que prorroga para 31 de dezembro o prazo para mudanças na legislação eleitoral, que termina hoje. Essa manobra confirma as informações que circulavam na Câmara de que o governo havia se comprometido com os partidos da sua base envolvidos no mensalão — PP, PTB e PL — a rever as cláusulas de barreira, que estão em vigor para as próximas eleições.

A aprovação da emenda constitucional fora do prazo é questionável, e já existe outro argumento para permitir a mudança das cláusulas de barreira: seus patrocinadores alegam que elas não fazem parte do processo eleitoral e, portanto, podem ser alteradas a menos de um ano das eleições. Esse argumento, tirado da cartola ontem, é ridículo do ponto de vista legal, e só uma grande armação política, com o apoio do Supremo, poderia fazê-lo vingar.

Mas esse relaxamento das regras, que interessa também ao PCdoB, partido do novo presidente da Câmara, conta com o apoio de dois partidos da oposição: PPS e PV. E tem, desde ontem, um interessado de muita influência no governo: o novo partido criado pela Igreja Universal do Reino de Deus, do famigerado Bispo Macedo. O Partido Municipalista Renovador (PMR) é o novo abrigo do vice-presidente José Alencar, que o preferiu ao PMDB, ao que tudo indica convencido pelo próprio presidente Lula.

Nessa geléia-geral em que se transformou o governo Lula, não apenas os partidos do mensalão voltaram a fazer parte da base aliada, como um novo partido de aluguel foi adicionado a ela. O vice Alencar rompeu com o PL depois que o partido decidiu romper com o governo. Mas esse rompimento durou apenas o prazo suficiente para que as vigorosas convicções oposicionistas do não menos famigerado Valdemar da Costa Neto fossem amaciadas por argumentos muito mais vigorosos.

Como a aprovação de uma emenda parlamentar de Valdemar, que nem parlamentar mais é, pois fugiu da cassação pela porta dos fundos da renúncia. Mas as portas do Palácio do Planalto foram abertas para ele, na véspera da eleição para a presidência da Câmara.

O vice Alencar, com a sabedoria política mineira que imagina ter, fez o que pensa ter sido uma jogada de mestre, convencido pelo presidente a aderir a mais essa aventura partidária do Bispo Macedo, que já havia sido seu parceiro no PL. O PMR é um partido criado pelos evangélicos da Universal para substituir a marca PL, manchada pelo escândalo do mensalão. Em poucos dias conseguiram recolher nas igrejas espalhadas pelo país milhares de assinaturas para constituir um partido político, meta que o PSOL levou quase um ano para atingir pelos métodos tradicionais.

O PMR é o próprio Gospel do Crioulo Doido, como bem definiu o prefeito do Rio, Cesar Maia, em seu blog: além do vice mineiro e dos políticos evangélicos da seita de Rodrigues, como o senador Crivella, terá a adesão do "aventureiro do bem" Mangabeira Unger, do ex-ministro Raphael de Almeida Magalhães, e não será surpresa se o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa desembarcar nessa aventura, saído do PMDB, que pelo visto preferiu as idéias do ex-ministro Delfim Netto às suas.

Para enganar os incautos, pois é disso que entendem seus fundadores evangélicos, o PMR anuncia que terá um programa completamente oposto à política econômica adotada pelo governo Lula. Mais próximo, portanto, das teses defendidas pelo vice-presidente e pela esquerda do PT. Essa decisão de se aproximar dos evangélicos só acentuará a perda de apoio nos grandes centros urbanos e na classe média.

A popularidade de Lula hoje mais do que nunca se ancora no lumpensinato urbano, massa de manobra do populismo evangélico, e nos grotões do interior, onde uma horda de desvalidos é cuidadosamente manipulada por seus programas assistencialistas.

Com todos esses ingredientes misturados aleatoriamente, e mais o promíscuo relacionamento do governo com as centrais sindicais e os movimentos sociais como o MST, temos um governo inorgânico e sem rumo, que a esta altura só procura sobreviver à avalanche de denúncias de corrupção.

A opção pelo empresário José Alencar na eleição de 2002 tinha uma intenção política específica: convencer o eleitorado não-petista de que a candidatura Lula não representava perigo, e era capaz de unir o capital e o trabalho na busca do desenvolvimento. O PL dos líderes evangélicos era apenas uma casualidade, por ser o partido em que Alencar militava. Mesmo assim, como se viu depois, muitos milhões de reais tiveram que rolar pelo caixa dois para que a aliança prosperasse.

Agora, não. A escolha do partido do Bispo Edir Macedo é uma jogada política com outro alcance. É a tentativa explícita de ampliar os tentáculos do governo a uma área popular que atrai muitos votos de cabresto, uma jogada política digna de um Garotinho, que trabalha no mesmo segmento.

Se Alencar continuará na vice ou se a perderá para o senador Renan Calheiros, que se empenha para que o PMDB assuma esse papel, só o tempo dirá. O fato é que se ele fosse para o PMDB, seria impossível não tê-lo como vice em caso de um acordo político com o partido. Lula pode ter armado essa "fria" para José Alencar pensando em descartá-lo a médio prazo, colocando Renan Calheiros em seu lugar. Não terá sido a primeira traição política que a dupla Lula-Renan tramou nos últimos dias.

Luiz Garcia Juiz ladrão!

O GLOBO


As autoridades esportivas reagiram como de costume: declarações enfáticas e poucos sinais concretos de medidas enérgicas para resolver o problema das partidas decididas no apito.


Em suma, tiveram e estão tendo a atitude natural de quem acaba de ser surpreendido por má notícia absolutamente inconcebível e inesperada.

São santos senhores. E surdos. Já no meu tempo de garoto, quando a gente assistia a decisões de campeonatos na Gávea ou nas Laranjeiras, as arquibancadas freqüentemente decretavam, em coro ensurdecedor: "Juiz ladrão!"

Muito bem, às vezes não era. Mas com certeza o torcedor tinha uma margem de acerto digna de respeito. E bem superior à dos cartolas de então e de hoje. Nas mãos destes, acaba de explodir uma bomba que não dá para fingir que é de pólvora seca: apareceu o primeiro juiz de futebol confessadamente ladrão na história do mais alto nível do esporte profissional.

Os homens prenderam demais a bola, talvez — e aqui vai interpretação pessoal, devidamente preconceituosa e desacompanhada, como é natural, de qualquer tipo de prova — porque a cartolagem nacional costuma ter alergia a denúncias e investigações. Quem sabe, devido a um agudo sentido de autopreservação: devassas, já se dizia quando Friedenreich era juvenil, sabe-se onde começam, ignora-se onde vão dar.

Não vai nisso insinuação contra todos ou a maioria dos dirigentes do futebol profissional brasileiro. Mas sim a lembrança de que se trata de esporte dirigido quase exclusivamente por amadores. E isso, diz a experiência internacional, raramente dá certo. Para os clubes, naturalmente — principalmente quando esses amadores negociam com agentes e empresários extremamente profissionais.

O juiz ladrão do momento não foi denunciado por cartolas nem pelos órgãos técnicos que cuidam do setor: quem pôs a boca no alto-falante foi a turma de um sitede apostas. Já há inquérito oficial, contra ele e outros implicados, e as autoridades esportivas parecem sinceramente interessadas em dois objetivos: punir o maior número possível de culpados e repetir o menor número possível de partidas. Fala-se em 11, o que não será pouco nem muito — desde que seja o número exato de jogos virados pelo avesso.

Belas intenções. Mas não se tem notícia ainda de discussão e planejamento de uma organização capaz de garantir previamente honestos apitos — tendo-se como óbvio que o sistema atual é bola murcha.

Talvez só se resolva esse problema quando também a arrecadação das partidas ficar a salvo de, diga-se assim, surpreendentes encolhimentos.

Seja como for, é bom prestar atenção ao coro das arquibancadas. Elas sabem o que gritam.

MIRIAM LEITÃO Políticas do BC

O GLOBO

O relatório de inflação divulgado ontem trouxe uma longa lista de notícias boas: a inflação caiu, o país está crescendo, crescem as importações de bens de capital, a renda do trabalhador está em recuperação, o país vai aumentar as reservas cambiais pelo terceiro ano, mesmo pagando antes ao FMI. Vinda da área política, uma dúvida se dirige para o Banco Central: será que Henrique Meirelles vai se filiar hoje? No governo, a notícia é negada.
A um interlocutor que perguntou a ele ontem se, de fato, está pensando em se filiar a um partido político no prazo que termina hoje, Henrique Meirelles respondeu: "Há baixa probabilidade de eu me filiar a algum partido." Baixa probabilidade é alguma probabilidade. A outro interlocutor, mais para o fim da tarde, Meirelles disse que tinha recebido convites de vários partidos, mas que as possibilidades eram "remotas". Ainda assim, fica a dúvida: possibilidade remota é alguma possibilidade. Hoje é o dia decisivo. Se ele assinar um documento, tem que assinar dois: a ficha partidária e a demissão do Banco Central; não necessariamente nessa ordem. Filiando-se a qualquer partido, está, na prática, revelando ambições políticas para a próxima eleição e, neste caso, tem que deixar o cargo imediatamente. Política e Banco Central são incompatíveis.


No relatório de inflação do terceiro trimestre divulgado ontem, o BC projeta uma inflação abaixo da meta para este ano e para o ano que vem, no cenário de referência, ou seja, se não houvesse qualquer mudança nos juros, nem no câmbio. Portanto, não é que o Banco Central esteja projetando uma inflação abaixo da meta, está apenas dizendo que, se tudo permanecesse constante, ela ficaria abaixo. Mas ficaria bem abaixo da meta no ano que vem. O que é o mesmo que dizer que, sim, os juros vão continuar caindo. E é bom lembrar que os cálculos foram feitos com um dólar a R$ 2,35 e ele está em R$ 2,21.

No cenário que traça usando os juros e o câmbio projetados pelo mercado, a inflação no ano que vem fica na meta durante os três primeiros trimestres e no último fica um pouco acima, em 4,8% (a meta é 4,5%). O problema é que, neste cenário, o Banco Central projeta como inflação de preços administrados 6,7%. Ninguém está prevendo preços administrados tão altos, porque os IGPs estão beirando zero no acumulado do ano. Claro que nem só de IGPs vivem os preços administrados, mas, em grande parte, sim. O IGP-M divulgado ontem foi a quinta deflação seguida. No ano, está em 0,21%. O IPA-M, também no ano, está com uma deflação de quase dois pontos percentuais.

A dúvida no mercado é: tanta desinflação está sendo feita com o sacrifício do nível de atividade? O Banco Central garante que não no relatório, mas são muitos os economistas hoje convencidos de que os juros estão muito mais altos do que deveriam estar e que isso está reduzindo o ritmo de atividade.

— Este é um ponto hoje sem consenso no mercado. Na minha visão, é um meio-termo. O país está crescendo, sim, mas poderia crescer mais. Nossa previsão é de um crescimento de 3,5% este ano e neste mesmo nível no próximo. Mas o mundo está tendo um crescimento fantástico. A gente está fazendo parte de um movimento ou sendo puxado por ele? — diz o economista Luís Fernando Lopes, do Banco Pátria.

Guilherme da Nóbrega, da Itaú Corretora, diz que o relatório veio meio atrasado, porque só confirma o que, de certa forma, já estava posto pelo próprio Banco Central: que haverá novos cortes de juros. Ele acredita que será de 0,5% no próximo mês. O economista discorda da crítica sempre feita de que o BC é conservador. Acha que ele apenas segue o manual.

Há muita divergência a esse respeito. Economistas experientes acham que, na verdade, o BC foi muito além da conta na elevação dos juros.

— Ele parece tentar derrubar a inflação abaixo da meta e, se for isso, é um erro, porque o BC tem que mirar o centro da meta, mas lembrando que ela pode ser mais dois ou menos dois. Não é razoável arriscar ficar abaixo da meta no ano que vem a esse custo. Não podemos nos dar ao luxo deste juro real pelo preço pago em produto, em dívida/PIB e em risco percebido — comenta um economista.

É isto: juros tão altos reduzem o crescimento do PIB; o fato de estar crescendo este ano não é prova de que os juros foram inofensivos. Eles diminuíram o crescimento possível. Juros altos aumentam a relação dívida/PIB porque impactam negativamente os dois lados dessa relação, e isso tudo aumenta o risco percebido pelo investidor. Bancos Centrais perseguem a meta, mas não perseguem o objetivo de levar a inflação abaixo da meta. Pode acontecer, mas não pode ser o objetivo.

No texto do relatório de inflação, o BC defende como acertada a sua política. Logo no início, diz que "contrariando algumas análises prevalecentes, que antecipavam perda de dinamismo". De fato, o PIB do primeiro trimestre foi ruim, mas, no segundo, teve recuperação. O relatório contou uma boa história: o Banco Central inverteu a curva da inflação e levou-a para a meta. Mas parece claro, em alguns dados como o câmbio, que os juros já deveriam ter caído mais fortemente e há mais tempo.


quinta-feira, setembro 29, 2005

Raça, segundo são João Jorge Bornhausen

 Folha de São Paulo

A pergunta veio anônima, do auditório - claramente, de alguém que precisava de um sinal de esperança.

"O senhor não está desencantado com tudo isso que acontece no Brasil?"

"Desencantado? Pelo contrário. Estou é encantado, porque estaremos livres dessa raça pelos próximos 30 anos."

Surpreendi-me eu mesmo por ter respondido de bate-pronto. Quem me acompanha sabe que não costumo reagir precipitadamente a provocações. Mas fiquei satisfeito por ter dado aquela resposta, embora reconheça possível exagero. Trinta anos foi pura explosão de otimismo. Eu sei que a democracia adota limites humanos, e o humano abrevia as penas, esquece, compreende as contingências das quedas, oferece novas chances.

Além do mais, o petismo é representativo de parcela respeitável da sociedade. Livre dos fariseus, a camarilha que o arrastou ao atoleiro, bem que pode se recuperar mais cedo. Desde que não insistam em destilar o veneno com que abriram o caminho ao poder, insultando, difamando, fingindo a indignação moralista que jamais tiveram.

Minha profecia otimista de que ficaríamos por 30 anos livres desses malfeitores da política teve espantosa repercussão. Foi a "frase do dia" nos jornais, na rádio e na TV. Mas as reclamações não vieram por causa da previsão da quarentena, de que já estava disposto a me penitenciar.

Embora a carapuça que joguei lhes fosse rigorosamente ajustada, os tais indesejáveis que nos envergonham pelos atos que as CPIs estão devassando escolheram outra forma de reclamação. Passando por vítimas, acusam-me de reacionarismo explícito, de ter profetizado um castigo de 30 anos não para eles, mas para as esquerdas em geral.

Grandes malandros, querem se confundir com o pensamento socialista brasileiro!

Ora, os setores de maior representatividade da esquerda brasileira já estão na oposição. Desenganaram-se a tempo, antes que fossem conspurcados pela lambança. Ou aparece alguém para negar representatividade ao PDT, de Brizola? Sou testemunha pessoal, porque ouvi dele próprio o seu desencanto. Ou também o PPS, liderado pelo deputado Roberto Freire, não representa a esquerda? Ou há dúvida sobre a autenticidade do emblemático deputado Gabeira? Ou os petistas ideológicos expulsos do partido por cobrarem coerência e honestidade, insurgindo-se contra o grupo, camarilha ou raça -o sinônimo que escolhi- não são esquerda?

Se não atingi toda essa gente, como teria visado as esquerdas quando me referi à camarilha petista?

Neste momento, neste pais, são conhecidos e notórios os políticos inescrupulosos a quem visei. Os políticos inescrupulosos de quem se fala, todo mundo os identifica pelo nome, profissão, endereços, fortunas recebidas, CPF, RG e até cacoetes.

Quanto a ter usado a palavra "raça" - não como designação preconceituosa de etnia, ideologia, religião, caracteres, mas como camarilha, quadrilha, grupo localizado -, tão logo alguns falsos intelectuais surgiram, incriminando-me, apareceram preciosos testemunhos a meu favor.

Confesso que falei "dessa raça" espontaneamente, sem premeditação, usando meu modesto universo vocabular, a linguagem coloquial brasileira com que me expresso, embora meus adversários tentem me isolar numa aristocracia fantasiosa. Aliás, pelo menos em matéria de falar "o português do Brasil", "a língua errada do povo, a língua certa do povo" -como o poeta Manuel Bandeira sabia das coisas!- , peço licença pela imodéstia, mas usei a palavra "raça" na melhor acepção.

Mas gostei das abonações que meus amigos trouxeram. Sempre me encantou, como constante consulente de dicionários, pois a etimologia e a gramática não são o meu forte, a forma como o Aurélio exemplifica o significado das palavras, acompanhando-as com textos de escritores que as empregaram.

Pois eis-me cercado de abonações. Primeiro, o sábio Antenor Nascentes, no seu delicioso "Tesouro da fraseologia brasileira", que teve uma reedição nos anos 1980, pela editora Nova Fronteira. Segundo Antenor Nascentes, a prosa popular brasileira emprega a palavra raça no sentido como a usei, no sentido de "gente perversa".

O melhor, porém, é a origem histórica desse uso da palavra. Outro amigo veio me abrir o Novo Testamento, no Evangelho de Mateus, capítulo 3º, versículos de três a dez. É um registro de são João Batista chamando de "raça de víboras" aos "fariseus e saduceus", que, desconfio, deviam ser a camarilha corrupta da época, oportunistas e que pretendiam ser melhores que os outros. Raça de víboras. E bote víboras nisso.

Cora Rónai Purgatório da beleza e do caos

o globo

Durante as curtas férias que tirei com a Bia, consegui, pela primeira vez em muitos anos, me desligar completamente do mundo. Não vi televisão, não surfei pela internet e, por causa das línguas em que estávamos mergulhadas, mal e mal lia as manchetes dos jornais.

Tudo o que me interessava era o boletim meteorológico e o próximo passo que daríamos: para onde iríamos, como, em que condições? A grana seria suficiente? Mesmo quando viajo sem destino traçado, costumo fazer melhor o dever de casa do que fiz desta vez; mas fomos tão felizes que até os poucos contratempos que enfrentamos foram divertidos, como o achaque na Eslováquia e um hotel pavoroso em Praga, onde tomávamos café cercadas de armaduras, no aconchegante ambiente de uma prisão medieval.

***



O Brasil ficou muito longe, mesmo na primeira etapa da viagem, quando eu ainda estava trabalhando, mergulhada em telas de plasma e eletrodomésticos wi-fi. Às vezes recebia uma notícia ou outra através da área de comentários do blog ou de telefonemas para casa, mas consegui a proeza de passar duas semanas sem saber o que estava acontecendo fora das minhas redondezas geográficas. Era como se estivesse numa espécie de bolha inatingível, à prova de CPIs, mensalões, políticos corruptos, tragédias mundiais.

A bolha mágica foi estourada quase no fim da viagem, com a notícia da morte do Cesar, porteiro noturno de quem gostávamos muito. A tristeza nos trouxe a consciência do contraste, e nos jogou na cara, como um soco, a realidade que vivemos nesta terra de ninguém em que se transformou o Rio de Janeiro.

***



Muitas vezes, ao longo dos anos, assistindo a cenas de guerra pela televisão, me espantava com pessoas que insistiam em continuar vivendo no inferno. Não aquelas pobres pessoas destituídas, claro, que nascem e morrem sem qualquer poder de escolha; mas as de algumas posses, que em tese poderiam vender casa e carro, por exemplo, e recomeçar a vida em canto mais sossegado.

Enquanto eu me perguntava como alguém podia continuar a viver em Beirute ou em Jerusalém, minha própria cidade ia se encarregando da resposta. Salvo em guerras declaradas, o cerco da violência é sutil, gradual. Um dia é um assalto aqui, no outro uma morte ali. Mal reparamos quando começamos a evitar as linhas de ônibus mais perigosas, quando deixamos de sair a pé à noite, quando a uma da manhã já mal se vê gente em pontos onde, antigamente, esta era a hora em que a festa começava. O som dos tiroteios vai se integrando à cacofonia urbana, e passamos a achar normal o barulho dos fuzis e metralhadoras que vem dos morros.

Como é que alguém pode viver numa cidade odiada pelo presidente, abandonada pelos governadores e esquecida pelo prefeito? Como é que alguém pode viver numa cidade onde não existe mais segurança alguma, ou vestígios de qualquer coisa semelhante à ordem? Como é que se pode viver numa cidade tomada pela bandidagem e pelas ervas daninhas, suja e esburacada, cheia de mendigos, assaltantes e menores de rua que metem medo até na polícia? Como é que se pode viver numa cidade onde a polícia federal — a polícia federal! — é roubada diante de todos?!

Por que não vamos embora deste inferno para um lugar decente, onde se pode viver em paz, andar pelas ruas a qualquer hora do dia ou da noite e usar transporte coletivo sem risco de vida? Por que nos sujeitamos, de livre e espontânea vontade, ao descaso e ao cinismo das autoridades, à angústia, à violência?

***



Passei duas semanas na Europa vivendo como, em tese, deveriam viver todas as pessoas do planeta, andando pelas ruas sem medo ou desconfiança. Pude usar minhas câmeras e celulares, andei em bicicletas maravilhosas que jamais sonharia ter aqui, saí com meu relógio de estimação sem receio de que o levassem na primeira esquina.

Vivi duas semanas feito gente e, confesso, achei muito bom.

O problema é que não vivi na minha língua, não vivi na minha cultura, não vivi na minha querência. Ser turista é ótimo, mas ser estrangeiro não é.

***



O Rio nunca esteve tão mal, tão triste e tão desamparado; nunca estivemos tão por baixo, tão submissos e acabrunhados. Mas a geografia desta cidade está indelevelmente gravada no meu DNA, e a conversa das ruas é a trilha sonora da minha vida. Para não falar na familiaridade com a beleza, este raro privilégio que temos nós, cariocas, pelo simples fato de vivermos aqui.

Há gente que vem de todos os lugares para ver, por alto, o que nós conhecemos a fundo, o que é nosso e o que vemos e veremos todos os dias — até que um pivete nos mate por uma bobagem, a polícia nos acerte por engano ou uma bala perdida nos encontre, só assim.

Hoje eu entendo quem morava em Beirute, quem vive em Jerusalém, quem insiste em não sair de Bagdá.

Fundos e mundos elegem Aldo

O GLOBO

Ilimar Franco, Maria Lima e Isabel Braga
BRASÍLIA

Decidido a eleger Aldo Rebelo (PCdoB-SP) presidente da Câmara a qualquer preço, o governo Luiz Inácio Lula da Silva recorreu a práticas como prometer liberar verbas, distribuir cargos, ceder a projetos do baixo clero e dos evangélicos, além de negociar abertamente com os principais partidos envolvidos no escândalo do mensalão, como o PP do ex-deputado Severino Cavalcanti, o PTB do ex-deputado Roberto Jefferson e o PL do também ex-deputado Valdemar Costa Neto. Com uma votação apertada tanto no primeiro quanto no segundo turnos, o Planalto conseguiu eleger Aldo com uma diferença de apenas 15 votos. Para isso, liberou até emenda apresentada por Valdemar, que, assim como Severino, renunciou ao mandato para fugir da cassação por suspeita de corrupção.

Aldo teve 258 votos contra 243 do candidato da oposição, José Thomaz Nonô (PFL-AL). Com a vitória do candidato oficial, o governo Lula dá um passo importante para tentar conter a crise política que começou justamente com a derrota do PT nas eleições para a presidência da Câmara em 15 de fevereiro e se agravou com o escândalo do mensalão. Severino, eleito há sete meses, renunciou semana passada sob suspeita de receber propina.

O dia foi de muita tensão. Nonô surpreendeu no primeiro turno, quando teve o mesmo número de votos de Aldo, 182. No segundo turno, votaram 509 deputados, sendo seis votos em branco e dois nulos. Quando foi proclamado o resultado, Aldo, até então muito tenso, sentado no meio do plenário, foi carregado pelos governistas.

Valeu tudo na busca pelos votos

Desta vez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não cruzou os braços e se envolveu diretamente na disputa. Ao contrário do que ocorreu em fevereiro, Lula impôs ao PT um candidato e determinou aos ministros que entrassem no corpo-a-corpo para obter os votos. Autorizou a abertura dos cofres para agradar aos aliados e não escondeu os acordos com os líderes do mensalão, tendo inclusive recebido Valdemar Costa Neto no Planalto.

Depois de sete meses com o governo na defensiva, a vitória de Aldo aponta para a reconstrução da base política de Lula. Com o apoio da maioria do PL já no primeiro turno, a vitória no segundo se deveu à ajuda da maioria dos deputados do PP e do PTB.

Nonô teve uma votação acima de sua própria expectativa no primeiro turno, numa demonstração de força dos partidos que fazem oposição ao Planalto. Isso ocorreu porque o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), ao renunciar à sua candidatura, levou cerca de 45 votos para Nonô. A desistência do deputado Francisco Dornelles (PP-RJ) também garantiu ao candidato da oposição mais dez votos.

— Nós temos muito mais votos no PP e no PTB que a oposição. A desistência de Temer é que levou a disputa para este empate — dizia o líder do PT, Henrique Fontana (RS), antes do resultado final.

Os governistas já tinham acertado com os principais dirigentes do PTB e do PP o apoio à candidatura de Aldo no segundo turno. Por isso, não pressionaram para que os candidatos Ciro Nogueira (PP-PI), que teve 76 votos, e Luiz Antonio Fleury (PTB-SP), com 41, abrissem mão de suas candidaturas.

Durante uma hora e meia, entre o primeiro e o segundo turnos, Aldo e seus aliados foram atrás dos votos que faltaram. Ele foi ao gabinete de Ciro Nogueira e depois ao do líder do PP, José Janene (PR), também envolvido no escândalo do mensalão. Para reforçar o apelo do governo, o ministro das Cidades, Márcio Fortes, indicação de Severino, participou da reunião. O próprio Severino ligou para correligionários recomendando o voto no candidato do Planalto.

— O Severino me telefonou pedindo para votar no Aldo — contou Benedito Dias (PP-AP).

Após a saída de Aldo e a garantia que receberam do ministro das Relações Institucionais , Jaques Wagner, de que o partido terá liberdade para nomear o segundo escalão do Ministério das Cidades, o PP fechou com o candidato do governo. No PTB coube ao ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, comandar o alinhamento com a candidatura de Aldo. O ministro instalou-se na sala do líder José Múcio (PTB-PE) e participou de uma reunião em que estavam 40 dos 47 deputados da bancada e estes decidiram por 34 votos e seis que dariam apoio ao candidato do governo.

Até projeto sobre aborto é negociado

Antes do início da votação do segundo turno, Aldo conversou por telefone com Severino e participou de uma reunião com cerca de 20 deputados evangélicos, quando disse que lutará para que a execução do Orçamento da União, no que se refere às emendas parlamentares, seja obrigatório pelo Executivo. E o ministro Jaques Wagner assumiu o compromisso de que o governo Lula não porá em votação projeto que descriminaliza o aborto.

Em entrevista após a eleição, Aldo disse que seu primeiro esforço juntamente com os líderes, hoje, será analisar a possibilidade de aprovar até amanhã projetos de mudanças na legislação eleitoral. Mas admitiu que será muito difícil. Ele negou ter participado de qualquer tipo de acordo com os partidos pequenos envolvendo mudanças no percentual da cláusula de barreira. O índice atual exigido dos partidos é o mínimo de 5% dos votos nacionais, mas os pequenos partidos querem a redução para 2%.

— Como eu poderia ter feito acordo? Os partidos pequenos votaram em candidatos diferentes. Ou eu sou ruim de acordo — disse.

Sobre outra reivindicação polêmica dos seus novos liderados — a equiparação dos subsídios dos deputados aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal — disse:

— Eu pessoalmente não sou favorável, mas sei que existem aspirações por essa equiparação. Tem que ser uma decisão coletiva e não apenas do presidente da Câmara. Mas este não é um tema que me pareça prioritário.

Aldo disse que a liberação de verbas de emendas parlamentares é algo corriqueiro e que não se deve fazer uma relação entre essas liberações e votações ou acontecimentos na Câmara.

EDITORIAL DE O GLOBO Desafios




A escolha do novo presidente da Câmara encerra uma fase conturbada, em que por sete meses, por incompetência de uns e esperteza oportunista de outros, o tom dos trabalhos na Mesa da Casa foi dado pelo baixo clero. Poucas vezes ficaram tão expostos a fisiologia e o nepotismo de parte da classe política brasileira do que na felizmente curta gestão de Severino Cavalcanti, obrigado a renunciar na vergonhosa e clássica manobra de políticos em batida de retirada para livrar-se da cassação inevitável. Sob José Thomaz Nonô ou Aldo Rebelo a Câmara estaria em mãos melhores do que nesse passado recente. Mas se é fato que se encerra um capítulo dos menos abonadores na história do Congresso, também é verdade que o novo presidente Aldo Rebelo assume para cumprir uma espécie de mandato-tampão cercado de desafios.

Um deles é contornar o efeito negativo do rolo compressor posto em marcha nos últimos dias pelo Palácio do Planalto a favor da sua candidatura. Nessa empreitada, o governo foi pródigo em exercitar deploráveis práticas fisiológicas, em que o dinheiro do contribuinte terminou usado com o objetivo de comprar votos onde se sabe que ele é vendido sem pudor. O Planalto ganhou a disputa com a oposição, mas reforçou a veracidade das evidências das ações pouco ortodoxas executadas na montagem da base parlamentar na fase do mensalão e do valerioduto.

O novo presidente terá de apaziguar a Casa e estabelecer a ordem para que a tramitação dos trabalhos nas CPIs e dos processos de cassação não impeça o cumprimento da pauta de votações em plenário. Rebelo tem ainda um desafio adicional, particular. O político do PCdoB constrói uma carreira respeitável, com fácil trânsito no Congresso. Disciplinado, essa virtude de Rebelo ficou evidente ao aceitar ser testemunha de defesa de José Dirceu, no processo de cassação do ex-ministro, embora tenha sido sabotado pelo colega de ministério quando tentou coordenar a base política do governo. Mas por ter defendido Dirceu, o novo presidente da Casa atrai naturais suspeições. Mais motivo ainda tem o deputado para exercer uma presidência isenta, principalmente nos tempos que se aproximam de definição das novas cassações. Mesmo que quem moveu a máquina pública para elegê-lo pense diferente.

A Derrota Política do Governo!

Nota Sobre a Eleição do Presidente da Câmara

bloG CESAR MAIA

Ou o Último Baile do Titanic!


A eleição de Aldo Rebelo para presidente da Câmara por uma diferença de insignificantes 3% dos votos, significa a completa inviabilização do processo legislativo. A conta politica que regerá a Câmara nos próximos meses, traduz uma derrota, grave, do governo, que vê sua bancada de apoio, para fins legislativos, diminuir para perto de 150 votos, contra os 320 que tinha antes da crise.

Esta conta se faz, com os votos que obteve no primeiro turno, diminuidos os votos que Aldo obteve da esquerda do PT + PSOL, que não votariam em deputado do PFL. Mas esta esquerda do PT+PSOL está na oposição política ao governo. O acréscimo de votos que o governo obteve no segundo turno, se deve a troca de favores. Isso significa que sempre que o governo precisar destes votos terá que fazer uma nova troca de favores. Ou seja estes votos não são seus: disputa-se a cada votação.

Do outro lado, a promessa feita pelo governo de quebrar a clásula de barreira, passando-a para 2%, mesmo que obtenha apoio na Câmara de Deputados, está inviabilizada no Senado, onde PMDB, PT, PFL e PSDB, constituem uma amplíssima maioria e votarão contra. Lembre-se que uma emenda constitucional requer 60% dos votos para ser aprovada. Quando o PP, PL e PTB descobrirem que o compromisso na Câmara não se aplica ao Senado, a base do Governo minguará ainda mais.

Por outro lado a oposição que, até antes da crise - portanto há 4 meses atrás - corria atrás deseus minguados 130 votos, vê, com a crise, um crescimento explosivo passando para explícitos 243 votos! Repetindo nota anterior: paradoxalmente a vitória é a derrota. A festa de hoje a noite é o baile no salão principal do Titanic, enquanto este se dirigia para o choque fatal com o iceberg.

MERVAL PEREIRA Vitória do baixo clero

O GLOBO

Mesmo o governo tendo conseguido impor a candidatura de Aldo Rebelo no segundo turno para presidir a Câmara, terá sido uma derrota política tanto fisiologismo explícito para ficar nas mãos do baixo clero e vencer por diferença tão pequena. A tática de PTB e PP de manter seus candidatos mesmo sem condições de vitória, apenas para ganhar cacife político diante do governo, deu certo.

Donos de mais de cem votos, os dois partidos foram assediados por vários ministros no intervalo entre o primeiro e o segundo turno, e negociaram bem seus apoios. Há indicações de que entraram na negociação uma "boa vontade" com os processos dos deputados envolvidos nas denúncias de corrupção.

O fato de Aldo Rebelo ter sido testemunha de defesa do ex-ministro José Dirceu era apontado como exemplo de que ele não teria distanciamento necessário para presidir os processos de cassação. De nada adianta o deputado Aldo Rebelo ser um político respeitável, se aceita ser eleito com a adoção de métodos "não republicanos". Ele terá uma tarefa adicional na presidência da Câmara: não deixar dúvidas sobre o rigor dos procedimentos nos processos de cassação dos deputados acusados de corrupção no escândalo do mensalão.

Mesmo não confirmado oficialmente o oferecimento do Ministério da Educação para o PP em troca dos pouco mais de 70 votos que o deputado Ciro Nogueira recebeu no primeiro turno, ou para o PL, que apoiou Aldo Rebelo logo no primeiro turno, só o fato de que os partidos tenham tido espaço para reivindicá-lo é uma prova do quanto o governo leva em conta o projeto educacional do país, que já foi das principais bandeiras do PT. Os percalços dos ministros da Educação até hoje mostram quais são as prioridades do governo.

Estamos assistindo à desconstrução de um partido que nasceu para fazer política de maneira diferente da tradicional e, chegando ao poder com o auxílio de métodos escusos, entregou-se ao mais abjeto fisiologismo, levando ao paroxismo os mesmos costumes políticos que condenava e pretendia reformar.

O recém-criado PSOL, nascido de uma dissidência do PT, parece trilhar o mesmo caminho de radicalização que dominou o PT no seu início: decidiram não votar, por considerarem que a eleição estava maculada pela intervenção do Palácio do Planalto. O mesmo erro que o PT fez, por exemplo, ao não participar do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves presidente.

Mas, mais grave que isso, assistimos nos últimos tempos à desconstituição da democracia brasileira, na medida em que o Executivo, para impor suas vontades ao Legislativo, usa a corrupção e a troca de favores para transformar esse poder em mero caudatário de suas decisões.

Desconstituir é tirar poderes outorgados, é o desfazimento da construção jurídica, ensina o dicionário político. É isso que o governo vem fazendo sistematicamente, a partir do momento em que decidiu formar sua maioria parlamentar através do mensalão, comprando literalmente apoios, em vez de negociá-los politicamente.

Mesmo depois de todas as denúncias, de todas as confissões já feitas, de todo o ambiente de infâmia implantado no Legislativo, o governo não se pejou de adotar os mesmos mecanismos na negociação para a presidência da Câmara.

Negociar a redução das cláusulas de barreira com os pequenos partidos, na maior parte envolvidos nas negociatas do mensalão e na distribuição de cargos federais, é trocar votos pela desorganização partidária, que favorece o exercício do poder sem fiscalização.

Com a adoção das cláusulas de barreira nas próximas eleições, vários desses partidos que venderam seus votos em troca de dinheiro não terão atuação parlamentar, e com isso perderão espaços de negociações.

A eleição para a presidência da Câmara mostrou que o governo já não pode contar com sua base parlamentar, hoje mais virtual do que real. A cada votação importante, a cada decisão que necessitar do apoio da Câmara, o governo terá que negociar separadamente com cada grupo, com cada facção de partidos que não têm nenhum tipo de compromisso com programas, e nem posições definitivas sobre nada.

A situação do PL é exemplar: formou a chapa com Lula na eleição de 2002 depois de uma tenebrosa transação que resultou em R$ 10 milhões pagos com dinheiro do caixa dois. Depois de toda crise política desencadeada pelas denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson, o partido decidiu com alarido ir para a oposição, comandado pelo seu presidente, Valdemar Costa Neto, que teve que renunciar para não perder o mandato pela cassação em plenário.

O vice-presidente José Alencar saiu do partido para poder continuar fiel ao governo do presidente Lula, e agora se vê na situação de ter o Ministério da Defesa, do qual é titular, exigido de volta pelo seu ex- partido, que voltou à base do governo às custas de verbas e outros favores. O fisiologismo teve tanto poder na campanha da Câmara que ministros negociaram apoios em reuniões de bancadas sem nenhum embaraço.

E até mesmo os candidatos finalistas usaram em seus discursos, embora de maneira indireta e com elegância, os apelos que fizeram de Severino Cavalcanti o preferido da maioria da casa: acenaram com viagens internacionais, falaram em aprovação de emendas, criticaram os que chamam os deputados menos visíveis de baixo clero.


MIRIAM LEITÃO Sem medidas

O GLOBO

Desde a semana passada, o mercado especula sobre a possibilidade de o Brasil ser promovido pelas agências de risco. Ontem, a Moody's falou claramente que o país pode ser elevado no ranking. E se for? Continuará sendo classificado como investimento arriscado e muito longe do nível que interessa — no qual estão México e Chile — que é o de um país "investment grade", ou melhor, um bom investimento.
Para a Moody's, o Brasil é B1. Isso significa que só na quarta mudança, depois de subir os degraus Ba3; Ba2, Ba1 e, finalmente, chegar ao Baa3, ele alcança o nível considerado bom investimento.


Chegar lá significa reduzir o custo de todas as empresas e do setor público brasileiros em suas captações no exterior.

O fato concreto é que os indicadores brasileiros melhoraram fortemente e, pela cartilha das agências, o Brasil já tinha que ter sido promovido. Mas continua tendo uma classificação pior que a do Peru e a da Colômbia.

Para a Moody's, a crise política tem atrapalhado. Mesma conclusão a que chegou o World Economic Forum, que jogou o Brasil a oito degraus abaixo na classificação de competitividade por causa da crise política. Esses rankings de competitividade são sempre bem discutíveis, com uma enorme dose de arbitrariedade de quem faz.

A Fitch, na terça-feira, disse que é a crise política o impedimento, mas não explicou muito bem o que isso produz na economia. O Brasil é um país há sete anos com superávit primário e metas cumpridas, com superávit em transações correntes há três anos, com um saldo de US$ 40 bilhões na balança comercial, no qual a dívida externa está caindo e que está pagando antecipadamente ao FMI, encerrando um longo período de monitoramento externo da economia.

Agências de risco olham esses dados objetivos. Mas, como os dados brasileiros estão muito melhores que o nível em que o Brasil está estacionado, os analistas estão usando argumentos subjetivos agora. É a tal coisa: ou eles mudam a metodologia de avaliação, ou promovem o Brasil.

Um argumento muito usado é que a divida brasileira é grande e a carga tributária é alta. São mesmo, mas o México disfarça ambas. O governo mexicano se financia pegando a parte do leão das receitas (não é do lucro, é das receitas mesmo) da Pemex. Assim é fácil reduzir a carga e a dívida. É o mesmo método usado pela Venezuela. A Codelco na China financia os gastos militares.

A Fitch fez uma lista dos riscos que poderiam afetar o Brasil: os preços das commodities estão altos, principalmente os de petróleo; há riscos de a China reduzir o crescimento; o Brasil enfrentará um ano de volatilidade eleitoral; os juros estão altos demais, reduzindo o crescimento e o país tem investido pouco em infra-estrutura.

Nessa salada feita pela agência, há problemas que se anulam. Se a China crescer menos, o petróleo cai, evidentemente. Mas, se a China parar de crescer, isso afeta não apenas os emergentes, mas a economia mundial. Afeta principalmente a China mesmo. Com a pressão demográfica que têm, com a multidão de pobres que têm, se eles crescerem menos será um grande problema. Na última vez que o crescimento caiu, entre 89 e 90, houve a explosão de manifestações que acabou no massacre da Praça da Paz Celestial.

O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, que está nos Estados Unidos, entre outras razões para mostrar às agências classificadoras a melhora nos números da economia brasileira, contesta todos os argumentos. Todos? Não; menos um. Nada quis falar sobre o fato de a taxa de juros ser muito alta no Brasil. Sobre o preço do petróleo, Levy disse que isso não afeta diretamente as contas brasileiras, porque o país é praticamente auto-suficiente:

— Além disso, o aumento do preço da energia cria novas oportunidades para o álcool e bioderivados, que ficam muito competitivos com o petróleo a US$ 60 o barril.

Levy não acha que a China vá parar de crescer, porque os últimos dados são de que o crescimento aumentou. Também disse que a eleição do ano que vem no Brasil não preocupa a maioria dos analistas:

— Os melhores analistas financeiros do país, alguns pouco afeitos à ribalta e com experiência em governo, e em dirigir grandes fundos, têm dito que os riscos de reversão na política econômica são muito pequenos — afirma.

Dos seus argumentos, o mais difícil de aceitar é o de que o Brasil está investindo este ano em infra-estrutura muito mais do que em anos anteriores:

— Estão sendo investidos R$ 7 bilhões nos transportes — garante.

Bom, então não se vê a olho nu nas estradas e portos do nosso Brasil sinal desta onda de investimento.

Há questões subjetivas e, sobre elas, pode-se discutir, mas o córner em que as agências de classificação de risco estão é que, objetivamente, o Brasil melhorou muito e tudo o que aconteceu, por parte delas, foi a melhora de um sinal aqui e ali: de negativo para neutro ou para positivo. Assim, o país continua no mesmo nível de risco de quando tinha indicadores bem piores.

DAS ARÁBIAS: o governo Lula completou, nas últimas horas, mil e uma noites no poder.

EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO Atrasado e suspeito


Por mais que a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, se esforce em convencer a sociedade de que, desta vez, o governo Lula tem um plano de obras para a área de infra-estrutura, é difícil não interpretar esse plano como mais uma tentativa de vender uma ilusão, de natureza meramente eleitoreira.

O plano, conforme declarou a ministra ao jornal Valor, contém obras que deverão ser inauguradas ou estar em avançado estágio de execução até o fim do mandato do presidente Lula, em dezembro de 2006. É possível que uma ou outra dessas obras registre algum avanço até lá, mas as mais importantes delas, se tiverem saído do papel, quando muito estarão ainda nos prolegômenos.

Há um problema de tempo e de falta de estudos sérios. Como imaginar que um projeto polêmico como o da transposição das águas do Rio São Francisco, uma das prioridades do plano da ministra, supere os problemas decorrentes de suas dimensões, custos e dificuldades técnicas e ambientais tão rapidamente a ponto de estar em avançado estágio de execução daqui a 15 meses? Felizmente, isso não será possível.

A mesma pergunta se faz no caso da Ferrovia Transnordestina, outra obra da lista. É um projeto do início da década passada, e que estava emperrado. Estava à espera de alguém disposto a retomá-lo. E o governo Lula o fez. O início das obras deve ser anunciado pelo presidente no início de outubro. Será um ato de indiscutível efeito político, visto que a ferrovia se estende de Pernambuco ao Ceará. O projeto prevê a recuperação e a reconstrução de 1.932 quilômetros de linhas, além da construção de mais 532 quilômetros. Entre o anúncio da obra e um avanço para que se torne visível, porém, há uma enorme distância impossível de ser percorrida em pouco mais de um ano. Da mesma forma é impossível que a sempre prometida pavimentação da BR 162, entre Cuiabá e Santarém, que até agora não avançou um centímetro, esteja prestes a ser entregue até o fim do ano que vem.

Outro problema que lança sérias dúvidas sobre a consistência do programa é a competência técnica do governo Lula para executá-lo. O governo gastou três anos para diagnosticar os problemas de infra-estrutura e de logística do País e propor soluções. Tendo demonstrado tanta incapacidade, é pouco provável que, em apenas um ano, seja capaz de colocar em prática, de maneira plena, ou quase, um plano desses.

Não que o Brasil não necessite de obras. Necessita, e muito. Um exemplo da precariedade da malha de transportes está na reportagem publicada domingo pelo Estado mostrando a situação do transporte de mercadorias de Porto Velho a Manaus pela Hidrovia do Rio Madeira. É a principal via de abastecimento da capital do Amazonas, mas está praticamente interrompida. A falta de chuvas e a redução do fluxo proveniente do degelo dos Andes bolivianos fez a lâmina de água baixar de 16 metros para 1,6 metro em certos trechos. Se, porém, o governo fizesse a dragagem regular em pontos de assoreamento, o problema seria menos grave. Além disso, se mantivesse em condições de uso a ligação por terra entre Porto Velho e Manaus, haveria uma alternativa ao transporte hidroviário. Mas a ligação está abandonada.

É irônico que uma das obras incluídas no plano coordenado pela ministra Dilma Rousseff, o gasoduto que interligará Coari a Manaus – "obra muito importante porque dá a possibilidade de colocar gás no centro do pólo industrial de Manaus, que cresce a 20%" (ao ano), justifica a ministra –, depende da Hidrovia do Rio Madeira, pois é por ela que a tubulação está sendo transportada. Na entrevista, a ministra Dilma Rousseff faz críticas veladas à única coisa do governo que funciona – a política econômica conduzida pelo ministro Antonio Palocci, que tem assegurado a estabilidade e, assim, sustentado o crescimento –, ao observar que "tudo pode ser aperfeiçoado" e dizer que "a variável fundamental que vamos perseguir é o crescimento econômico".

É outra ilusão que ela tenta vender, a de que o rigor fiscal e monetário retarda o crescimento, razão pela qual o desenvolvimento exige mudança na política de Palocci. O que retarda o crescimento é a total incapacidade do governo de transformar a retórica em ação eficiente.


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