Fiéis entram com ações múltiplas na Justiça
em tática para atingir o jornal Folha de S.Paulo
Lumi Zunica |
O editorial da Folha e Edir Macedo, líder da Igreja Universal e dono da Record: direito de relatar e direito de contestar na Justiça, mas sem abusos |
Dois meses depois de publicar a reportagem "Universal chega aos 30 anos com império empresarial", o jornal Folha de S.Paulo tornou-se alvo de uma enxurrada de ações judiciais pleiteando indenizações por danos morais. Os 56 processos – agora suspensos em função de liminar concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto (veja reportagem) – têm como autores fiéis e pastores da Igreja Universal do Reino de Deus, comandada pelo bispo Edir Macedo, e foram impetrados em fóruns de cidades do interior espalhadas por vinte estados. Embora os reclamantes justifiquem a ação sob a alegação de que se sentiram ofendidos com a publicação da reportagem, parece evidente que os processos são resultado de uma operação organizada pela igreja (a maioria das ações apresenta parágrafos idênticos e algumas tiveram origem em cidades onde a Folha nem sequer circula). Em editorial de primeira página publicado na terça-feira passada, o jornal classifica o episódio de "campanha movida pelo sectarismo, pela má-fé e por claro intuito de intimidação". Outros órgãos de imprensa, como O Globo, do Rio de Janeiro, e A Tarde, da Bahia, também estão sendo alvo de processos movidos por membros da Universal.
A Igreja Universal do Reino de Deus detém o controle acionário da Rede Record, um conglomerado de 23 emissoras de televisão e quarenta de rádio. Na qualidade de controladora da maior rede de radiodifusão brasileira, é natural que a igreja desperte interesse. É legítimo, portanto, que a Folha queira fazer reportagens sobre os negócios da Igreja Universal. Assim como é legítimo que a igreja reclame na Justiça caso se sinta agredida ou vítima de informações que julgue caluniosas. O que é ilegítimo e inadmissível é que se usem os dispositivos legais não para fazer justiça, mas para retaliar um veículo de informação. O fato de as ações terem sido ajuizadas em diversas e distantes regiões obriga o jornal a mandar repórteres e advogados para dezenas de localidades remotas a fim de participar das audiências. Como disse o juiz Edinaldo Muniz dos Santos, do Acre: "O processo judicial, que é meio de punição e reparação, passa a ser a própria punição".
Procurada por VEJA, a Igreja Universal declarou, por meio de nota, que "respeita a liberdade de imprensa, porém não admite que reportagens sejam usadas para ofensas". Até agora, cinco dos 56 processos ajuizados por membros da Universal foram extintos por decisão de juízes, sendo Muniz um deles. Em dois desses processos, os magistrados também condenaram os autores por litigância de má-fé. Ou seja, a tentativa de ludibriar a Justiça ou de induzir seus representantes a julgamento equivocado recorrendo a informação falsa ou distorcida. Nesse caso, a de que estariam buscando espontânea e individualmente uma reparação por dano moral, quando tudo indica que os processos são parte de uma operação centralizada pelos dirigentes da igreja. Ao tentar instrumentalizar o Judiciário, a Universal, em sua briga com a Folha, perde a razão.