A indústria do tabaco busca fregueses nos países
em que fumar ainda não é um hábito malvisto
Paula Neiva
Nas últimas duas décadas, as campanhas antitabagistas conseguiram reduzir drasticamente o consumo de cigarros em muitos países – basicamente, os desenvolvidos. Nos Estados Unidos, a venda de cigarros caiu 41% entre 1980 e 2006. Seguindo a lógica do capitalismo, as grandes multinacionais de cigarros tiveram de rever suas estratégias para não ir a pique. Sabe-se agora qual foi a saída encontrada por essas empresas. Elas se voltaram para os mercados dos países em desenvolvimento, principalmente na Ásia e no Leste Europeu. As grandes indústrias exportam seus produtos para esses países, investem em novas fábricas locais ou adquirem fábricas existentes. Ao mesmo tempo, lançam campanhas maciças de publicidade para estimular as populações a fumar. As nações escolhidas como alvo não costumam promover campanhas significativas de esclarecimento sobre os malefícios causados pelo fumo. Tampouco as autoridades se mobilizam para limitar os anúncios de cigarros e restringir os locais onde se pode fumar em público. O cigarro ainda é visto com a aura de glamour que desfrutava nos cafés europeus e nos filmes de Hollywood. A venda de cigarros nos mercados emergentes é ainda estimulada pelo fato de que, em países como a China, a Índia e a Rússia, floresce uma classe média cada vez maior e mais abonada, com dinheiro para comprar bens de consumo e... cigarros.
Um estudo recém-divulgado da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra que a contribuição dos países em desenvolvimento no total de fumantes do mundo cresceu 40% entre 1980 e 2005. Dos sete países que mais consomem cigarros atualmente, cinco são emergentes (veja o quadro abaixo). O único que não apresentou crescimento nos índices de tabagismo foi o Brasil, onde as campanhas e as leis contra o cigarro vêm dando resultado. "Atualmente, a indústria do tabaco explora os países em desenvolvimento com as mesmas ferramentas de marketing e lobby que costumava usar no mundo desenvolvido", diz o relatório da OMS. "O principal foco das campanhas são as mulheres e os adolescentes. Além disso, as empresas pressionam os governos para evitar o aumento de impostos sobre o tabaco", conclui o documento.
Um estudo recente da Universidade de Bath, na Inglaterra, revela que o número de mulheres fumantes dobrou na Rússia desde 1991. Nos tempos da União Soviética, não havia propaganda de cigarros no país. Em meados dos anos 90, segundo o estudo de Bath, metade dos anúncios de rua expostos em Moscou mostrava marcas de cigarros. Atualmente, uma gigante do tabaco prepara-se para instalar na China uma megafábrica de 1,5 bilhão de dólares. O objetivo é produzir maços de suas marcas mais conhecidas para consumidores chineses e de outros países asiáticos. Disse a VEJA a analista de mercado Janice Hofferber, da agência americana Moody’s Investors Service: "A tendência é que os produtores continuem a investir em economias emergentes como uma alternativa ao encolhimento dos mercados desenvolvidos. Esse crescimento deverá acontecer por meio de aquisições locais e maiores verbas destinadas ao marketing". O estudo da OMS mostra que, quanto mais rigorosas são as leis de combate ao fumo, maior é a diminuição do número de fumantes. Hoje, no entanto, apenas 5% da população mundial vive em países com leis restritivas ao fumo. No restante do planeta, fumar está liberado.