O Estado de S. Paulo |
29/2/2008 |
É tamanho e tão escancarado o empenho de deputados e senadores de governo e oposição em criar dificuldades para a CPI dos Cartões que nem os menos treinados nessas lides da embromação seriam capazes de apostar meio tostão furado no destino da comissão mista do Congresso. Trata-se de um legítimo caso de obstáculos sem corrida. A cada dia, a cada novo lance surge um problema e, de falso impasse em artificial dilema, vai-se ficando no mesmo lugar. Há 47 dias o Estado divulgou dados sobre gastos com cartões pagos pelo governo que caracterizavam abusos dignos de investigação. Depois disso, o Tribunal de Contas e outras fontes de informação revelaram indícios de que o problema tem amplitude amazônica no tempo e no espaço. Atinge governos estaduais, fundações, autarquias e tem potencial alcance em administrações anteriores, cujas contas de despesas reembolsáveis pela sistemática alternativa aos cartões também mereceriam um exame detido. São milhões de reais à deriva, cuja procedência e destino ficam longe do controle do público pagante. O assunto provocou espanto, uma ministra perdeu o cargo, um reitor mudou de endereço e por enquanto foi só. Tudo o mais ficou na mais deslavada encenação. Da iniciativa do governo em criar a CPI, um mês atrás, até agora, quando governo e oposição dançam (para não dizer simulam) um “pas-de-deux” de avanços e recuos, cessões e radicalizações em torno do comando da comissão, nada de concreto aconteceu. O assunto vai esfriando, sendo objeto de “análises”, segundo as quais o problema é de pequena monta frente às questões de interesse nacional, a agenda vai mudando. Ontem era a reforma tributária hoje já são as manobras governistas na Comissão de Orçamento, e, sob a versão do embate, se esconde um cenário de concórdia malsã. Muito bem definido na frase do senador Demóstenes Torres, que resiste em aceitar a indicação de seu partido para fazer parte da CPI: “Ninguém quer investigar nada.” O senador, lá atrás, nas primeiras reuniões, já havia notado um estranho clima de cordialidade geral, muito diferente do habitual ambiente animoso que toma conta de embates reais em torno de comissões de inquérito. Outros do mesmo modo não comprometidos com o teatro se recusam a participar dele. Pedro Simon, por exemplo: “PT e PSDB não querem apurar nada e o PMDB quer cargo no governo. A CPI deveria assumir o compromisso de não aceitar acordo para poupar alguns da investigação.” Mas, no lugar de gestos objetivos, o que se vê são performances. Seja da parte do PSDB, com a indicação do senador Jarbas Vasconcelos para a presidência da comissão, com o mero intuito de provocar, seja da parte do governo, usando, de um lado, o líder Romero Jucá para manifestar disposição ao “diálogo” e, de outro, a bancada do PT na Câmara para reclamar de tudo e sempre. Se a CPI é mista, não pode porque é mista. Se é só no Senado, não pode porque é só no Senado. Se a oposição quer a presidência, não pode por causa da proporcionalidade partidária, se um acordo com o Planalto cede a presidência para o PSDB, o PT reivindica o posto e oferece aos tucanos o lugar de relator. Uma barafunda que seria incompreensível se seu significado não fosse já muito claro: como ninguém sabe direito o que fazer, opta-se por jogar tempo e conversa fora. Quem quer investigar não se perde na discussão do detalhe. No caso de CPIs, o comando é mero detalhe. O importante é a força dos fatos que justifiquem abertura de informações - principalmente as sigilosas - e sua exposição. Essencial é o comportamento dos integrantes da comissão. E isso só poderia ser observado a partir do início dos trabalhos, que propositadamente estão sendo postergados até caírem de maduros no esquecimento. Refém O argumento do presidente Luiz Inácio da Silva para defender seu ministro do Trabalho, Carlos Lupi, é puro sofisma. Ele diz que o PSDB recebeu o maior volume de repasses de verbas do ministério, que o PT está em segundo lugar e o PDT, presidido por Lupi, faz parte da rubrica dos “outros” que ficaram com R$ 80 milhões. Isso, na visão de Lula, faz do comportamento do pedetista “o mais republicano que um ministro pode ter”. Ainda que os dados sejam corretos (Lula cita montantes, mas não explica a que se referem), o que está em questão não é quem recebeu mais ou recebeu menos. É o fato de o ministro ter liberado dinheiro a entidades ligadas a seu partido sob suspeita de irregularidades e ao arrepio do parecer da consultoria jurídica do ministério. O cancelamento de alguns desses convênios por “problemas técnicos” mostra que pode ter havido mesmo favorecimento indevido e, portanto, má-fé na distribuição do dinheiro público, à qual o presidente se associa quando qualifica o caso como “uma bobagem”. Não há bobos nessa cena. Há um partido aliado, um esquema sindical forte e um governo refém de sua própria ausência de padrão ético. |
Entrevista:O Estado inteligente
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