Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Míriam Leitão - Juros e inflação


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
8/2/2008

Um espectro ronda os bancos centrais: a inflação que sobe. As respostas têm sido diferentes. O Fed já avisou que o mais importante é o crescimento; o Banco da China tentou o controle do crédito para domar a inflação de 7%; na Argentina, o governo manipula o índice; na Europa, o BCE manteve os juros e avisou que é a inflação o inimigo principal; no Brasil, o BC ameaçou subir os juros.

A volta da velha senhora, que tanto estrago já fez na economia do mundo em geral - e na do Brasil em particular -, assusta vários bancos centrais. Mais preocupado deveria estar o argentino, se o país vizinho quisesse tratar com seriedade um problema que o feriu tão fundo em passado recente. Mas lá o governo Kirchner II está repetindo o mesmo erro do Kirchner I manipulando as taxas de inflação. Na Argentina, não há uma taxa básica de juros como aqui. Lá os juros estão caindo desde o fim do ano: o de 90 dias saiu de 14,5% para 10,5%. O Indec (o IBGE deles) perdeu a credibilidade. Ontem, o mercado calculava que a inflação de janeiro tinha sido de 2%, mas achava que o governo divulgaria 1,2%, e ele divulgou 0,9%. Para os analistas, a inflação argentina em 2007 não foi menos de 20%, mas o órgão oficial, depois de sofrer explícita intervenção, informou que ela foi de 8,5%. O Indec virou a casa-da-mãe-joana. Pobre Argentina, que não aprendeu com os erros que cometeu!

No México e no Chile, a inflação também aumentou e, em ambos os países, os juros subiram, mas agora, com a redução do nível de atividade, as altas cessaram. Na Turquia, os juros, que vinham caindo forte, diminuíram seu ritmo de queda.

Nos Estados Unidos, a inflação está acima do que eles definiram como a taxa de conforto, que é 2%. Essa é a meta informal da economia americana. Mesmo assim, o Fed fez dois cortes de juros em dez dias, e o mercado acredita que eles vão continuar caindo, pois a mensagem do banco central americano tem sido explícita: a de que a maior atenção neste momento é com o nível de atividade. O economista José Júlio Senna, da MCM Consultores, acha que o Fed vai reduzir os juros até eles ficarem perto de 2,2%, que é a inflação. O economista Luis Fernando Lopes, do Pátria Investimentos, acha que os juros ficarão negativos, em termos reais, nos EUA, em 1,5% ou até 1%.

Na China, a inflação ao consumidor subiu muito no ano passado. Os alimentos aumentaram mais de 10%, assim como os preços da construção imobiliária. A alta do carvão chegou a 20%. O governo está tentando controlar o repasse para o preço da energia, mas a nevasca vai tornar a pressão cada vez maior. A inflação ao consumidor está perto de 7%. A reação do Banco Popular da China, que é o banco central de lá, foi de elevar a taxa de empréstimo de 6,12% para 7,47%. O depósito compulsório dos bancos subiu de 7% para 15%. Um método usado no sistema chinês é simplesmente proibir empréstimos. Mas, diante do medo da crise, a ordem para os bancos foi emprestar. As autoridades chinesas querem evitar uma queda brusca do nível de atividade, que pode ser atingido de frente pela recessão americana. Até recentemente, eles não acreditavam na recessão. Além disso, a nevasca forte já está provocando efeitos econômicos. O governo chinês tentará neutralizar o efeito da queda das exportações para os EUA elevando a demanda interna através do aumento do investimento público. Isso intensificará a pressão inflacionária, com a qual eles ainda não demonstraram saber como lidar.

O BCE ontem manteve a taxa de juros em 4%. Quem acreditou em Jean Claude Trichet, o presidente do BCE, não foi surpreendido. No entanto, apesar de Trichet ter dito que, para ele, o objetivo central continuava sendo a inflação, que já está em 3,2%, muito analista estava apostando que os juros cairiam após a redução nos Estados Unidos. Com a decisão de ontem, o BCE mostrou coerência. Não só com o que tinha dito Trichet, quanto com o papel fundamental de qualquer banco central, que é o de evitar a inflação.

No Brasil, o Copom, na última ata, avisou que os juros podem subir dependendo da conjuntura da inflação. Os economistas Luis Fernando Lopes e José Júlio Senna, que entrevistei ontem no programa da Globonews, acham que os juros vão subir este ano. Para Senna, é preciso apenas saber quando. Isso porque a inflação está subindo. Ontem, o IPC da Fipe foi menor que o do mês anterior, e surpreendeu favoravelmente no item alimentos, ainda que ele continue sendo o que mais pressiona. A inflação, apesar de estar subindo no acumulado de 12 meses, vai cair ao longo do ano, e as previsões são de convergência para a meta. O Brasil está numa posição diferente dos outros países, pois continua com uma das mais altas taxas de juros do mundo, mesmo com a queda dos últimos anos.

Este é um momento de teste para os bancos centrais, porque o medo é de que a queda da economia americana reduza o nível de atividade, mas, na maioria dos países, houve aumento de inflação. Nos Estados Unidos, o hesitante Ben Bernanke fez uma aposta arriscada. Para evitar seu maior temor, que é uma recessão forte, ele pode levar para níveis negativos os juros, numa conjuntura de elevação do déficit público e aumento da pressão inflacionária. Se fizer isso, alimentará o maior inimigo de qualquer banco central: a velha e perigosa inflação.

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