O Globo |
22/2/2008 |
A discussão sobre a ética na política ganha hoje a visão da esquerda socialista, no depoimento do deputado federal Chico Alencar, do PSOL do Rio, que, além de político, é professor de história. Ele aproveita a "discussão do momento, sobre a Cuba pós-Fidel" para fazer avaliações sobre a posição da esquerda. Começa admitindo que "é verdade que na tradição da esquerda se construiu uma idéia de "moral revolucionária"", em contraposição à "moral burguesa", segundo a qual a grande causa da igualdade social justificava procedimentos violentos ou obscuros, contra o "inimigo de classe". É também verdade, ressalva Alencar, "que os grandes beneficiários do capitalismo, ontem e hoje, primam pela falta de escrúpulos e pela hipocrisia, pois são ontologicamente movidos pela competição, pelo afã do lucro e pelo individualismo". ( Sobre o tema, ler no final da coluna posição do ex-ministro Marcílio Marques Moreira). Mas o deputado Chico Alencar admite que, "sobretudo a partir da revelação das aberrações do stalinismo e da crise do chamado socialismo real", vem crescendo a compreensão de que "quem quer mudar tem que mudar desde já, e também a si mesmo, mesmo no ambiente conturbado da política conjuntural, imediata". Na sua análise, a lógica de um certo marxismo-leninismo "puro e duro" foi sendo quebrada ao longo da segunda metade do século XX, "pela própria experiência concreta, de revoluções generosas e libertárias que se cristalizaram em poder burocrático, fechado e repressor, de "troikas", "dachas" e "camarilhas", ainda que edulcoradas por figuras mitificadas, "grandes timoneiros" - o que também concentrava poder e alimentava autocracias". Mas ele lembra que "a ética da coerência entre princípios proclamados e política praticada foi igualmente enfatizada por figuras históricas e personalidades austeras e despojadas" E cita os exemplos de Gandhi e sua frase "seja a mudança que você quer no mundo"; Martin Luther King, Mandela, Ho Chi Min, até chegar a Che Guevara, a cuja frase "Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás" Alencar agrega "o relato, em seu diário da Bolívia, de como poupou soldados de uma patrulha ao alcance de sua mira, por pura "compaixão"". (A esse relato, no entanto, ressalvo, é possível acrescentar outros tantos, alguns também descritos em seu próprio diário, em que Guevara não teve tanta compaixão, fuzilando pessoalmente companheiros acusados de traição ou soldados inimigos feitos prisioneiros). Prosseguindo, o deputado Chico Alencar cita o psicanalista Hélio Pellegrino, um dos fundadores do PT, como um dos que entre nós mais se aprofundaram na questão. "Num dos seus alentados textos sobre a viva polêmica entre fins e meios, ele foi definitivo, pelo menos para uma parte da esquerda que teima em re-significar o socialismo e manter a chama da utopia, no PSOL e em outras organizações", cita Alencar: "Os fins não justificam os meios; os meios já têm que ser os fins, em processo de realização". Também Betinho, relembra Chico Alencar, não se cansava de lembrar que "não há idéia defensável que não comece por mim, isto é, da qual eu não seja o primeiro e exemplar praticante". O deputado do PSOL acha que essa é "uma das chaves" para a questão da corrupção: "Num regime com algum controle social das ações do Estado e transparência, mesmo no sistema capitalista, o desvio de dinheiro público, ainda que seja para financiar o melhor dos programas socialistas, contra os abusos do poder econômico, será sempre indefensável". Aliás, ressalta Chico Alencar, deixando até mesmo graficamente uma crítica ao PT, "a história também registra seguidos casos de "revolucionários" que, chegando ao poder, se deixaram corromper e cooPTar, enfeitiçados pelas benesses da vida palaciana e do mundo dos negócios". Ele termina sua análise citando o "poder dissolvente do dinheiro", expressão utilizada por Karl Marx. No prefácio intitulado "Dos Princípios, Meios e Fins", de um livro com as palestras de seminário sobre "políticas de transgressões" que será lançado na próxima semana, sobre o qual escrevi ontem, o ex-ministro Marcílio Marques Moreira analisa também o papel ético do empresário. Pegando o Artigo 37 da Constituição brasileira, segundo o qual "a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade (transparência) e eficiência", ele faz uma comparação entre o gestor privado e o gestor público: "A busca da eficiência em gestão, isto é, a garantia de governabilidade, há, pois que atender, também, aos outros quatro preceitos constitucionais, para não tornar-se viciada e, afinal, contraproducente". Há ainda que observar, escreve Marcílio, que o gestor privado, embora não expressamente atingido pelo Artigo 37, tem, do ponto de vista ético, de subordinar-se aos mesmos valores, eis que (...) ética e economia não podem viver divorciadas, seja qual for o regime político que normatize as relações econômicas - capitalismo, socialismo, solidarismo ou comunismo. Mais adiante, Marcílio Marques Moreira afirma que "toda empresa não pode prescindir do lucro, da mesma maneira que nós precisamos respirar para viver. Mas nós não vivemos para respirar e da mesma forma a empresa e o empresário não vivem para lucrar. O lucro deve servir a empresa e não à empresa, o lucro. (...)" |
Entrevista:O Estado inteligente
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