Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Diogo Mainardi A minha retrospectiva

"Para mim, 2004 não ficará marcado por
Lula, e sim pelo motim na Casa de Custódia
de Benfica, no Rio de Janeiro. Bandidos do
Comando Vermelho esquartejaram bandidos
do Terceiro Comando e jogaram futebol com
suas cabeças. Foi o episódio que melhor
representou a barbárie nacional. Quando
me lembrar de 2004, a imagem será esta:
a de uma cabeça rolando, talvez batendo na trave"

É fácil enganar os brasileiros. Depois de apenas um ano de crescimento, estamos crentes de que o futuro será ainda melhor. Lula, que não é tonto, adotou o crescimento sustentado como bordão publicitário. No discurso de abertura da última reunião ministerial, em que fez um balanço dos dois primeiros anos de governo, ele repetiu dez vezes que o Brasil está a caminho do desenvolvimento. E garantiu que, ao contrário do que aconteceu no passado, "não se trata de bolha, de espasmo". A segunda etapa da campanha "O melhor do Brasil é o brasileiro", que será veiculada no ano que vem, irá bater nesse ponto. A propaganda oficial pretende mostrar que entramos definitivamente na "era do desenvolvimento sustentável". Ou, para usar a metáfora presidencial, que chegou "a hora da colheita".
Não sei dizer por quanto tempo a economia brasileira poderá continuar a crescer. Um ano? Dois anos? Depende do que ocorrer lá fora. Depende da cotação da banana no mercado internacional. O fato é que, cedo ou tarde, o crescimento do país irá despencar. Não dá para crescer, a longo prazo, quando se aumentam os gastos com o funcionalismo público, como fez Lula. Não dá para crescer com o pior ensino do mundo. Não dá para crescer com 50.000 assassinatos por ano. Quando Lula fala em crescimento sustentado, a única dúvida é saber se o crescimento se sustenta, ou não, até 2006. Se sim, Lula se reelege. Se não, ele volta para casa. A recessão é inevitável. Virá de qualquer maneira. Tendo de torcer por uma data, é melhor que ela venha antes das eleições, e não depois. Assim, pelo menos, a gente tem uma pequena chance de se livrar do PT.
Ao fazer o balanço dos dois primeiros anos de governo, Lula aproveitou para elogiar o ministro Eduardo Campos, que, como bom pernambucano, acaba de ter o quarto filho, numa demonstração de que é um "nordestino vigoroso". É exatamente isso que se esperaria de um presidente: um incentivo à explosão demográfica no Nordeste. A seguir, Lula negou que seu governo tenha se limitado a dar continuidade às políticas de Fernando Henrique Cardoso. A acusação de que seu governo é um mero apêndice do anterior o atazana profundamente. Ele tem razão. Essa história de continuísmo está sendo mal contada. A verdade é a seguinte: como os petistas não têm a menor noção de administração pública, são obrigados a imitar seus predecessores, quaisquer que eles sejam. Da mesma maneira que, em Brasília, Lula herdou as políticas de Fernando Henrique, Marta Suplicy, na prefeitura de São Paulo, herdou as de Maluf, com suas obras eleitoreiras e o rombo nas contas públicas. Lula não segue as imposições dos banqueiros internacionais. Ele simplesmente não sabe fazer de outro jeito.
Ainda que Lula consiga se reeleger em 2006, seu governo será rapidamente esquecido. Daqui a dez anos, ninguém mais se lembrará dele. Não sobrará uma única idéia, uma única iniciativa que recorde sua passagem pelo poder. Para mim, 2004 não ficará marcado por Lula, e sim pelo motim na Casa de Custódia de Benfica, no Rio de Janeiro. Bandidos do Comando Vermelho esquartejaram bandidos do Terceiro Comando e jogaram futebol com suas cabeças. Foi o episódio que melhor representou a barbárie nacional. Quando me lembrar de 2004, a imagem será esta: a de uma cabeça rolando, talvez batendo na trave.

domingo, novembro 28, 2004

November 28, 2004




Jornal O Globo - Miriam Leitão

By thameyer
Miriam Leitão
paneco@oglobo.com.br

Outros alvos
A frase inesquecível de Bill Clinton na campanha presidencial de 1992 bem que poderia ser refeita no Brasil. Como arma eleitoral, o ex-presidente americano usou o bem-sucedido: “É a economia, estúpido!” Assim, localizou o problema que derrotaria George Bush, o pai. No Brasil, caberia dizer a todos os que estão no governo, participam do poder, mas mobilizam tantas energias contra a política econômica: “É o social, companheiro!”
É lá que está o problema. Um dos indícios? O fato de que, nesta área, ninguém esquenta cadeira. Benedita da Silva caiu, José Graziano caiu, Frei Betto saiu, Ana Fonseca acaba de sair e o ministro Patrus Ananias tem freqüentado todas as listas de que vai perder o cargo também. A lista dos erros é inesgotável. Desde os memoráveis 76 dias que a equipe de José Graziano levou para abrir a conta para a doação de Gisele Bündchen até o erro de considerar sem importância que não haja contrapartida da presença da criança na escola nos programas de transferência de renda mínima. É esse compromisso, como bem lembrou Ruth Cardoso semana passada, que diferencia uma política moderna de uma velha e viciada política assistencialista.
A economia mobiliza os principais esforços de crítica do PT. Foi assim que ministros do governo desembarcaram na reunião do Diretório Nacional juntando-se ao grupo minoritário que queria crítica à política econômica. E foi esse o tom do longo debate na segunda-feira do presidente com seus ministros. Ainda que haja diferença entre as versões publicadas na imprensa e o que os ministros garantem ter dito, o fato é que criticas à política econômica são comuns no atual governo desde o seu início.
Os ministros que foram ao Diretório Nacional criticar a política econômica têm uma característica curiosa: a de ser capaz de falar com externalidade sobre o governo do qual fazem parte. Deve ser algum vício incurável do longo oposicionismo. Depois de dois anos de desempenho pífio, o ministro Olívio Dutra apresentou um plano para supostamente acabar com o déficit habitacional brasileiro, desde que o FMI concorde com uma mudança na regra de cálculo do superávit primário. O acordo com o FMI está no finzinho, mais cinco semanas e ele acaba. Portanto o que o ministro Olívio Dutra precisa é convencer o governo do qual faz parte de que ele sabe como enfrentar o problema. O ministro Rossetto também tem dado seguidas demonstrações de que vê com externalidade o governo de que participa. Foi ao encontro do MST, onde, de novo, foi pedida a queda urgente do ministro da Fazenda. Poderia ter ido ao encontro dos Sem Terra para convencê-los da eficiência da política agrária, ou então para dar explicações convincentes para o fato de que ele, ministro do Desenvolvimento Agrário, não vai cumprir nem a metade da meta de assentamentos estabelecida para o ano. Em vez disso, está lá para demonstrar apoio a quem acha que todo erro é fruto da política econômica.
Há muitas razões para se criticar o Ministério da Fazenda, mas o pessoal da casa está batendo no lado errado. A política de manter os gastos controlados, produzir superávits primários, respeitar contratos, juros flutuantes e autonomia do Banco Central tem o seguinte resultado: a inflação está terminando o ano dentro da meta, as metas fiscais estão atingidas, a dívida pública caiu cinco pontos percentuais do PIB em dois anos, o país está com o melhor crescimento em dez anos, o desemprego está caindo, a dívida externa pública está em queda, a dívida privada externa também caiu e o país fecha o segundo ano com superávit primário. Nenhum outro ministério pode fazer uma lista igualmente positiva assim.
Pode-se fazer uma lista de problemas econômicos ainda não superados. Um dos itens é que não está havendo investimento suficiente, o que pode tornar o momento atual um crescimento de curto prazo e contratar pressões inflacionárias. Pode-se mostrar que os dados comprovam a crítica da oposição de que a mudança da Cofins foi aumento de carga tributária. Pode-se acusar a Fazenda de não ter sido capaz de liderar a agenda de reformas ainda necessárias. Há um rol de queixas razoáveis. Mas as críticas têm sido sempre a repetição do bordão genérico: “a política econômica tem que mudar”, sem se informar em troca do quê ela deve ser modificada.
Não há o mesmo esforço de ver os erros na política social. Supostamente o PT seria o partido que saberia o que fazer nessa área. E, por falar em social, entenda-se também os outros ministérios, como Educação e Saúde, nos quais a falta de objetivos claros e definidos continua reduzindo o desempenho do governo.
Quem está satisfeito com a área social pode escolher outro alvo e dizer: “É a segurança, companheiro!” O governo que se instalou prometendo combater a omissão do governo de FHC na área de segurança não mostrou ainda ter noção da urgência da crise de segurança que abala as grandes cidades, principalmente o Rio de Janeiro, onde as palavras são todas fracas demais para descrever a deterioração da ordem pública, a absoluta falta de proteção para a população pobre que mora nas áreas que estão sob domínio dos bandidos.
Quem acha que governo federal não tem nada a ver com segurança, pode olhar para o Congresso, paralisado há três meses pela incapacidade de articulação do governo Lula, e dizer: “É a política, companheiro!”
O país sofre os efeitos da crônica crise gerencial dos programas sociais, da falta de desempenho dos ministérios da área social, da omissão federal na segurança e da paralisia do Congresso, mas o alvo de todas as críticas é a política econômica.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:57 AM

= A violência viceja nos campos sem lei AUGUSTO NUNES

By thameyer
A violência viceja nos campos sem lei
Comprovada a culpa de cada um, tanto o fazendeiro Adriano Chafic Luedy quanto os demais envolvidos no assassinato de cinco "sem-terra" em Felisburgo, Minas Gerais, devem ser pesadamente castigados. Cadeia é para isso - como aliás precisam saber os mandantes da chacina ocorrida em janeiro nas cercanias da mineira Unaí. Quatro funcionários do Ministério do Trabalho foram fuzilados. A maioria dos suspeitos sorri em liberdade o sorriso dos impunes.
Casos do gênero, que vão ocorrendo com inquietante freqüência, aceleram a montagem de um painel dos campos conflagrados do Brasil, escurecidos por tumores que a histórica miopia do Planalto se recusa a enxergar. Esse painel exibe, com nitidez, ruralistas e jagunços homicidas. Mas mostra igualmente crimes praticados por "sem-terra" manipulados por líderes nostálgicos de velharias erradicadas no século passado. São comunistas que não ousam dizer seu nome.
O massacre aparentemente ordenado pelo fazendeiro de Felisburgo foi irresponsavelmente amplificado por Rolf Hackbart, presidente do Incra. Ele atribuiu a execução coletiva ao agrobusiness - setor que movimenta 34% do PIB brasileiro. Há lógica nessa loucura aparente. "Nós temos um lado", recitou Hackbart.
É o lado dos sem-terra. Ali se alinha o ministro Miguel Rossetto, monitorado por João Pedro Stédile, o onipresente coordenador do MST. As crianças dos acampamentos assimilam nas escolas um universo fantasioso, feito de crendices recitadas pelo chefe da seita. São só bobagens. Mas estamos no Brasil.
Se um dia o país tomar juízo, Stédile servirá apenas como trunfo para quem condena o aborto de portadores de anencefalia: ele permite desconfiar que descerebrados não só podem chegar à idade adulta como, velhotes, atropelar as leis quando lhes der na telha, sob o olhar medroso de figurões do governo.
Na quinta-feira, durante manifestações em Brasília, Stédile ordenou a invasão da sede do Incra. (Para tristeza de Hackbart, não havia latifundiários entre os desordeiros. Só encontrou amigos.) Alguns proprietários rurais continuam na Idade da Pedra. A maioria dos integrantes do agronegócio trata de gerar riquezas e empregos (37% do total, no momento). Reformas no campo requerem urgência. Nenhuma delas deve afetar terras produtivas, com donos legítimos. O direito de propriedade segue em vigor.
Muito pedagógica para homicidas, cadeia é sempre bem-vinda a quem se imagina acima da lei. É o caso da cúpula do MST. Na multidão de militantes, principalmente entre soldados rasos, sobram brasileiros açoitados por injustiças, em busca de uma vida digna. Alguns tentam prosperar nos assentamentos que resistem às carências. Outros desistem logo da sobrevivência nos espaços minúsculos. Todos são instrumentalizados pelos que querem o confronto, a morte. Dos outros.
Fernando Henrique esclarece
Incluído por Carlos Heitor Cony entre os supostos beneficiários da mesma lei que garantiu ao escritor uma controvertida compensação financeira, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu ao colunista para esclarecer seu caso e dissipar equívocos. Segue-se a mensagem:
"Li na coluna Sete Dias publicada pelo JB no último dia 21 referência feita por Carlos Heitor Cony a uma indenização que eu teria recebido em decorrência da lei que fixou reposições para os perseguidos políticos pelo regime autoritário. Em geral não respondo às referências miúdas a meu respeito, feitas por quem não se dá ao trabalho de se informar sobre os fatos. Mas, como se trata de matéria que vem se repetindo, esclareço:
a) não recebi, nem pedi, indenização de qualquer governo por ter sido afastado compulsoriamente da cátedra da Universidade de São Paulo. Recebo apenas proventos proporcionais ao tempo de serviço efetivamente cumprido, na forma do decreto que me aposentou em 1969, somado a ele, pela Lei da Anistia de 1979, o tempo de exclusão. Ou seja, cerca de 2/3 da aposentadoria a que faria jus como professor catedrático, depois das três teses que defendi, como mandavam regulamentos da Universidade de São Paulo.
b) abri mão, quando eleito presidente da República, da aposentadoria a que teria direito como senador. Fui reembolsado apenas da parte que já havia pago para gozar desse direito quando me aposentasse.
c) no Brasil, depois da Constituição de 1988, na ausência de lei específica, os ex-presidentes não têm direito a qualquer pensão, assim como, pelo menos até meu período de governo, não gozavam de qualquer verba de representação.
Grato se puder publicar estes esclarecimentos, despeço-me com um abraço afetuoso,
Fernando Henrique"
Tesoureiro e visionário
Para juntar o dinheiro necessário à construção da nova sede nacional do PT, o tesoureiro do partido, Delúbio Soares, recorreu com freqüência e gula ao Banco do Brasil. Amigo de muitos figurões do BB, deles Delúbio conseguiu apoio até para a promoção de shows sertanejos. Soube-se agora que parte da bolada não foi para alguma conta no Banco do Brasil ou outra instituição federal. Ficou engordando fantasiosos balancetes do Banco Santos até dias atrás, quando enfim se lacrou a quitanda de Edemar Cid Ferreira. O país quer conhecer detalhes da operação só supostamente insensata.
Clube para maiúsculos
O economista e intelectual polivalente Carlos Lessa tem esbanjado criatividade depois de demitido da presidência do BNDES. Na semana passada, por exemplo, dividiu a população nacional em duas categorias, usando uma consoante como critério. "Celso Furtado foi um Brasileiro com B maiúsculo", explicou Lessa. "Guido Mantega é um bom homem, mas ainda não é brasileiro com b maiúsculo". A tese está em fase de detalhamento, mas a essência parece clara. Os que pensam como Lessa são Brasileiros. Os demais não passam de brasileiros.
Como fez ali ao lado o júri do Yolhesman Crisbelles, o Cabôco Perguntadô resolveu incursionar por paragens internacionais. Quer saber que metodologia o governo brasileiro usou para decidir que vigora na China uma "economia de mercado". (Os chineses, que já riam de tudo, agora vivem caindo na gargalhada.) O Cabôco desconfia de que a comissão encarregada de examinar o tema foi a mesma que resolveu promover Cuba à condição de "nação-irmã", sem fazer quaisquer reparos às violências antidemocráticas praticadas pelo regime comunista de Fidel Castro. Intrigado com os dois episódios, o Cabôco pergunta se o que falta é critério ou vergonha?
Esse sabe das coisas
Raramente concedida a gargantas estrangeiras, a taça da semana vai enriquecer a sala de troféus do presidente americano George W. Bush. O governante guerreiro também exibiu seus dotes de vidente com esta declaração feita na semana passada:
"Tenho certeza de que as eleições na Ucrânia foram fraudadas. Eles deveriam fazer tudo de novo".
A frase é até sensata. O que a torna altamente premiável é o autor. Em 2000, Bush só conseguiu o primeiro mandato graças às gatunagens promovidas nas seções eleitorais da Flórida pelo irmãozinho governador. Perto de Jeb Bush, fraudadores ucranianos parecem coroinhas.
O lado positivo da agenda
Os anfitriões nativos esperavam ouvir de Vladimir Putin pelo Planalto, durante a passagem pelo Brasil do presidente russo, a notícia da suspensão do embargo a importações de carne brasileira, decretado em setembro passado. Os especialmente otimistas até sonhavam com a ampliação da raquítica quota reservada ao Brasil. O embargo continua e o limite não subirá. Mas tudo tem seu lado positivo, como vive ensinando o ministro Luiz Gushiken. A agência Növosti informou, por exemplo, que "o Brasil prometeu ajudar a Rússia a tornar-se uma potência mundial no futebol". Pelo visto, Putin e Lula combinaram um rachão na Granja do Torto entre autoridades dos dois países. As fotos antecipam o brinde que abrirá o espetáculo: um duelo de "embaixadas" entre os donos da camisa 10.
Eficácia punida
Os dois policiais federais envolvidos na prisão de Duda Mendonça na rinha de galo no Rio já sabem o que acontece a quem cumpre a lei. Afastados da Delegacia de Repressão a Crimes Ambientais, Luiz Amado vai para Campos e Marcelo Guimarães, para Macaé. Acaba de surgir a "punição por excesso de eficiência".
Depois de esfalfar-se em palestras, aqui e no exterior, sobre a viagem triunfal do Fome Zero, Frei Betto embarcou de fininho numa bóia que se desgarrou do Titanic federal. Quer estar longe quando todos souberem das proporções do desastre.
Disputa acirrada
Os ministros da Saúde, Humberto Costa, e das Cidades, Olívio Dutra, tentam pendurar-se nos empregos, claro, pela compulsão de servir à pátria. Mas também acham justa a prorrogação que possa decidir em campo o torneio cuja liderança hoje dividem. Ambos disputam valentemente o título de pior ministro do governo Lula.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:56 AM

Merval Pereira

By thameyer
Merval Pereira

Números e símbolos
A análise da oposição, e mesmo de parte do próprio PT, do resultado das eleições deste ano não encontra respaldo nos números, segundo o cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj, que fez estudo aprofundado para a revista “Teoria e Debate”, da Fundação Perseu Abramo, do PT. Para o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, “o que aconteceu foi que, do Rio para baixo, onde temos realmente uma classe média forte, ela retirou o voto de confiança que deu ao PT em 2002”.
O senador acha que esse sentimento da classe média foi avaliado pelo comando petista: “Eles estão novamente com um buraco na classe média. E estão com problemas de governo, porque falta comando, falta equipe. Antes era medo, agora é a confissão de incoerência e incompetência. Assustam as duas coisas”, diz ele, que acha que o PT “caminha para uma derrota em 2006”.
Uma análise comparativa em relação a 2000, levando em conta não só números brutos mas seus significados políticos e simbólicos, mostra, segundo a esquerda do PT, recuo de 8% nos governos das cidades com mais de 150 mil eleitores e 21% no eleitorado em geral, enquanto o PSDB cresceu 6% e 39%, respectivamente.
Nicolau garante que a análise da votação para prefeito revela “que o PT foi o partido que mais cresceu, passando de 14% dos votos em 2000 (o quarto partido mais votado) para 17% (o partido mais votado em 2004)”. Segundo ele, o PT saiu das urnas “com indicadores claros de consolidação em quatro regiões do país — a única exceção é o Nordeste”.
Nicolau passa a listar os ganhos do PT: crescimento acentuado na Região Norte, especialmente em Rondônia, Tocantins e Amapá. No Centro-Oeste cresceu em todos os estados, especialmente em Mato Grosso do Sul. A Região Nordeste continua sendo a de maior dificuldade para o PT; o partido cresceu acentuadamente em Sergipe, no Ceará e em Pernambuco, mas nos dois últimos casos o resultado deveu-se sobretudo à votação nas capitais.
No Sudeste, o PT manteve-se no mesmo patamar de votos em São Paulo e no Rio de Janeiro e cresceu no Espírito Santo e, sobretudo, em Minas Gerais, onde passou de 9% em 2000 para 22% em 2004. No Sul, o partido teve pequeno crescimento no Paraná e em Santa Catarina e reduziu sua votação no Rio Grande do Sul.
Em apenas sete estados (Amazonas, Roraima, Alagoas, Maranhão, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte) o partido recebeu menos de 10% dos votos para prefeito. Para Nicolau, “não fosse o simbolismo das derrotas em SP e Porto Alegre, provavelmente o crescimento do PT ficaria mais patente”.
Com relação à polarização entre PT e PSDB, Nicolau lembra que em apenas três estados (SP, MG e Rondônia) os dois partidos foram os mais votados. E, mesmo assim, em Rondônia o PSDB recebeu 19,4% e o PT, 15,9%, mas o PMDB chegou empatado em segundo lugar, com 15,9%. Em Minas, o PT foi o mais votado, com 22,3%, e o PSDB o segundo, com 14,3% — mas o PMDB novamente chegou empatado em segundo, com 14%.
Segundo Nicolau, na realidade, apenas em São Paulo houve, de fato, uma polarização entre os dois partidos: o PSDB recebeu 31,8% dos votos e o PT, 25,3%. A impressão de Nicolau é que a versão de polarização entre PT e PSDB se deve “particularmente ao desempenho do PT e do PSDB nas cidades médias e nas capitais, nas quais os dois partidos foram os mais votados”.
Outro fator que, para ele, “certamente contribuiu foi a centralidade que a cidade de São Paulo teve na disputa, chamando a atenção pela importância de seus atores: um candidato derrotado à Presidência conquista do partido do atual presidente a cidade mais importante do país”. Segundo o estudo de Nicolau, o PSDB praticamente manteve o patamar de votos obtidos na eleição anterior (16% em 2000 e 17% em 2004), “mas o desempenho nos estados foi mais irregular que o do PT”.
No Norte, o partido cresceu em dois estados (Tocantins e Rondônia), mas encolheu em todos os outros. No Centro-Oeste, declinou em todos. No Nordeste, cresceu apenas no Ceará, na Paraíba e no RN, diminuindo em todos os outros. No Sul, obteve igual desempenho no Paraná e no Rio Grande do Sul, mas cresceu em Santa Catarina. No Sudeste, manteve-se no mesmo nível em Minas e caiu acentuadamente no Rio e no Espírito Santo.
Na realidade, diz o cientista político do Iuperj, o crescimento expressivo do PSDB ocorreu em São Paulo, onde passou de 20% em 2000 para 32% em 2004. “O partido venceu em cidades importantes do estado, mas o desempenho final deveu-se, em grande medida, ao crescimento na capital”.
Segundo Nicolau, “o PSDB também se encontra nacionalizado, mas revela fragilidades maiores que o PT, uma vez que ainda tem dificuldade de se consolidar em três estados importantes (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia)”. Para ele, o PSDB viveu fenômeno inverso ao do PT: “O bom desempenho em São Paulo, especialmente a vitória de José Serra na capital, acabou chamando mais a atenção do que o desempenho ruim que o partido teve em boa parte do país”.
O estudo de Nicolau compara ainda o desempenho dos partidos (PT e PSDB) nos estados em dois momentos (1996-1998 e 2000-2002). Essas são as principais conclusões:
— Não houve qualquer associação significativa entre a votação municipal (Câmara e prefeitura) de 1996 e a votação obtida por Fernando Henrique em 1998, nem entre a votação municipal de 2000 e a votação de José Serra em 2002.
— Houve uma correlação fraca entre a votação do PT nas eleições municipais de 96 e a votação de Lula em 98. Não houve correlação significativa entre a votação do PT nas eleições municipais de 2000 e a votação de Lula em 2002.
— Existiu uma associação estatística forte entre a votação do PT para vereador e prefeito em 96 e a de deputado federal e estadual em 98 e entre a votação de vereador e prefeito em 2000 e a de deputado federal e estadual em 2002.
— Houve forte correlação estatística entre a votação do PSDB nas eleições municipais de 96 (vereador e prefeito) e as eleições para deputado federal e estadual de 98. Houve uma correlação significativa entre a votação para vereador e prefeito do PSDB em 2000 e a votação para deputado estadual em 2002 (a associação com deputado federal existe, mas é mais fraca).

* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:55 AM

Folha de S.Paulo - - Rubens Ricupero: "A moeda é minha, mas o problema é teu" - 28/11/2004

By thameyer
"A moeda é minha, mas o problema é teu"
RUBENS RICUPERO
Seria essa a melhor tradução da frase do secretário do Tesouro de Nixon, John Connolly, a propósito do dilema monetário do mundo em relação ao dólar: "Our currency, but your problem". Quando a leio, me vem sempre à memória outra frase reminescente de tempos menos angustiados. É a de Thomas Mann descrevendo a sensação de receber, na Munique pré-1914, o pagamento em duas moedas de marco-ouro pela venda de sua primeira novela: "Quem nunca foi pago em ouro jamais poderá imaginar a estabilidade de antes da Primeira Guerra Mundial, um mundo em que nada de importante mudava, nem o valor das moedas nem as outras coisas".
Em Bretton Woods, ao término de duas guerras que eram, no fundo, uma a seqüência da outra, tentou-se ainda o sonho impossível de fixar o valor das moedas conversíveis, ancorando-as em relação ao dólar, que valia um determinado peso em ouro. Entre 1971 e 1973, final da Guerra do Vietnã, fase de inflação e déficit, Nixon, sem consultar ninguém, demoliu os dois pilares de Bretton Woods. Dizia-se então que, após três ou quatro anos de turbulência, os mercados monetários voltariam a um equilíbrio natural. Foi há mais de 30 anos, um terço de século...
Desde então, em momentos mais perigosos, tentaram-se acordos multilaterais estabilizadores: Smithsonian, Hotel Plaza, Louvre. As ameaças voltaram agora a crescer com a aceleração da queda do dólar, primeiro resultado econômico da reeleição de Bush. A queda data de 2002: a partir daquele ano, o dólar já caiu 32% ante o euro e 21% diante do iene, mergulhando a profundidades de dez anos atrás.
O problema é que isso não foi acompanhado, como rezam os compêndios, pela redução ou pela eliminação dos déficits em comércio e conta corrente dos EUA. Ao contrário, exceto no mês passado, esses déficits têm aumentado continuamente e atingiram 5,5% do PIB, nível que teria liquidado o Brasil havia muito tempo.
Existe consenso quanto à chamada tríplice estratégia para resolver o desafio. Os EUA têm de reduzir a demanda e o consumo, elevar sua baixíssima poupança e cortar o déficit do Orçamento. Trocando em miúdos, os americanos precisam importar menos do resto do mundo, exportar mais e enfrentar o aumento de suas despesas fiscais. O Japão e a Europa necessitam estimular o crescimento por meio da demanda interna e deixar de depender das exportações ao mercado ianque para crescer (anemicamente). A China, por fim, e os demais asiáticos na mesma situação deveriam fazer como o nosso obediente Banco Central e permitir que suas moedas se valorizassem diante do dólar.
Em tese, todos concordam. Na prática, cada um age segundo o princípio do "sacroegoísmo". O risco é que, de uma hora para outra, o que vem sendo para o dólar uma tranqüila descida de colina vire uma avalancha destrutiva. É o que sucederia se os estrangeiros que financiam o déficit externo americano na base de US$ 600 bilhões por ano decidissem que é prudente parar e diversificar. Nesse caso, o dólar poderia ter de sofrer desvalorização adicional de 40%, obrigando a elevar abruptamente os juros e ocasionando provavelmente uma recessão. O impacto seria devastador para as economias do Japão e da Europa, que, no passado trimestre, já estavam crescendo não apenas a metade ou o terço mas um décimo da americana!
Não surpreende, assim, que muitos sonhem com a repetição do Acordo do Plaza, de setembro de 1985, quando as autoridades financeiras das cinco maiores economias (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido e França) resolveram cooperar a fim de possibilitar a depreciação ordenada do dólar (30% em dois anos) e o reequilíbrio das contas externas de Washington.
Só que muito do que mudou desde então foi para pior. Não só as relações políticas entre os EUA e os demais estão longe de cooperativas mas o déficit em conta corrente, na época de 2%, está beirando atualmente os 6% do PIB. Seria preciso contar com a colaboração da China, que já declarou não estar disposta a valorizar logo. Ainda por cima, a reequilibragem foi enormemente ajudada, em 1986, pelo contrachoque petrolífero, responsável pela queda de 50% nos preços. Ao passo que agora...
Nessas condições, a última coisa de que precisava o dólar era do empurrão adicional que lhe deu, ladeira abaixo, o presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan, ao sugerir, na semana passada, que a maior parte do ajuste viria da desvalorização da moeda. Para o Brasil, são preocupantes todas as implicações dessa tendência, que torna mais absurda do que já é a complacência do Banco Central com a apreciação do dólar em reais.
O resto é também complicado: a contração do maior mercado para nossas exportações, o acirramento, em terceiros mercados, da concorrência de produtos americanos, mais baratos por causa da desvalorização do dólar, a redução da demanda importadora de outros grandes mercados brasileiros como a China, a Europa, a Ásia, em conseqüência do ajuste.
Quanto aos juros, então, nem é bom falar. O próprio Greenspan, ao mencionar futuros aumentos das taxas, foi quase ameaçador, ao dizer que esses aumentos "tinham sido anunciados por tanto tempo e em tantos lugares que, a esta altura, quem não assegurou sua posição de modo adequado é porque está obviamente desejoso de perder dinheiro". Esperemos, também obviamente, que isso nada tenha a ver com o nível de nossas reservas nem de nossa moeda em relação ao dólar.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:54 AM

Folha de S.Paulo - Elio Gaspari - 28/11/2004

By thameyer
ELIO GASPARI
Para baixo, volver
Lula não leva o governo para a esquerda nem para a direita. Leva-o para baixo. Enquanto consome seus dias seduzindo hierarcas do PMDB, perdeu cinco quadros da primeira linha do seu governo: Carlos Lessa (BNDES), Gastão Wagner (secretário-executivo da Saúde), Ana Fonseca (secretária-executiva da fome), Ricardo Kotscho (assessor de imprensa) e Frei Betto (assessor pessoal).
Dessas cinco pessoas, pode-se dizer de tudo: doidos, encrenqueiros, intransigentes, atrapalham por intrometidos ou por ausentes. Duas coisas são certas: todos os cinco têm mais de 30 anos de militância na defesa do interesse público e são exemplos de probidade pessoal. São todos pobres. O patrimônio dos cinco cabe na disputa de R$ 7 milhões que uma empresa do deputado Eunício de Oliveira, grão-senhor do PMDB, teve com o INSS.
Gastão Wagner, defenestrado da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde, pode ser um símbolo do quinteto. Indica quem são as pessoas que estão saindo. Ele tem 52 anos, 21 de PT, uma cadeira de professor de medicina preventiva na Unicamp e três filhos. Não precisa do poder nem do seu aparelho. Dois anos de governo lhe custaram dinheiro e a paciência de manter duas moradias. Foi para Brasília levando o sonho de uma geração. Viu-se num governo que centraliza a compra de toneladas de material odontológico do programa Brasil Sorriso. Reuniu-se com uma ekipekonômica (Joaquim Levy e Bernard Appy), que trata o Sistema Único de Saúde como se fosse uma dissidência do Banco Santos. Viu-se submetido a uma marquetagem que privilegia o que pode ser apresentado como novidade em detrimento da boa política de saúde.
Exemplo: o governo gosta das farmácias populares, uma demagogia de alcance limitado, enquanto vai devagar com o Programa Saúde da Família. Lula prometeu aumentar o número de equipes de 17 mil para 32 mil. Passou-se metade do governo e implantaram-se apenas 5.000 equipes. O plano de qualificação dos serviços hospitalares, prometido para o Brasil, ficou restrito a três cidades, entre elas o Recife do ministro Humberto Costa.
É muito provável que Wagner tenha sido chamado ao Planalto para reuniões com marqueteiros com mais freqüência do que para discutir políticas de saúde.
Os governos podem ser medidos de duas formas: pelo tamanho das pessoas que entram e pelo tamanho das que saem. Lula conseguiu uma proeza: nunca tanta gente exemplar saiu em tão pouco tempo por motivos tão desqualificados.
Wagner foi para Brasília achando que o governo de Lula faria um Plano Marshall para quem trabalha e vive mal. Caiu fora do Plano Palocci para quem vive de juros sem trabalhar.
Surgiu no Ceará o fiscal das Bolsas
Veio do sertão cearense o remédio para proteger os programas sociais do governo. Seu inventor se chama Wilson Melo, tem 38 anos, dirige a rádio Jangadeiro FM e passa uma hora por dia no ar, conversando com a gente de Brejo Santo, um município de 40 mil habitantes, a 500 km de Fortaleza. Ele lê em seu programa cerca de cem nomes de beneficiários dos programas sociais da Viúva e pede aos ouvintes que identifiquem as pessoas que não precisam de ajuda.
A malha popular captura em torno de três espertalhões por dia. Numa crueldade com Suzana Vieira, pegaram a Maria do Carmo local, dona do depósito de materiais de construção, embolsando R$ 15 mensais do Vale-Gás. A diretora da escola municipal, duas vezes candidata a vereadora, também avança no Vale-Gás. Já a secretária da policlínica da família do prefeito, mulher de um pequeno criador e comerciante de leite, recebe o Bolsa-Escola. Na quinta-feira, Melo foi procurado por Jucélia Reinaldo dos Santos, uma jovem de 23 anos que ouvia a letra "M" quando soube que alguém recebe R$ 30 do Bolsa-Alimentação em nome de sua mãe, Miraneide.
Numa patifaria da corrupção, o prefeito de Brejo Santo é do PPS de Ciro Gomes, ministro da Integração Nacional. A maracutaia local segue um padrão. Em geral, quem frauda o cadastro da pobreza são funcionários da rede de proteção social do Estado: servidores, agentes de saúde e professores. Num governo em que o ministro da Fome tem um funcionário (DAS3) encarregado do seu cerimonial, isso não chega a ser uma surpresa.
São peças destinadas a preservar relações de poder que começam em Brejo Santo e terminam em Brasília, de onde saem de volta para os brejos desta vida. Sem Brejo Santo, Brasília não seria o que é.
Um andar de cima que soube ser elite
Depois de "Churchill", a biografia de Winston Churchill escrita por Roy Jenkins, e de "Cinco Dias em Londres", a narrativa do grande momento de sua vida, contada por John Lukacs, os perseguidores da memória de sir Winston têm mais um livro à disposição. É sua obra "Grandes Homens do Meu Tempo", o painel com 34 ensaios biográficos de figuras como Charles Chaplin, Leon Trotsky, Hitler e Lawrence da Arábia. Essas são as figuras de fora do Império, todas bem conhecidas. Os retratos de ingleses como Arthur Balfour, George Curzon e Herbert Asquith mostram os homens do esplendor de um império servido por uma elite inimitável. Asquith não falava de assuntos de Estado fora do expediente. Balfour, o primeiro governante inglês a andar de carro (Rolls Royce, por certo), era um mestre do estilo. Um exemplo: "Nesse discurso, houve coisas que são verdadeiras e outras que são banais: mas o que é verdadeiro é banal e o que não é banal não é verdadeiro".
Churchill escreveu os retratos entre 1928 e 1936, seus anos de ostracismo. Há em inúmeros perfis (sobretudo dos militares) ecos dos desentendimentos ocorridos durante a Grande Guerra. Em 1936, sir Winston ainda não sabia o tamanho de Churchill. Talvez isso explique uma solicitude próxima da bajulação de muitos personagens ingleses. Fora daí, sabia ser claro, sincero e mau como os adversários. Atribuía a Leon Trotsky "a ferocidade de Jack, o estripador". Na combatividade contra o inimigo comunista, ouve-se o primeiro-ministro que, a partir de 1940, enfrentou Adolf Hitler e, como sustenta John Lukacs, salvou a civilização ocidental.
São esboços biográficos da elite, para a elite, pela elite.
Acordar tarde? Todos os notívagos se justificam com o exemplo de Churchill, mas ele seguiu um dos costumes de Balfour, que depois do almoço conversava por meia hora e saía para jogar golfe ou tênis. Só uma elite que se respeita e autoglorifica poderia produzir um livro como esse e um autor como Churchill, capaz de ver mérito numa informação desse tipo.
Gushipress
O comissário Luiz Gushiken se tornou um reformulador das teorias de comunicação. Sua última realização foi suspender a circulação do boletim interno "Carta Crítica", onde falara-se mal do governo. Levou dois anos para descobrir as virtudes do cadeado.
Essa atitude se soma à edição de uma revista que noticiava o bom funcionamento do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção. (Ele não existia.) Depois liberou um filme de TV mostrando as belezas do Programa Nacional de Agricultura Familiar. (Era fraude, filmada numa fazenda que nada teve a ver com o Pronaf.) Em setembro passado, distribuiu uma falsa entrevista do ministro Gilberto Gil, descascando "o fascismo das grandes corporações da mídia". Era falsa.
Depois de ter associado a Presidência da República a uma fantasia e a duas fraudes, a Gushipress aprendeu a apreciar as vozes do silêncio.
Curso Madame Natasha de piano e português
Madame Natasha tem horror a música e detesta arquivos, pois teme que alguém descubra sua data de nascimento. Ela condena a tortura do idioma e acaba de conceder mais uma de suas bolsas de estudo ao almirante Mario Cesar Flores, pela seguinte pérola a respeito da memória da ditadura:
"Não se trata de descartar o passado, cujo estudo deve ser poupado do sensacionalismo, nem de rejeitar a contribuição política e civil em geral, com vistas ao futuro; em particular, na contribuição para a identificação e avaliação política, administrativa e acadêmica dos cenários de preocupações verossímeis e das vulnerabilidades nacionais neles -como acontece nas grandes democracias, onde políticos e a intelligentsia dedicados ao tema são relevantes no macrodelineamento da segurança e defesa nacionais".
Madame ficou com uma saudade danada do professor Francisco Campos, o Chico Ciência, autor do preâmbulo do ato institucional de 9 de abril de 1964, que dizia:
"O que houve e continuará a haver neste momento, não só no espírito e no comportamento das classes armadas como na opinião pública nacional, é uma autêntica revolução. [...] A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte".
Natasha gosta do professor Campos porque ele maltratava as instituições, mas deixava o idioma em paz.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e, como todos os demais idiotas, se estarreceu com a sabedoria sintética do líder do PMDB, deputado José Borba, quando especificou as exigências de seu partido nas negociações que Lula vem conduzindo para reorganizar o governo do PT Federal. Ele pede:
"Um ministério que conte com estrutura orçamentária e financeira, caneta e tinta. É o perfil que desejamos".
O idiota tem certeza de que o doutor Borba se esqueceu de uma coisa: algemas.
Registro
Ana Fonseca saiu do ministério da fome porque não quis misturar sua biografia com o prontuário de improvisações destinadas a saciar a fantasia marqueteira do Planalto.
O pulo
Há dois anos, Lula teve que apertar José Dirceu para que ele se decidisse entre a Casa Civil e a presidência da Câmara. Mostrou-lhe que arriscava ficar sem nada.
Pelo andar da carruagem, o comissário pode preferir a presidência da Câmara a uma Casa Civil com mais trabalho e menos conversa.
Para seus viperinos adversários no PT, mudando de prédio, Dirceu levaria consigo proezas das quais o governo não quer mais ouvir falar.
Como ensinou Guimarães Rosa, "sapo não pula por boniteza, mas sim por precisão".
Erro
Estava redondamente errada a notícia aqui publicada de que o Sindicato dos Empregados dos Correios de Pernambuco cobra 2% de contribuição assistencial aos trabalhadores da categoria.
Estava errada porque o Sintect-PE não cobra essa contribuição. Pior: esse sindicato é contra esse tipo de cobrança, condena sua prática por meio dos descontos em folha e denuncia qualquer expediente destinado a tomar esse dinheiro dos trabalhadores. Sua diretoria tem um compromisso de independência em relação ao governo e à ECT.
Ao sindicato, devidas desculpas. O que ele faz é exatamente o contrário do que se denominou de "tunga sindical".
* * *
A tunga está em outro lugar. Quem cobra 2% de taxa em cima de um salário mensal dos trabalhadores da ECT é o Sintect de São Paulo. Seu jornal, "O Ecetista", na edição de outubro, informou que os trabalhadores (sindicalizados ou não) tomariam uma mordida de 2% sobre um mês de salário, em quatro prestações. Quem não quiser pagar deve ir pessoalmente ao sindicato ou escrever quatro cartas registradas, com aviso de recebimento.
Um trabalhador que ganha R$ 1.000 mensais pagará R$ 20. Se quiser se livrar da mordida, morrerá em R$ 21,40 nas tarifas postais das cartas que os companheiros pedem.
Outra solução: os funcionários da ECT de São Paulo pediriam transferência para Pernambuco.
Brasil perigoso
Bem que o Itamaraty poderia se interessar pela derrubada das barreiras que dificultam o acesso de brasileiros ao Japão. O governo japonês exige um visto exclusivo para cada entrada no país. Faz isso com os brasileiros enquanto dispensa os cidadãos de 59 nações da apresentação de vistos. Entre eles Argentina, Chile, Lesoto e Tunísia.
Mais: os consulados exigem a apresentação de uma cópia integral da declaração de Imposto de Renda dos interessados. Exigência ilegal pela legislação brasileira, impertinente de acordo com os bons modos do mundo.
Desde os anos 70, cerca de 300 mil brasileiros foram viver legalmente no Japão. No início do século 20, quando o andar de cima do Mikado quis se livrar de um pedaço do seu andar de baixo, o Brasil acolheu 250 mil japoneses.
Em 2008, os dois países comemorarão o centenário da imigração dos pobres do Japão. Poderão festejar também as barreiras para os brasileiros.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:53 AM

Folha de S.Paulo - No Planalto: Arquivos do ex-SNI guardam 4 milh?es de documentos - 28/11/2004

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Arquivos do ex-SNI guardam 4 milhões de documentos
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Certos silêncios produzem respostas barulhentas. A mudez de Brasília diante dos arquivos da ditadura militar, por exemplo, gerou um belo estrondo. Foi ouvido em Guaratinguetá, no dia 11 de novembro. Ressoou em todo o país.
Acomodado numa pequena comarca do interior paulista, o juiz federal Paulo Alberto Jorge determinou ao governo do ex-PT que entregue à Justiça todo o papelório secreto do Exército. Na quarta-feira, o magistrado amplificou o estrépito. Requisitou também os arquivos da Marinha, Aeronáutica, Polícia Federal e Abin.
O juiz deseja expor à luz do sol todo o papelório da ditadura cujo segredo não esteja escorado em lei. A providência pressupõe a análise prévia de cada documento. Uma empreitada que tem as dimensões de um enorme pesadelo.
Tome-se, a título de exemplo, o caso do ex-SNI. Os relatórios dos espiões do regime militar estão armazenados numa salinha de cerca de 15 m2. Fica no setor Policial Sul de Brasília. Há no recinto, recostados numa parede ao fundo, 11 arquivos de metal. Cada um tem oito gavetas estreitas.
Ali, naquelas 88 gavetas, guardam-se cerca de 240 mil microfilmes retangulares. São pequenos cromos fotográficos. Retratam documentos miniaturizados. Alguns contêm um único relatório. Outros, até cem folhas de papel.
Somando-se todos os documentos microfilmados chega-se a cerca de 4 milhões de páginas escritas. Um bom leitor talvez consiga digerir algo como cem folhas por dia. Nesse ritmo, levaria 40 mil dias para examinar todos os relatórios. Abandonando todo o serviço de sua jurisdição e arregaçando as mangas inclusive aos sábados e domingos, o juiz Alberto Jorge teria diversão para os próximos 111 anos.
O manuseio dos microfilmes requer máquina própria. Uma geringonça de feições arcaicas. Coisa incompatível com os modernos recursos da informática e, de resto, indisponível na 1ª Vara Federal de Guaratinguetá, para onde o juiz determinou que fossem levados os documentos sob a guarda da Abin.
Para complicar, centenas de documentos microfilmados da Abin remetem para fotografias que foram preservadas em papel. Encontram-se depositadas em pastas corrediças que pendem de outros dez arquivos metálicos. Têm gavetas mais profundas. Estão na mesma salinha de 15 m2.
Informado pelo repórter acerca do tamanho da encrenca, Alberto Jorge espantou-se: "Ao requisitar os arquivos, não tinha noção do tamanho". Não esboçou, porém, preocupação: "Não tenho vocação para matusalém. Não planejo passar a vida lendo documentos. Caberá à União apontar os papéis que, a seu juízo, devem ser mantidos sob sigilo. Veremos se há ou não amparo legal".
O juiz não parece predisposto a engolir evasivas ou subterfúgios. Suponha que o governo informe que não tem como triar os documentos. "Neste caso, estará caracterizada a inconstitucionalidade do segredo", diz Alberto Jorge. "Tornaremos todos os arquivos públicos."
Imagine que Brasília diga que nada pode ser divulgado. De novo, "ficará sacramentado o desrespeito à Constituição", prossegue o juiz de Guaratinguetá. "O segredo é a exceção, não a regra. O sigilo terá de ser quebrado."
A Advocacia da União encontra-se de mangas arregaçadas. Brasília exala confiança. Auxiliares de Lula acham que as decisões de Alberto Jorge cairão na segunda instância do Judiciário.
Simultaneamente, a Abin dá forma final ao texto de um alvissareiro edital de licitação. Visa a contratação de firma de informática capaz de digitalizar os microfilmes da ditadura. As regras da tomada de preços serão exibidas, nos próximos dias, no sítio da agência na internet (www.abin.gov.br).
Em tempos bicudos, Mauro Marcelo de Lima e Silva, diretor da Abin, obteve R$ 800 mil para executar o plano de digitalização. É um entusiasta da idéia. Imagina concluir a tarefa em seis meses. Pessoas versadas no assunto acham que o dinheiro é pouco e o prazo é curto. De todo modo, é um começo.
Transpostos para o cristal líquido do computador, os papéis poderão ser manuseados com maior agilidade. Um time de analistas recrutados pelo governo se incumbiria da classificação dos documentos, separando aqueles passíveis de divulgação. Lula decidiria, então, como e quando os porões seriam abertos.
Na véspera de deixar o Palácio do Planalto, FHC baixou um decreto infame. Ampliou todos os prazos previstos para a divulgação de documentos sigilosos. Publicado no "Diário Oficial" de 30 de dezembro de 2002, na surdina, o ato foi revelado pelo repórter Mário Magalhães em abril de 2003.
A lei de arquivos (8.159), de 1991, fixa o prazo máximo de 60 anos para a divulgação de documentos secretos do Estado. O decreto de FHC criou o sigilo de 50 anos, prorrogáveis por mais 50, indefinidamente. Criou o segredo eterno, flagrantemente ilegal.
Na semana passada, FHC disse à coluna de Mônica Bergamo que Lula deveria revogar o famigerado decreto. Esquivou-se de explicar por que diabos o editou. Teria de revelar uma subserviência aos comandos militares incompatível com sua biografia. Se o Lula autêntico houvesse assumido a Presidência, já teria levado ao lixo o decreto do antecessor, um atentado à historiografia nacional.
Há nos subterrâneos do governo quatro tipos de documentos. Apenas os "ultra-secretos" ganharam de FHC o conforto da penumbra eterna. Os reservados (sigilo de 10 anos), confidenciais (20 anos) e secretos (30 anos) poderiam ser divulgados imediatamente. Se um Lula genuíno estivesse no Planalto, essa papelada já estaria no Arquivo Nacional, no Rio, submetido à análise de historiadores, acadêmicos e jornalistas.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:52 AM

Folha de S.Paulo - Janio de Freitas: Entupimento total - 28/11/2004

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JANIO DE FREITAS
Entupimento total
Ainda que não houvesse incontáveis e infindáveis realidades sociais e econômicas a negar a democracia no Brasil, a maneira libertina como se fazem leis, também elas incontáveis e infindáveis, só difere da maneira ditatorial por uns quantos disfarces. Estes, por sua vez, protegidos pelos cuidados com que esse tema é eventualmente abordado. Mas a situação é simples: leis são impostas no Brasil, em quantidades torrenciais, à revelia da sociedade, sem apreciação legítima pelo Congresso e à margem da isenção devida pela cúpula do Judiciário.
A meio da semana espipocou no Congresso uma histeria retardada, com a culminância do entupimento provocado por 19 medidas provisórias pendentes da votação, sem a qual não pode haver votações de projetos. O Senado depende da Câmara e o plenário da Câmara não trabalha há uns quatro meses.
Em relação à democracia, porém, não haveria maior diferença se Câmara e Senado estivessem votando, fossem MPs ou projetos. As medidas provisórias, que a Constituição só autoriza para remediar necessidades de "relevância e urgência", apesar disso têm jorrado das mãos dos presidentes civis, exceto apenas Itamar Franco, com o mesmo ímpeto e a mesma desfaçatez dos decretos-leis atirados pelos generais-ditadores. Logo de saída, o permanente crítico das MPs de Sarney, Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu sua embocadura definitiva para as provisórias com este exemplar: MP para a compra de um carro novo destinado a Marco Maciel, vice na Presidência, mas não nas mordomias.
O abuso da violação à exigência constitucional, outro continuismo adotado por Lula com fervor, sujeitaria esses presidentes a processos de impeachment, não fossem os abusos mais fortes, no Brasil, do que a Constituição. Para atenuar-lhes os efeitos, a regra constitucional estabeleceu que as MPs deveriam ser aprovadas pelos parlamentares, dados como representantes da sociedade. O contravapor é, no entanto, mais eficaz. E não se aplica só a MPs.
Está mais do que demonstrado que a Presidência da República aprova no Legislativo as MPs que quiser, e aprova ou derruba os projetos também à sua vontade. A livre imoralidade que é o sistema de compra-e-venda de votos anula a independência e a representatividade do Congresso. Ou seja, exclui do corpo institucional exatamente o que nele é mais definidor e essencial das instituições no regime de democracia.
Tudo o que tem dificultado, ocasionalmente, a aplicação das orientações do Executivo sobre o Legislativo é, tão só, questão de montante ou de competência. A quantidade de cargos ou de verbas, às vezes; de outras, a inabilidade, caso da grossura com que Lula e seu timinho operam a política e suas extensões, incapazes de um mínimo de sutileza e imaginação.
A necessidade de que o Senado aprovasse com urgência, na quinta-feira, uma MP que logo caducaria, depois de quatro meses retida na Câmara, levou o senador Aloizio Mercadante a lembrar-se de um Aloizio Mercadante que nem aqui fora era mais lembrado: reto, crítico e coerente, mostrou que pelo menos a metade das 123 MPs de Lula não tinha as necessárias "relevância e urgência". Lula vem emitindo uma MP a cada três e meio dias úteis.
Ocorrido o entupimento de MPs, discutem-se na Câmara e no Senado possíveis fórmulas para evitar a fácil obstrução da pauta de votações. Ninguém procura a desobstrução da democracia.
Lugar certo
Não há despropósito na entrega, já quase acertada, do Ministério dos Esportes a um representante de Paulo Maluf. A Presidência, está claro, adotou o critério de que, no esporte, trata-se de levar bola.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:51 AM

Folha de S.Paulo - ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAESUm exemplo a ser seguido por todo o Brasil - 28/11/2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Um exemplo a ser seguido por todo o Brasil
Gabriel Chalita, secretário da Educação do Estado de São Paulo, acaba de nos dar uma injeção de ânimo ao relatar as medidas que vêm sendo tomadas para melhorar a qualidade do ensino em São Paulo. Não se trata de intenções ou de propostas para discussão. Nem tampouco de medidas que dependem do assembleísmo, que discute muito e realiza pouco.
Sinceramente, andava sem esperanças, especialmente depois de ler os relatórios de avaliação do Ministério da Educação mostrando adolescentes que, com sete ou oito anos de escola, não conseguem entender o que lêem e não dominam as operações da aritmética elementar.
Na mesma linha, a Unesco publicou um relatório indicando que o Brasil está muito mal em matéria de qualidade de ensino. "Frequentar a escola é importante, mas não o suficiente", diz o documento. "É preciso que as escolas ofereçam educação de qualidade, capaz de formar cidadãos autônomos com habilidades para enfrentar sociedades baseadas no conhecimento. Em suma, a qualidade é o coração da educação" (Relatório Unesco, 2005).
Os dados trazidos pelo professor Chalita vão na direção da esperança. Eles mostram as ações do governo de São Paulo voltadas para melhorar a qualidade do ensino. Dentre elas, têm destaque: 1) as bolsas de estudo no valor de R$ 720 para os professores realizarem cursos de mestrado, porque todos eles têm diploma universitário, o que é um grande feito no Brasil; 2) o pagamento de 50% do preço para adquirirem seu computador pessoal; 3) equipamento de todas as escolas da rede pública com recursos da informática com amplo acesso aos alunos.
Inúmeros resultados positivos foram citados pelo secretário. O que mais me impressionou é o da evasão escolar da primeira à quarta série, que, em São Paulo, é de apenas 1%. Isso prova que as crianças são matriculadas e completam a escola (Gabriel Chalita, "Revolução sob Impasse", Estado, 23/11/2004).
A prioridade escolhida foi a do ensino médio, o que faz todo o sentido em um Estado como São Paulo, onde, há vários anos, matriculam-se todas as crianças no ensino fundamental. Bem diferente é a estratégia do governo federal, que, apesar da grave situação do ensino médio, concentra a maior parte dos recursos nas universidades.
A sociedade moderna não dá espaço para pessoas deseducadas ou mal preparadas. As exigências da cidadania e do mercado de trabalho são crescentes. Só com uma educação de boa qualidade se consegue formar seres humanos que conduzam bem suas vidas e contribuam para o progresso econômico e social da nação.
Anne Jullema, representante da Unesco na campanha pela melhoria da qualidade do ensino, é enfática: "É preciso ter seriedade no trato da educação. Se quisermos ajudar a montar escolas de qualidade, é preciso levar em conta a necessidade de qualificar professores e de, em muitos lugares, pagá-los melhor". Essa é a principal prioridade. Não há boa escola sem bons professores. É a lição do bom senso que, oxalá, venha a ser adotada em todo o Brasil.
Excelente propositura de nosso secretário Gabriel Chalita. Parabéns!
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:51 AM

Folha de S.Paulo -ELIANE CANTANHÊDE: As bandeiradas de 2005 - 28/11/2004

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ELIANE CANTANHÊDE
As bandeiradas de 2005
BRASÍLIA - Por volta de 21h30 de quinta-feira, três policiais prestavam depoimento na 2ª DP da Asa Norte, em Brasília. Um quebrou a perna, o outro, um dedo da mão direita, e o terceiro estava com o braço enfaixado e o lado esquerdo do rosto roxo. Levou uma "bandeirada" do MST.
A quinta-feira foi realmente bem animada em Brasília. Estudantes e sindicalistas ameaçaram invadir o Congresso, quebrando um vidro da fachada da Câmara, e os sem-terra invadiram de fato o Incra. Todos gritando contra o governo Lula e entrando em confronto com a polícia.
Nas democracias, é natural haver manifestações, estudantes berrando contra governos e sindicalistas exigindo direitos. Em países desiguais como o Brasil, é até salutar que desdentados se aglomerem nas portas dos palácios clamando por terra e justiça. A questão é que há uma confluência de reivindicações e fatores que pode repetir muitas vezes um clima como o da quinta-feira.
Há muita ansiedade em movimentos tradicionalmente aliados ao PT de Lula e em diferentes setores do serviço público. A preocupação da inteligência do governo é especialmente com três áreas: paralisação de polícias em áreas urbanas já conflagradas, invasões do MST país afora e uma greve nacional de caminhoneiros com sérias conseqüências -afetar o abastecimento de combustível, por exemplo.
Não escapa aos estrategistas do governo o fato de os movimentos sociais estarem concentrando a grita contra o Planalto e a política econômica, relegando a um segundo plano suas reivindicações específicas. Essa tendência contribui para fortalecer a união entre diferentes setores e manifestantes -do MST aos estudantes.
O fato é que os movimentos sociais estão despertando e que a panela de pressão está a todo vapor. Não há nenhuma teoria conspiratória, nenhum alerta vermelho, nenhuma convulsão à vista. Mas a vida é dura, o governo deixa a desejar, o dinheiro anda curto, os juros continuam subindo. E 2006 é ano de eleição, ou de reeleição.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:50 AM

Folha de S.Paulo -CLÓVIS ROSSI- 28/11/2004

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CLÓVIS ROSSI
Liberou geral
SÃO PAULO - Por muito acostumado que esteja com o cinismo dos políticos (seria mais certo dizer farto), não consegui deixar de me surpreender com a aparição de José Borba, líder do PMDB na Câmara, em pleno "Jornal Nacional", para dizer que tipo de ministério ele gostaria de ter para seu partido: "Um ministério que conte com estrutura orçamentária e financeira, caneta e tinta".
Não é que a frase seja novidade. A maneira como foi pronunciada e o sorriso cínico que a acompanhava é que surpreendeu. Esse tipo de, digamos, confissão aparecia antes nos conchavos de bastidores, jamais no "Jornal Nacional".
Fica a sensação de que os últimos resquícios de pudor foram abandonados, talvez porque o vigilante da moralidade pública nos últimos muitos anos, que foi o PT, mudou de lado no balcão de negócios que é a política brasileira. Agora, é o comprador. E quem compra não denuncia.
É eloqüente a respeito o desterro dos dois policiais federais responsáveis pela prisão do marqueteiro presidencial Duda Mendonça quando participava de uma rinha de galos no Rio de Janeiro.
Sempre haverá algum petista, já devidamente adaptado à nova moralidade do partido, que dirá que a rinha existia há muito tempo e que, portanto, a prisão de Duda foi manobra "tucana" às vésperas da eleição paulistana (da qual, aliás, o marqueteiro já estava desencanado). Pode até ser verdade, mas o pecado não foi ter investido contra a rinha quando Duda estava lá, mas não tê-lo feito também antes. A remoção dos policiais agora envia uma mensagem claríssima: quem mexer com os amigos do rei vai trabalhar no raio que o parta.
Não sei se o autor da novela "Senhora do Destino" fez de propósito ou não, mas é muito sintomático que, na era PT, supostamente do restabelecimento da moralidade, os dois únicos políticos da trama sejam crápulas. É igualmente sintomático que o sitcom "Os Aspones" retrate Brasília como perfeita esbórnia.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:49 AM

Folha de S.Paulo - Editoriais: SIGILO E SONEGAÇÃO - 28/11/2004

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SIGILO E SONEGAÇÃO
Estados só podem oferecer serviços aos cidadãos porque cobram tributos. A maioria, porém, não os paga de boa vontade -daí que também sejam chamados de impostos. Exigir do Estado o cumprimento de suas funções mais fundamentais e negar-lhe os meios para cobrar o que lhe é devido é uma excentricidade brasileira. E uma daquelas que ajudam a explicar o "suave fracasso" em que o país se converteu.
Nesse contexto, é defensável o despacho do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que dá à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional -o órgão encarregado de cobrar devedores do Fisco- acesso à base de dados da Receita Federal, o que inclui informações não-detalhadas relativas à movimentação bancária dos contribuintes. Como previsível, respeitáveis vozes do meio jurídico se insurgiram contra a medida, classificando-a até como inconstitucional, por ofender o princípio da inviolabilidade do sigilo de dados (5º, X, XII).
É certo que, em algum grau, o despacho de fato diminui o alcance da proteção constitucional. Cumpre, porém, recordar que nenhum princípio constitucional é absoluto. A medida encontra amparo na lei complementar nº 105 de janeiro de 2001, que, embora seja objeto de várias contestações no Supremo Tribunal Federal, sobreviveu até aqui.
Não resta dúvida de que cidadãos têm direito à privacidade, mas tampouco se pode contestar a obrigação dos contribuintes de pagar impostos corretamente. O direito constitucional à intimidade não pode se tornar um escudo para sonegadores, o que configuraria séria afronta àqueles que cumprem com seus deveres.
Nesse sentido, a lei complementar nº 105 caminha na trilha do bom senso ao determinar que bancos, administradoras de cartões de crédito e demais instituições do gênero enviem ao Fisco informações genéricas, restritas aos montantes globais movimentados, que não permitem inferir nada a respeito da natureza dos gastos do contribuinte.
É uma forma, ainda que imperfeita, de preservar a intimidade do cidadão sem transformá-la num porto seguro para aqueles que fraudam suas obrigações fiscais. No mais, a lei é pródiga em prever sanções para funcionários públicos que eventualmente traiam o sigilo e divulguem as informações bancárias obtidas.
Pode-se, por certo, criticar a maneira atabalhoada pela qual o governo vem regulando a matéria, através de despachos e sem, aparentemente, preocupar-se com o número de funcionários com acesso às informações. Há aqui, o risco, nada desprezível, de que mais servidores em contato com dados sobre movimentações financeiras aumente as chances de vazamentos com propósitos ilícitos.
De todo modo, é correto o princípio de que o braço do governo que cobra impostos tenha acesso a dados básicos a respeito dos contribuintes. É longa e funesta a tradição da sonegação fiscal no Brasil. Ela é uma das razões pelas quais é tão alta a carga tributária que incide sobre os bons pagadores. E não é imaginável mudar essa situação sem proporcionar ao Fisco os instrumentos legais para cobrar o que é lhe devido.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:49 AM

Folha de S.Paulo - Editoriais: O MOVIMENTO DO CÂMBIO- 28/11/2004

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O MOVIMENTO DO CÂMBIO
A conta corrente, que registra as transações de bens e serviços do país com o exterior, apresentou superávit de US$ 10,6 bilhões entre janeiro e outubro, segundo o Banco Central. Nesse período, a balança comercial (exportações menos importações) foi positiva em US$ 28,1 bilhões, impulsionada por um aumento expressivo das exportações.
Essa performance do comércio exterior gerou recursos suficientes em moeda estrangeira para saldar os compromissos da balança de serviços (pagamento de juros, remessa de lucros e gastos com viagens internacionais, entre outros), negativa em US$ 20,2 bilhões. E o investimento estrangeiro direto líquido registrou saldo positivo de US$ 4,7 bilhões.
Nesse cenário positivo das contas externas, o maior ingresso de dólares tende a valorizar o real, mesmo com o setor privado utilizando uma parte do "excedente" em moeda forte para reduzir seu endividamento externo.
Além disso, há indicações de uma procura especulativa por ativos em moeda brasileira associada a movimentos globais, num cenário de depreciação do dólar e elevação da taxa de juros no país. Alguns analistas estimam que o real ainda poderia valorizar-se em 20% ou 30%.
Diante da baixa cotação do dólar, o Tesouro Nacional anunciou que irá comprar US$ 3 bilhões até junho de 2005 para reforçar as reservas internacionais. Em outubro, as reservas estavam em US$ 22,2 bilhões, excluindo os aportes do FMI. A decisão, embora em volume não muito expressivo, ajuda a reduzir a vulnerabilidade externa da economia, garantindo recursos para os pagamentos futuros da dívida externa.
Simultaneamente, o governo procura conter a valorização excessiva da taxa de câmbio, que poderia afetar negativamente o desempenho das exportações. Com a valorização do real, a balança comercial registrou na terceira semana de novembro superávit de US$ 209 milhões, um resultado inferior à média semanal deste ano, de mais de US$ 500 milhões.
Aparentemente, o BC relutava em adotar uma estratégia de intervenção no mercado de câmbio, uma vez que ela seria contraditória com a política monetária e fiscal em curso.
A compra de dólar no mercado doméstico expandiria a oferta de reais, o que poderia favorecer o aumento do crédito, a redução dos juros e o aquecimento da economia no momento em que o BC se preocupa com a inflação e procura desacelerar a atividade econômica. Para ser coerente, o BC precisaria comprar os reais, mediante a emissão de títulos da dívida pública -mas isso, por sua vez, seria um movimento contrário à política de redução da dívida do setor público em relação ao PIB.
Decidiu-se, porém, pela compra de dólares. Com essas operações, as autoridades econômicas, mesmo que não admitam publicamente defender uma determinada cotação da moeda, procuram conter a volatilidade de um preço fundamental para a economia, que vem sendo afetado por movimentos episódicos de capital. Com isso, o governo, corretamente, tende a desencorajar os fluxos especulativos e dá sinais de que a livre flutuação cambial tem limites.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:48 AM

DORA KRAMER

By thameyer
DORA KRAMER
Medida provisória, atrito permanente
Dora Kramer
O assunto é recorrente, entra e sai de cena nem sempre no papel principal – muitas vezes serve só como pano de fundo para questões outras –, mas desta vez as medidas provisórias voltaram ao centro do debate de forma inusitada: com o líder do Governo no Senado, Aloizio Mercadante, declarando-se em estado de situação limite, constrangido de pedir votos à oposição para aprovar MPs editadas em quantidade abusiva.
Na Câmara, o presidente João Paulo Cunha, também petista, queixou-se da paralisia simplesmente acusando o Governo de não governar. De fato, como definiu o senador Mercadante, trata-se de uma situação limite.
Abstraindo-se quaisquer outras razões de desordem na condução política das relações entre os dois Poderes, e por extensão entre partidos governistas e oposicionistas, as medidas provisórias só se transformaram numa fonte de atrito permanente porque o Palácio do Planalto abusa do direito de editá-las e o Parlamento não usa de suas prerrogativas para limitá-las.
Ficam assim ambos dedicados ao ofício de enxugar gelo sem chegar a lugar algum. Depois dos desabafos algo fora do tom de Mercadante e João Paulo, os dois se reuniram com o presidente da República e, como sempre se faz há um ano e onze meses depois de uma reunião, criaram uma comissão.
Agora, para estudar a mudança do rito de tramitação das medidas provisórias, já modificado em relação ao modelo original, por exigência da oposição e empenho do então presidente da Câmara, o tucano Aécio Neves, no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Não faz muito, portanto.
Basicamente as MPs deixaram de ser editadas indefinidamente e passaram a ter prazo de validade ao fim do qual trancam a pauta de votações do Congresso e, se não examinadas, “caducam”, deixam de produzir efeito.
O atual governador de Minas Gerais discorda quando se aponta equívoco naquela alteração. Ele acha que houve avanço. Mas, na prática, acabou-se criando uma instância de paralisia dos trabalhos legislativos.
E pior: sem que a isso correspondesse nenhum ganho no aperfeiçoamento das MPs, cuja concepção é dotar o Executivo de um instrumento para tomada de decisões tão urgentes e relevantes que justifiquem a dispensa dos trâmites normais dos projetos de lei no Parlamento e possam entrar de imediato em vigor.
Ora, se o Poder Executivo não tem noção de limite – e está para nascer o governante que o tenha em estado perfeito no tocante aos próprios atos –, a medida provisória torna-se a maneira mais fácil de governar. Basta assinar o nome e não fazer a menor cerimônia de transferir o problema ao Congresso.
Sim, porque a não ser que a MP em questão seja um escândalo colossal, se porventura sustar seus efeitos o Parlamento ainda será acusado de trabalhar contra o País. A bordo dessa posição confortável, o Executivo extrapola sem constrangimento.
Só que a Constituinte de 1988 deu ao Legislativo a condição de barrar uma MP logo no início, mediante o exame de sua constitucionalidade, pela Comissão de Constituição e Justiça e por sua relevância e urgência por uma comissão especial.
Devolvidas meia dúzia, estaria muito mais bem administrado o problema do que da forma como hoje as coisas acontecem: ou as medidas vão direto a plenário ou são examinadas por uma comissão constituída por parlamentares servis ao Planalto e são aceitas incondicionalmente.
Resultado: junta-se voracidade administrativa e noção ilimitada do exercício do poder com submissão, leniência e inoperância, e não se pode obter outra coisa a não ser um quadro de deformação institucional onde um Poder atropela, o outro se deixa atropelar, nenhum dos dois toma uma providência e ficam nisso, transferindo responsabilidades, eternamente discutindo a relação.
BC blindado
Os líderes da oposição na Câmara já fizeram chegar ao Governo sua disposição de apoiar a concessão de foro especial na Justiça ao presidente do Banco Central, mas reiteraram também a posição contrária a que isso seja feito através de medida provisória conferindo status de ministro a Henrique Meirelles.
A MP entra na pauta do Congresso na terça-feira e é considerada prioritária para o Palácio do Planalto, embora só perca a validade no dia 13 de dezembro. À resistência da oposição deverão se somar as divergências de petistas com a condução de Meirelles à frente do BC.
O líder do PFL na Câmara, deputado José Carlos Aleluia, propõe uma forma “limpa” de resolver a questão: o Governo desiste da MP, apresenta proposta legislativa incluindo o presidente do Banco Central entre as autoridades com foro especial nos tribunais superiores, negocia a urgência e Aleluia garante que a oposição apóia.
“Se um ministro da Pesca tem essa prerrogativa, faz muito mais sentido ainda que o presidente do Banco Central seja protegido da perseguição de um Luiz Francisco”(de Souza, o procurador), argumenta o líder.
Para Aleluia, o Governo conseguiria mais facilmente o apoio da oposição se aproveitasse a oportunidade para pôr em pauta a autonomia do BC.
* Posted on: Sun, Nov 28 2004 2:47 AM

domingo, novembro 14, 2004

Diogo Mainardi A invenção do brasileiro



"Quem inventou a figura do brasileiro foi
a ditadura getulista. Inventou uma raça,
inventou uma língua, inventou mitos,
inventou o futebol, inventou o Carnaval,
inventou a música popular. A ditadura getulista
inventou o brasileiro para melhor dominá-lo"


O brasileiro não existe. É uma enganação. Uma mentira. Venho repetindo esse conceito sem parar, aborrecidamente, em todos os meus artigos e livros: o brasileiro é uma mentira, o brasileiro é uma mentira, o brasileiro é uma mentira.
Quem inventou a figura do brasileiro foi a ditadura getulista. Inventou uma raça, glorificando a miscigenação de brancos, negros e índios, fruto de um estupro coletivo. Inventou uma língua, com a simplificação das regras gramaticais. Inventou mitos, como o de Aleijadinho, o brasileiro desafortunado que não desiste nunca, uma espécie de Vanderlei de Lima barroco. Inventou o futebol, difundindo-o entre os mais pobres, com a filha do presidente no papel de madrinha da seleção. Inventou o Carnaval, com seus enredos patrióticos. Inventou a música popular, com a Rádio Nacional. A tão admirada musicalidade do brasileiro nasceu aí, nesse ambiente goebbeliano: Lamartine Babo e Ary Barroso, Emilinha Borba e Vicente Celestino, Francisco Alves e Carmem Miranda eram apenas iscas destinadas a fisgar o populacho para o noticiário da Hora do Brasil, que divulgava as imposturas do governo.
A ditadura getulista inventou o brasileiro para melhor dominá-lo. Ditaduras são assim mesmo. Criam instrumentos para reprimir todas as formas de oposição. A propaganda do regime insistia em noções como identidade nacional, orgulho nacional, sentimento nacional, mentalidade nacional. A idéia era transformar a unidade da nação em valor supremo, inatacável. Como era o governo a tutelar essa unidade, quem quer que atacasse o governo podia ser acusado de cometer um atentado contra a nação. Ia parar na cadeia. As cartilhas escolares eram proibidas de manifestar "pessimismo ou dúvida quanto ao poder futuro da raça brasileira". E a imprensa era censurada com o propósito de "combater a penetração ou disseminação de qualquer idéia perturbadora ou dissolvente da unidade nacional".
A Itália de Mussolini passou por isso. A Alemanha de Hitler também. A diferença é que Itália e Alemanha se livraram do discurso totalitário de sessenta anos atrás. E o Brasil continuou igual, remoendo idéias de 1930. Os grandes nomes da nossa intelectualidade e da nossa cultura ainda são aqueles velhos colaboracionistas da ditadura getulista, que ajudaram a forjar a imagem do brasileiro: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Villa-Lobos, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Portinari, Vinicius de Moraes, Cecília Meireles, Humberto Mauro, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer. Getúlio Vargas sabia que o melhor jeito para lidar com artistas e intelectuais era arranjar-lhes um servicinho. Até Graciliano Ramos foi beijar-lhe a mão, depois de ter sido preso por ele.
Cultura é contraposição, enfrentamento, insulto, tabefe. No Brasil aconteceu o contrário. Criada por decreto pelo Estado autoritário, nossa cultura só gerou conformidade, acomodação, adesismo, subordinação. O melhor para o Brasil seria o brasileiro desistir de ser brasileiro.

segunda-feira, novembro 08, 2004

Diogo Mainardi O partido do topa-tudo



"Lula vai perder em 2006 pelo mesmo
motivo pelo qual perdeu as eleições
municipais: os eleitores estão nauseados
com o comportamento do PT"


Primeiro: Lula vai perder em 2006. Segundo: Geraldo Alckmin será eleito para o seu lugar. Terceiro: a maior preocupação, a partir de agora, é saber quem fará oposição ao futuro presidente. Os petistas não poderão cumprir esse papel. Depois de quatro anos se esbaldando em Brasília, estarão desacreditados não só como governo, mas também como oposição. Com Lula aposentado em São Bernardo do Campo, o partido tenderá a ser desmantelado, dando origem a uma infinidade de grupelhos parlamentares, em guerra um com o outro. O risco, portanto, é que Geraldo Alkmin governe hegemonicamente, sem oposição organizada. Ruim para o Brasil.
Lula vai perder em 2006 pelo mesmo motivo pelo qual perdeu as eleições municipais: os eleitores estão nauseados com o comportamento do PT. O país poderá até crescer 4% ao ano, graças à segunda linha do PSDB infiltrada no comando da economia, mas os petistas estão acabados politicamente, porque continuarão a ser vistos como uma gente disposta a cometer qualquer indignidade para preservar o poder. O PT será sempre identificado como o partido que governa em benefício próprio. Que emprega milhares de militantes em cargos de confiança. Que desvia verbas de estatais para financiar espetáculos de duplas sertanejas em campanhas eleitorais. Que persegue a imprensa. Que segue a tradição coronelista de distribuir esmolas em troca de votos. Que compra o apoio de outros partidos com malas cheias de dinheiro. Que abusa dos gastos em propaganda. Que recebe doações milionárias de empreiteiros acusados de corrupção. Que se alia desavergonhadamente a políticos que sempre combateu. Que dá carta branca a seu tesoureiro em reuniões ministeriais. Que protege os amigos do presidente.
A falta de escrúpulos não é privilégio do PT. Pelo contrário. É comum a todos os partidos. Os políticos brasileiros são tão corruptos, mas tão corruptos, que corrompem até CPI da corrupção. Foi o que aconteceu na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, durante a CPI do caso Waldomiro Diniz. O deputado peemedebista André Luiz, na tentativa de achacar Carlinhos Cachoeira, disse: "O Waldomiro era um dos caixas do José Dirceu, todos sabem disso". O ponto mais devastador para os petistas não é a alegação de que Waldomiro Diniz seria o caixa de José Dirceu. Ou a suspeita de que ele não seria o único. O pior, a esta altura, é aquele "todos sabem disso". José Dirceu não reagiu às declarações infamantes do deputado André Luiz. Não prometeu processá-lo. Não ameaçou meter-lhe um tiro no peito, como quando Tasso Jereissati acusou o tesoureiro petista, Delúbio Soares, de "roubalheira". Preferiu abafar o assunto, da mesma maneira que os parlamentares petistas abafaram a abertura de uma CPI sobre o caso Waldomiro Diniz, no Congresso Nacional. O fato, porém, é que "todos sabem" dos métodos petistas. Ou acreditam saber. O PT foi desmoralizado. A imagem de partido que topa qualquer parada colou no PT. E ninguém descola mais.

segunda-feira, outubro 25, 2004

Diogo Mainardi Sem medo de meter medo

Diogo Mainardi

"Para atrair os eleitores ricos, a principal
promessa dos candidatos petistas é que
seus programas assistenciais vão diminuir
a criminalidade. Ou seja, os pobres, para os
petistas, estão sempre caindo na bandidagem"


Rico não sabe votar. É o que dizem os petistas. José Genoíno: "Temos que mostrar aos eleitores mais ricos que eles estão enganados". Eduardo Suplicy: "Os eleitores mais ricos precisam saber dos benefícios que foram feitos para a população carente. Só assim nossa comunidade vai ser melhor". Marta Suplicy: "Se uma pessoa não usa o Bilhete Único, não vai ao CEU e seu filho não ganhou uniforme escolar, eu digo que essa pessoa precisa ser mais generosa. Este é o caminho para termos mais harmonia na cidade". Os partidários de Marta Suplicy comemoraram porque, no primeiro turno, ela ganhou de José Serra no Capão Redondo, um dos bairros mais pobres de São Paulo, mas perdeu no Jardim Paulista, um dos mais ricos. A mensagem é: os eleitores pobres e com baixa escolaridade sabem o que é bom para a cidade. Os ricos e com alta escolaridade, por outro lado, são tão tapados e egoístas que acabam votando contra seus próprios interesses.
Para tentar atrair o eleitorado mais rico no segundo turno, a principal promessa dos candidatos petistas é que seus programas assistenciais vão diminuir a criminalidade. Aloízio Mercadante teoriza que é preciso dialogar com os mais ricos, mostrando a eles que "a solidariedade social é fundamental para superar a insegurança". Ou seja: se os ricos querem que os pobres roubem um pouquinho menos, devem entender que é necessário pagar-lhes a condução até o serviço. No ano passado, os petistas censuraram o companheiro José Graziano, que associou a migração nordestina à criminalidade, mas todos eles pensam da mesma maneira. Os pobres, para os petistas, estão sempre caindo na bandidagem. E os ricos só aceitam distribuir a renda na marra, com uma arma apontada para a cabeça.
Se a população com alta escolaridade é mais tapada e egoísta que a com baixa escolaridade, por que os petistas não param com essa bobagem de construir escolas? Chega de escolas. O Brasil já tem escolas demais. O problema do país não é a falta de escolas, mas o que se ensina dentro delas. A qualidade do ensino público é tão ruim que não compensa o investimento. O ensino obrigatório é um embuste como o Bolsa-Família. Só serve para tapear o eleitorado. Os pobres são iludidos pela idéia de que a escola garantirá a seus filhos um futuro menos indigente, o que é uma burla. E os ricos são iludidos pela idéia de que os pobres sairão da escola mais capacitados para o mercado de trabalho, o que é outra burla. Nos programas dos educadores petistas, a escola é apontada como a solução para tudo. Atribuem-lhe as seguintes funções: romper a exclusão social, aumentar a oferta de emprego, combater a discriminação racial, reabilitar menores infratores, promover a reciclagem de lixo, melhorar a saúde bucal, resgatar a bacia leiteira do agreste pernambucano e incrementar o padrão de vida nas comunidades quilombolas. Só não se fala em ensinar tabuada e colocação pronominal.
Rico não sabe votar. O único rico que sabe votar é Paulo Maluf. Ele vota em petista. Deve estar com uma arma apontada para a cabeça.

domingo, outubro 24, 2004

FERNANDO GABEIRA Notas sobre um sarau em Brasília


Quando o marxismo me frustrou como explicação do mundo, fui chorar no ombro da antropologia. Devo muito a essa disciplina, mas fui infiel a ela, antes mesmo de deixar o curso em Estocolmo.
Notícias banais, como o encontro do presidente com a cúpula do PTB em Brasília, deixam uma certa fome de interpretação que a simples análise política não consegue saciar.
O objetivo almejado pelos anfitriões era um afago público do presidente. Emerge aí uma dimensão que merecia um estudo específico: afago público do presidente. Para os políticos, isso representa prestígio, uma vez que seu poder pode ser medido pela proximidade com o dirigente máximo do país.
Na China, por exemplo, as coisas eram mais complicadas. Era preciso analisar a posição das pessoas no palanque para inferir o grau de poder e, em caso de modificações, avaliar o resultado das lutas políticas internas.
O afago de um presidente tem um valor político e um valor sentimental, sobretudo quando se trata de um anônimo na multidão.
Constatei em centenas de comícios como certas pessoas clamam para serem vistas e receberem um aceno do líder. Ele encarna o reconhecimento público e, ao reconhecer um rosto na multidão, o integra nessa corrente de emoções e esperanças.
O jantar de Brasília foi na verdade um sarau, com um pianista e uma soprano. Era um encontro de casais e, naturalmente, estava lá a mulher do presidente. No Brasil, chamamos as mulheres dos presidentes de dona. Como nas novelas de época do SBT, dona Antônia, dona Beija.
A escolha da soprano e do pianista representava uma intenção de introduzir uma diversão sadia e intelectualizada. Foi uma escolha do anfitrião, Roberto Jefferson, que estuda canto das 7h às 9h. Segundo seu relato, dedicava-se ao tiro ao alvo, mas resolveu buscar outra atividade para relaxar.
Do tiro ao alvo ao sarau não parece ter havido grande ganho em relaxamento. No entanto um atirador, ao abandonar as armas e cantar "Eu Sei que Vou te Amar", revela uma transição brusca. O primeiro impulso previsível talvez fosse uma banda de heavy metal. Não é a questão central.
O centro para mim seria examinar como encontro político, que pressupõe uma intensa troca racional, mergulho tanto no terreno das emoções que, a certa altura, a julgar pelas notícias, a soprano foi para os ares ao som de "Sentimental Demais", de Altemar Dutra, cantado pelo anfitrião.
Todo o mistério desse noite concentra-se nessa troca emocional, revelando que a moeda política clássica, cargo, funções, ajuda material, pode ser enriquecida com o componente afetivo, abraços, canções, afagos.
Políticos são muito volúveis. Quando cantam "Eu Sei que Vou te Amar", sabem que aquele verso "por toda a minha vida" não é para valer. Isso não os diferencia dos amantes. Quantas vezes cantamos o verso "por toda a minha vida" e nos perdemos na primeira esquina?
A diferença dos amantes é que acreditam no que cantam e ficam arrasados quando constatam que tudo acabou.
Neste momento, no Brasil, afagos, como posições no palanque chinês, devem ser analisados e podem ser um instrumento adicional ao entendimento da história.
O único detalhe é saber se o sarau de Brasília vai ajudar a transformarmos o tiroteio nos morros do Rio numa grande sinfonia. Ou fazer com que a favela de Bel-Air em Porto Príncipe, em vez de se rebelar contra a derrubada de Aristides, toque "Someday My Prince Will Come".
Esse jantar de codornas recheadas foi preparado para nós. Os jornais nos deram os dados. Você vê os homens de pé diante de um sofá vermelho onde há uma bolsa preta. Isso indica que as mulheres foram afastadas para que a mensagem politíco-sentimental tivesse um foco no acordo de cavalheiros.
O presidente parece um pouco surpreendido, arrumando a roupa como se a coisa tivesse acontecido rápido demais para ele. Todos os olhares se voltam para o anfitrião. Uma das araras do quadro ao fundo abaixa a cabeça, mas democracia é isso mesmo.
O anfitrião do presidente mostrou que é possível passar do tiro ao alvo para o samba-canção. O próximo passo é passar de uma novela de época do SBT para os grandes problemas do nosso século.
Creio que é o desejo majoritário dos convivas simbólicos do jantar, os que acompanharam pelos jornais. Pode ser que uma minoria sensível, a soprano quem sabe, preferisse os tiros de pistola à interpretação musical de Jefferson.
Mais uma vez: é a democracia. Se excluirmos os pessimistas José Simão, Diogo Mainardi e Casseta e Planeta, que bombardeiam nossa auto-estima, todos acharemos isso muito sério.
Mesmo sabendo que o presidente não cantou naquela noite, intuímos que um clima musical envolve o Planalto. O samba-canção, como filosofia ou roupa íntima, é sempre mensagem de estabilidade.
Nem sempre nossas mensagens são entendidas. Acreditamos que uma partida de futebol ajudasse a resolver o drama de dois séculos do Haiti. Quem sabe, um bom Altemar Dutra não vem a nosso socorro?
Eles vão continuar jantando, trocando afagos e cantando "Eu Sei que Vou te Amar". Como mineiro, não posso abaixar a cabeça como a arara nem deixar a bolsa no sofá e sair da sala. Olhe bem as montanhas, clamam alguns muros de nossa Província.

sexta-feira, outubro 15, 2004

Diogo Mainardi Nossa auto-estima

Diogo Mainardi Só vale piada de fanho

"Segundo o Serpro, os formadores de opinião
que potencializam nossa baixa auto-estima
e conspiram contra o progresso da nação são
Casseta e Planeta, José Simão e eu. Os petistas
agora querem enquadrar os humoristas"

O melhor do Brasil é o brasileiro. É o lema de uma campanha
publicitária petista. Se de fato o melhor do Brasil é o brasileiro,
imagine como é ruim o resto do país.

A campanha se baseia na história de brasileiros que souberam superar
graves dificuldades. De acordo com os promotores da iniciativa,
exemplos positivos podem contribuir para elevar nossa auto-estima. Os
petistas insistem que a falta de auto-estima é o maior empecilho para
o desenvolvimento nacional. Maior do que a esquistossomose. Eu já vi
governantes se inspirarem na obra de Maquiavel, Montesquieu e
Tocqueville. Os petistas deram um passo adiante e se tornaram os
primeiros governantes da história a se inspirar nas palestras
motivacionais de Stephen Covey.

O Serpro, empresa estatal vinculada ao Ministério da Fazenda, divulgou
recentemente um relatório em que manifesta a seguinte preocupação:
"Certos formadores de opinião, ultrapassando a fronteira entre a
crítica sadia e o humor destrutivo, acabam funcionando como
potencializadores da baixa auto-estima". Segundo o Serpro, os
formadores de opinião que potencializam nossa baixa auto-estima e
conspiram contra o progresso da nação são Casseta e Planeta, José
Simão e eu. Depois de enquadrar os jornalistas e os promotores
públicos, acho que os petistas querem dar um jeito nos humoristas. De
agora em diante, só poderão contar piadas de fanho.

Os petistas do Serpro certamente sabem o que é melhor para o Brasil. O
diretor da empresa, Wagner Quirici, é homem de confiança do ministro
da Fazenda, Antonio Palocci. Quando Palocci era prefeito de Ribeirão
Preto, conferiu a Quirici o comando da Ceterp, a operadora local de
telefonia. A Ceterp foi privatizada durante a gestão Palocci. "A preço
vil", na avaliação do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos
Mendonça de Barros.

A campanha "O melhor do Brasil é o brasileiro" foi criada pelos
publicitários da Lew Lara. Um de seus sócios, Luiz Lara, disse que a
idéia surgiu durante uma conversa com o ministro Luiz Gushiken. A Lew
Lara garante que não cobrou nada pelo serviço. Por outro lado, já
faturou mais de 50 milhões de reais em propaganda para o governo, uma
área coordenada por Luiz Gushiken. Se é assim que funciona, até eu
aceito fazer trabalho voluntário.

A Lew Lara fundamentou a campanha publicitária em algumas pesquisas
que comprovariam nossa falta de auto-estima. Uma dessas pesquisas
apontou que apenas 22% dos brasileiros confiam plenamente em seus
compatriotas. O número não deve ter surpreendido o outro sócio da Lew
Lara, Jacques Lewkowicz. Um dos maiores sucessos de sua carreira foi a
campanha do cigarro Vila Rica, em que Gérson afirmava que o importante
é levar vantagem em tudo. Como declarou o próprio Lewkowicz, o bordão
se tornou "uma metáfora de todo tipo de falcatrua e malandragem, e
passou a exprimir uma crítica social muito forte". A propaganda
oficial parece querer dizer que todos os governantes são malandros e
praticam falcatruas, menos os petistas, que devem merecer nossa
completa confiança.

Alguém aí pode me passar uma boa piada de fanho

domingo, setembro 26, 2004

Diogo Mainardi Lula dá azar

Lula dá azar
"Tempestades, chamas, mares de sangue
e gafanhotos: não pretendo fazer ilações
injuriosas, mas tudo lembra os flagelos do
Apocalipse, com o angélico Luiz Gushiken
a cargo das sete trombetas"


Lula foi a Nova York e resolveu o problema da fome no mundo. Muito bem, presidente. Em compensação, temo pelo que possa acontecer, de agora em diante, a Nova York. Se eu fosse o prefeito da cidade, decretaria urgentemente o estado de alerta. Uma catástrofe irá se abater sobre seus habitantes. Talvez seja uma canalhice revelar esse fato, mas Lula (toc-toc-toc) dá azar. Com assombrosa regularidade, desastres naturais acompanham a passagem de sua comitiva presidencial.
Veja só: em agosto, Lula (toc-toc-toc) visitou a República Dominicana e o Haiti. Em seguida, os dois países foram devastados pelo furacão Jeanne, que causou centenas de mortes. Em julho, o presidente passou por Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Poucas semanas depois, a região foi assolada por um incêndio florestal de grandes proporções. Ainda em julho, Lula (toc-toc-toc) viajou para Cabo Verde e Guiné-Bissau. Assim que ele foi embora, surgiram os primeiros sinais de uma gigantesca infestação de gafanhotos naquela parte da África. Em maio, o presidente foi à China. Nos dois meses seguintes, tufões castigaram o país, provocando mais de 600 mortes. Tempestades, chamas, mares de sangue e gafanhotos: não pretendo fazer ilações injuriosas, mas tudo lembra os flagelos do Apocalipse, com o angélico Luiz Gushiken a cargo das sete trombetas.
O último episódio dessa impressionante série de desastres naturais foi a enchente na continuação da Radial Leste, em São Paulo, um dia depois de oficialmente inaugurada por Lula (toc-toc-toc). Na ocasião, apesar de estar em viagem oficial paga pelos contribuintes, o presidente pediu votos para Marta Suplicy, candidata à reeleição em São Paulo. Considerando o rastro de destruição que costuma acompanhá-lo, a prefeita deve estar batendo na madeira. Quem deu o melhor argumento para votar contra Marta Suplicy foi a própria Marta Suplicy. Ela disse que sua eventual derrota teria o efeito de desencadear a corrida presidencial. Um dos aspectos mais deletérios do petismo é a falta de pudor no uso da máquina pública, como na inauguração da Radial Leste ou, pior ainda, na cooptação de parlamentares de outros partidos por meio de verbas e cargos. Uma derrota na prefeitura de São Paulo criaria a perspectiva de uma derrota de Lula (toc-toc-toc) nas próximas eleições presidenciais, enfraquecendo o governo e dando um pouco mais de coragem a quem tem o dever de denunciar os abusos do poder central, como magistrados e jornalistas.
O maior responsável pela desenvoltura de Lula (toc-toc-toc) é Fernando Henrique Cardoso (toc-toc-toc). A emenda constitucional que permitiu sua reeleição foi o mais profundo retrocesso democrático, desde os tempos da ditadura. No Brasil, o Estado controla mais de metade da economia. Isso dá aos governantes demasiado poder de barganha. A possibilidade de permanecer no cargo por oito anos os torna praticamente incontrastáveis. Sempre que se fala em reforma política, a principal preocupação de deputados e senadores é tomar nosso dinheiro e aumentar o financiamento público aos partidos. O primeiro ponto de uma reforma política deve ser outro: o fim da reeleição.

segunda-feira, agosto 23, 2004

Agosto 23, 2004

Agosto 23, 2004
João Ubaldo Ribeiro 23 08 2004 Realismo nacional
By thameyer
Vivendo e não aprendendo. Volta e meia, se bem deva ressaltar que é nas ocasiões em que me acho provocado ou convocado, tenho uns ataques de indignação a que dou vazão por escrito. E aí, no dia da publicação, retorna a sensação que me acompanha desde que peguei experiência em jornalismo: coisa mais besta, não adianta nada ficar falando ou reclamando, nunca adiantou. Sim, claro que, em oportunidades especiais (ou “tópicas” — tenho lido muito esta palavra e não sei bem o que querem dizer com ela, mas soa chique e resolvi usá-la, também sou filho de Deus), escrever sobre algum problema ajudou a resolvê-lo. Mas somente o problema, não a situação que o causou ou o estado de coisas em que sempre vivemos, embora piorado nos últimos anos. (Não estou falando mal do governo agora; olá, pessoal que adora ler nas entrelinhas, não tem entrelinha nenhuma, não estou falando mal do governo, estou falando da vida em geral nos anos mais recentes, garanto a vocês.)
Por mais que tente e faça conferências aos amigos e a mim mesmo sobre como é burrice ficar dando murro em ponta de faca, em vez de cuidar da vida como todo mundo de juízo, insisto nos maus hábitos. Dei até para achar que o dr. Fernando Henrique estava coberto de razão em descrever e anatematizar a categoria dos catastrofistas. Como muitas vítimas de certas enfermidades incapacitantes, passei por um longo período de negação, mas a verdade é que me descobri um catastrofista. Que me reste pelo menos a coragem de discutir em público problema tão toldado pelo preconceito, considerado tabu e até mantido em sigilo pelos familiares do padecente. O fato é inegável, eu sou um catastrofista e não sei se já criaram os Catastrofistas Anônimos, mas, se criaram, bem que eu podia freqüentá-los.
Vou combater o catastrofismo, não chegarei ao fundo do poço. E a Providência, sempre atenta aos necessitados, já me socorreu, acho que nem precisarei de outra ajuda. No domingo passado, encontrava-me eu no boteco, na distinta companhia de diversos notáveis cujos nomes a modéstia me impede de citar, principiando um comício sobre a decisão que, segundo li nos jornais, proíbe que as prestações de crediários sejam pagas em dinheiro. Vão ter que ser pagas em cheque, cartão, qualquer instrumento bancário. Isso invalida o curso livre da moeda nacional como meio de pagamento e obriga os pobres a ter contas bancárias. Todos pagarão taxas bancárias e CPMF, para quitar suas prestações. Coisa absurda, comecei a blaterar, mais uma manobra para dar dinheiro aos bancos e aumentar a arrecadação. Mas, assim que comecei a falar, fui gentilmente interrompido por um companheiro, que me fez ver não ser bom para minha pressão arterial ficar tão indignado assim. Naquele mesmo domingo, esta coluna já tinha saído meio belicosa. Nesse passo eu ia acabar tendo uma morte fora de moda, por apoplexia. Já pensara eu em que notícia desairosa? “Imortal morre de apoplexia.” Ia pegar mal, apoplexia não se usa mais. Muito chato para a imagem da Academia, ainda mais a troco de nada.
— Me diz uma coisa — falou o sábio companheiro —, você está vendo alguém ligando para esses negócios que deixam você tão fora de seu normal, que é tão bem-humorado? Alguém está ligando?
— Eu estou ligando, muita gente está ligando, o povo todo está ligando, qualquer um pode constatar isso.
— Você me desculpe, eu tenho grande respeito intelectual por você, não vai nisto nenhum demérito, mas é o contrário do que você disse. O que você pode constatar é que ninguém está ligando.
— Não concordo. Toda hora alguém fala.
— Fala! Isso é outra coisa. Mas ligar efetivamente, não. É uma boa ser revoltado, mas ser revoltoso dá muito trabalho. O Brasil é assim, sempre foi assim, vai continuar assim, a nossa é esta mesmo, está todo mundo satisfeito.
— Não está! Isso é uma completa maluquice sua.
— Desculpe, mas a maluquice é sua. Quando eu digo “todo mundo”, claro que estou generalizando, há sempre alguns, desculpe, um tanto fora de prumo como você, ou que estão com problemas e reclamam, mas ninguém está ligando, mete isso na cabeça de uma vez e pára de te aporrinhar à toa. Se o problema toca no sujeito, aí é diferente, aí ele vira bicho, vai brigar, entra na Justiça, faz carta pro jornal e promove até passeata. Que, por sinal, para muita gente aqui no Rio, é um programaço, até a azaração come solta. Mas, se não incomodar ele, pode deixar tudo aí, que está ótimo. Olha aí o boteco, todo mundo numa boa, não tem ninguém preocupado com merda de liberdade de imprensa nenhuma, nem com CPMF, todo mundo sabe que é isso mesmo e que o negócio é se arrumar, o exemplo começa bem em cima. Pronto, acho que consegui resumir. Enfia isto na cabeça, de uma vez por todas: o lema de todo mundo é “o único problema é o meu e o que interessa na vida é me arrumar”. Eu sei que você é idealista e tal, mas não é burro, tem que se curvar à realidade. E a realidade é essa, o negócio de todo mundo é se fazer, o brasileiro é assim. Até no seu caso, pode ter certeza de que muita gente acha que você está levando alguma vantagem nessas tuas posições. Ou então é inocente útil ou otário, o povo todo acha que o que interessa é se fazer. E para mim está certo, você sabe? O que é esta vida? É a que é que a gente leva. O povo está certo, o negócio é se fazer, porque é aqui que se vive e, se a gente não aproveitar agora, enterrado é que não vai aproveitar. Sacou, meu paladino? Como é, não vai mexer os pauzinhos pra levar a grana de nenhum prêmio literário este ano, não? Não vem me dizer que não se mexe pauzinho para ganhar esses prêmios, também assim você já está babacão demais. O cara, pra se dar bem... JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.
Publicadoem: Mon, Aug 23 2004 3:14 PM

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