Um guia para quem deseja conhecer o Riquistão – a terra
virtual em que vivem os novos ricos americanos
Jerônimo Teixeira
Oren Slor | ||
The Producer, tela do pintor John Currin, o mais cáustico observador da elite americana: fortunas instantâneas | ||
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"Os ricos são diferentes de você e de mim", escreveu F. Scott Fitzgerald no conto The Rich Boy, de 1926. "Sim, eles têm mais dinheiro", retrucou seu amigo e rival Ernest Hemingway. O jornalista americano Robert Frank, autor de uma coluna sobre riqueza no The Wall Street Journal, acha que Fitzgerald está com a razão. Os ricos, por definição, têm mais dinheiro – mas eles ainda se distinguem da média (ou da classe média) por uma série de características culturais e comportamentais. Nos Estados Unidos, os super-ricos teriam se distanciado da sociedade em geral, a ponto de hoje viverem em uma ilha de privilégio, um país sem fronteiras, batizado por Frank no título de um saboroso livro recém-lançado no Brasil: Riquistão (tradução de Alessandra Mussi; Manole; 248 páginas; 49,90 reais). É uma turma de fato muito diferente, às vezes exótica, que desfila pelo país que Frank inventou. O novo rico não se contenta apenas em ter seu jatinho particular: ele faz questão de ter um assento de couro de jacaré na privada do avião.
A riqueza é um tema complicado, repleto de armadilhas para quem deseja retratá-la com objetividade. De um lado, há o impulso fácil de atribuir uma mancha moral a todos os ricos, de culpá-los pela pobreza e por todos os males do mundo. E existe também a sedução oposta: o deslumbramento diante do glamour dos endinheirados. Frank escapou habilmente das duas arapucas. Nem heróis, nem vilões, os personagens de Riquistão formam uma nova geração de ricos, que tomou o lugar dos herdeiros das velhas fortunas. São os beneficiários de uma era de inovação tecnológica e fluxo de capitais sem precedente na história dos Estados Unidos e do mundo. Muitos fizeram fortunas no fim dos anos 90, antes que estourasse a chamada "bolha" da internet, que elevou às alturas as ações de empresas ligadas à rede (o estouro da bolha, é claro, também arruinou muita gente – e há um capítulo melancólico em Riquistão sobre um ex-bilionário que viu suas ações virar pó em 2000 e hoje vive endividado). Mas não é só a internet que produz fortunas. Milhões, às vezes bilhões, foram acumulados com brinquedos para piscina, bibelôs de porcelana e xampus.
Nunca houve tantos ricos nos Estados Unidos. Só em 2005, surgiram 227 000 novos milionários no mercado financeiro americano. Um ano antes, pela primeira vez na história, a população de milionários nos Estados Unidos ultrapassou a da Europa inteira. Esse novo contingente de ricaços tem uma mentalidade muito diversa da dos magnatas legendários do século XIX e início do século XX. Os grandes heróis do capitalismo americano, gente como John D. Rockefeller ou Henry Ford, zelaram para que os impérios que construíram durassem por gerações. Os ricos de hoje, ao contrário, abraçaram a natureza volátil do capital: montam empresas já de olho na possibilidade de vendê-las por uma nota preta assim que se apresentar a oportunidade.
Com base em dados de consultorias e do banco central americano (Fed), Frank calcula que existam cerca de 7,5 milhões de lares americanos com patrimônio entre 1 milhão e 10 milhões de dólares – mas esse é apenas o "baixo Riquistão", a classe mais chinfrim do país. No topo da pirâmide, estão cerca de 400 bilionários (em 1985, existiam apenas treze). Esse crescimento da riqueza trouxe pressões extras sobre a classe média alta, que se endivida na tentativa de emular os mais ricos. Os riquistaneses, afinal, são praticantes do que o economista americano Thorstein Veblen chamou de "consumo conspícuo" (veja o quadro abaixo): os produtos que eles compram servem sobretudo para propagandear a afluência do proprietário. Frank conta o caso de um ricaço de Palm Beach que se tornou alvo de deboche de seus pares por presentear a namorada com um Mercedes SLK de 50.000 dólares – e teve de trocá-lo pelo modelo SL, de 110.000 (em tempo: lançado nos Estados Unidos no ano passado, Riquistão não diz nada a respeito do impacto da recente crise imobiliária americana sobre os novos ricos. Mas, no blog que Robert Frank mantém no site do The Wall Street Journal, já se atestou uma queda de 52% nas vendas da Jaguar no mês passado, em comparação com janeiro de 2007).
A competição ostensiva estende-se também ao tamanho das mansões e dos iates. Essa briga de peixes grandes inflaciona o mercado de imóveis e planos de saúde, por exemplo, o que prejudica os mais pobres e aumenta a desigualdade. Mas os economistas também falam de um fenômeno chamado trickle down (algo como "pingadinho para baixo"): as orgias de consumo desenfreado dos super-ricos criam empregos e derramam riqueza para os que estão abaixo. Riquistão não dá uma palavra final sobre esse caráter ambivalente da riqueza – mas o tom do livro é otimista. Riqueza produz mais riqueza: Frank diz que já viu um pedreiro entrar em uma revendedora Ferrari para comprar um carro. Havia feito uma pequena fortuna construindo muros e pátios de mármore para os ricos.
Teoria da festança
Em Riquistão, o jornalista americano Robert Frank cita Thorstein Veblen (1857-1929) para explicar a compulsão dos ricos por comprar brinquedinhos de luxo – iates, carros, relógios de 600 000 dólares. A referência a Veblen tornou-se obrigatória sempre que se fala nos hábitos dos ricaços. Em seu primeiro livro, A Teoria da Classe Ociosa, de 1899, o economista americano cunhou a expressão "consumo conspícuo" para definir o pendor exibicionista tão comum aos milionários. "Por ser o consumo de bens de maior excelência prova de riqueza, ele se torna honorífico", dizia Veblen. As festanças promovidas pelos ricos são um bom exemplo: sua função primordial é demonstrar que o anfitrião pode desperdiçar recursos. O objetivo não é reunir os amigos, mas impressionar os rivais. A Teoria da Classe Ociosa está mais para um ensaio etnográfico sobre a riqueza do que para uma obra de análise econômica. As tendências teóricas heterodoxas de Veblen, somadas a seus modos excêntricos, dificultaram a carreira acadêmica do autor. Descendente de noruegueses que só aprendeu inglês na escola e falava com sotaque, Veblen mostrava pouco apreço pelos alunos e perdeu posições em universidades importantes por causa de seus escandalosos casos extraconjugais. Ele passou os últimos três anos de vida recluso em um chalé nas montanhas da Califórnia.