Entrevista:O Estado inteligente

sábado, fevereiro 23, 2008

Os esquerdistas de Queridos Amigos

Televisão
Com amigos assim...

A nova série da Globo mostra a ressaca da turma
da esquerda com o fim do comunismo


Marcelo Marthe

No ar desde a semana passada, a minissérie Queridos Amigos é ambientada num momento crucial da história recente: o ano de 1989, quando a queda do Muro de Berlim precipitou o fim das ditaduras comunistas do Leste Europeu. O evento não serve apenas de pano de fundo ao enredo de Maria Adelaide Amaral. A ressaca da queda do Muro é o catalisador da trama, centrada no questionamento existencial dos protagonistas – um grupo de amigos que viveu os anos 70 e volta a se reunir por iniciativa de Léo (Dan Stulbach), que está à beira da morte. É uma gente com um pé na contracultura e o outro na militância política. Três deles engrossavam a brigada esquerdóide nos tempos da ditadura militar. Há um dinossauro como Tito (Matheus Nachtergaele), comunista que não abre mão da pregação contra o "individualismo capitalista" nem quando a utopia em que acreditava desmorona de podre. Outro engajado é Ivan (Luiz Carlos Vasconcelos), jornalista que foi militante clandestino, mas muda suas posições ao notar que está fadado à obsolescência. Há, por fim, uma sonsa como Bia (Denise Fraga), hippie que nos anos 70 flertou com o movimento estudantil e foi vítima da tortura. Esses tipos são um amálgama de pessoas reais com quem Maria Adelaide conviveu e que inspiraram seu romance Aos Meus Amigos (1992), em que se baseia a série. "Eu era simpatizante da esquerda e conheci muita gente assim", diz ela. A autora vislumbra até mesmo onde os personagens estariam hoje se fossem de carne e osso (veja o quadro abaixo).

A Maria Adelaide Amaral interessa sobretudo explorar como o fim das certezas de um tempo exerce impacto brutal sobre aqueles que acreditavam com fervor. Em seus melhores momentos, Queridos Amigos expõe quanto tais personagens têm de patético. Tito, o comunista casca-grossa, não se conforma com seu emprego – selecionar moças para sessões de fotos sensuais numa revista de quinta categoria (ele merecia coisa pior, convenhamos). Bia, a bicho-grilo, refugia-se na astrologia para esquecer seus fracassos. No somatório final, contudo, a série acaba tratando essa turma de forma um tanto compassiva, como admite a própria Maria Adelaide. Nos primeiros capítulos, ofereceu-se uma visão para lá de simpática deles como seres humanos, sem que se denunciassem com todas as letras o autoritarismo e o atraso do projeto político que abraçavam. O problema é que as mesmas idéias ainda se arrastam por aí como fantasmas. Prontas a fazer estrago.

BRIGADA ESQUERDÓIDE

O que seriam hoje os personagens da série Queridos Amigos, ambientada em 1989, segundo a autora Maria Adelaide Amaral

Divulgação/TV Globo

Tito (Matheus Nachtergaele)
O personagem: comunista que insiste em suas idéias obsoletas mesmo com a queda do Muro de Berlim
O que seria hoje: militante do PSOL de Heloísa Helena

Ivan (Luiz Carlos Vasconcelos)
O personagem: jornalista e ex-militante forçado a mudar seu discurso com a derrocada do comunismo
O que seria hoje: assessor de imprensa de algum governo do PT

Bia (Denise Fraga)
O personagem: hippie que entrou de gaiata no movimento estudantil e acabou torturada pela ditadura
O que seria hoje: astróloga de sucesso

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