editorial |
O Estado de S. Paulo |
7/2/2008 |
A demissão da ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro, exigida pelo presidente Lula, não estancou as revelações sobre o uso impróprio ou ilícito dos cartões corporativos do governo. Já no mesmo sábado passado em que os jornais noticiavam a saída a contragosto da ministra, que em 18 meses sacou do dinheiro de plástico do Executivo para pagar R$ 171,5 mil só com aluguel de carros, divulgou-se que em 2007 três funcionários do Planalto cobriram com seus cartões R$ 205 mil em gastos para abastecer as despensas e adegas das residências oficiais do presidente. Nada necessariamente ilícito, mas decerto ao arrepio da norma que restringe pagamentos e saques com cartão a situações emergenciais (como hospedagem e alimentação dos seus titulares em viagem, no exercício de sua função pública, por exemplo). O decreto de janeiro de 2005 que regulamentou o uso dos cartões, criados em 2001 e distribuídos atualmente a 11.500 agentes públicos, fala ainda em aquisição de materiais, contratação de serviços de pronto pagamento e entrega imediata, compras de passagens aéreas e diárias. Não surpreende que muitos dos seus portadores tenham interpretado com liberalidade excessiva o texto legal. Dados expostos no Portal da Transparência, da Controladoria-Geral da União (CGU), revelam que o cartão corporativo do segurança pessoal da filha de Lula, Lurian Cordeiro, residente em Florianópolis, serviu no ano passado para comprar autopeças, ferragens, combustível e munições - no valor aproximado de R$ 55 mil, ao todo. Já em São Bernardo do Campo, seguranças da família do presidente pagaram com o cartão do governo, em três anos, despesas as mais diversas, incluindo a montagem e o aparelhamento de uma academia privativa de ginástica. No total do período, foram R$ 149,2 mil. O Portal contém preciosidades. Um funcionário da área de recursos logísticos do Ministério das Comunicações assinou uma compra de R$ 1.400 numa loja do Distrito Federal que vende mesas de sinuca e de pingue-pongue. O gasto não é despropositado, considerando-se o que a loja vende. A sua razão de ser, um mistério. Assim como os R$ 499 deixados pelo Banco Central, via cartão, numa loja de calçados e bolsas. Somando-se os tostões, chega-se a uma fatura extravagante - e em expansão vertiginosa. Como este jornal revelou na edição de 13 de janeiro, as despesas do governo quitadas com cartões corporativos vêm crescendo de ano para ano. Passou-se de R$ 14,1 milhões em 2004 para R$ 75,6 milhões em 2007, dos quais R$ 58 milhões em saques nos caixas eletrônicos. Apenas a Presidência respondeu por R$ 4 milhões do total geral. Isso se sabe. O que não se sabe, a rigor, é quem gasta quanto em que - no Planalto, na Esplanada, nas autarquias, nas agências reguladoras, em suma, na infinidade de parafusos da máquina. Nesse labirinto, a fiscalização é praticamente impossível. Não poderia ser de outro modo quando se descobre, para dar um exemplo, que pelo menos 10 dos 37 ministros declaram gastos com os cartões em nome de assessores e outros subordinados. (Sem falar no caso da ex-ministra: um dia antes de se ir, como quem lava as mãos, ela demitiu dois funcionários que a teriam induzido ao "erro administrativo".) O caso Matilde obrigou o governo a se mexer. Há uma semana, anunciou-se que saques em dinheiro com o cartão passarão a depender de autorização prévia e justificação da necessidade - ainda assim, limitados a 30% do limite de cada cartão e a setores determinados da administração. Locações de veículos mediante cartão, só em situações excepcionais. Bilhetes de viagens e diárias, em nenhuma hipótese. Mesmo supondo que as medidas moralizadoras sejam instituídas como prometido, não está claro, de um lado, se elas servirão para ensinar aos portadores dos cartões - 99% dos quais não ocupam altos cargos no governo - as virtudes públicas da moderação no uso do dinheiro alheio; tampouco está claro se virão a contribuir para estreitar significativamente o controle sobre a utilização apropriada desse meio de pagamento. A adoção, no âmbito governamental, do cartão de crédito corporativo, corriqueiro no mundo dos negócios, foi um progresso para a desburocratização de certos gastos. O problema é o policiamento do abuso, quando são tantos e tão dispersos os usuários e os dispêndios.
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Entrevista:O Estado inteligente
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O descontrole dos cartões
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