Está certo que os produtores europeus querem barrar a entrada da carne bovina brasileira no rico mercado da Europa. Mas é certo também que há culpa brasileira - do governo federal, em especial - nos episódios que levaram a Comissão Européia a suspender as importações do Brasil.
Resumindo a história: fazendeiros europeus temem a competição porque produzem uma carne cara. Assim, fazem pressão contra as importações, dizendo que a carne brasileira é barata por ser produzida sem controle de qualidade.
Não é verdade. Há carne ruim no Brasil, há relaxamento na fiscalização sanitária e no controle das fronteiras, mas há também fazendas com métodos e tecnologia de ponta. O mundo todo sabe disso, inclusive na Europa, onde muita gente quer é aumentar a compra da carne brasileira, mais barata e de primeira. Um quilo de contra filé, que sai no Brasil a menos de R$ 10, custa mais de R$ 60 na Itália e mais de R$ 80 na Inglaterra. Metade disso é imposto, mas, mesmo assim, está caríssimo. Pesa no bolso, é um argumento poderoso a favor da importação.
No balanço das pressões, a Comissão Européia fica como que obrigada a impor exigências variadas aos exportadores brasileiros - controle sanitário do gado, rastreamento, certificação de origem -, justamente para driblar a acusação de que a carne brasileira é barata porque não há cuidados com a qualidade.
Por isso, e até com boa disposição, a Comissão negociou durante anos com o governo brasileiro, enviou inúmeras missões veterinárias, apresentou relatórios, deu prazo para cumprimento de exigências.
Ora, o que deveria fazer o governo brasileiro? Negociar bem as exigências de controle e depois cuidar de cumpri-las. Produtores queixam-se de erros nos dois momentos. De um lado, reclamam que o governo aceitou uma cláusula de rastreabilidade (maneira de certificar a origem do boi) muito difícil de efetivar. E, de outro, não fez o esforço necessário para cumpri-la, tudo culminando no episódio da certificação das fazendas aptas a exportar para a Europa.
Não é que os europeus queriam uma lista com apenas 300 fazendas, como se diz por aqui. A Comissão Européia havia dado prazo para o governo brasileiro entregar a primeira lista e acreditavam os funcionários europeus que não haveria tempo nem condições para fiscalizar um número muito grande de fazendas. Quando receberam a lista brasileira, com 2.861 fazendas certificadas, desconfiaram.
O que fez o Ministério da Agricultura? Recebeu as listas dos governos estaduais, carimbou e mandou para Bruxelas. E, conforme informações recebidas por fazendeiros brasileiros do primeiro time, os europeus desconfiaram das listas excessivas de alguns Estados (como os de Minas, Goiás e de Mato Grosso) e não teriam nada a opor, por exemplo, às fazendas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.
Ou seja, o Ministério da Agricultura, para evitar brigas políticas, não quis ou não pôde arbitrar entre as listas dos Estados. Passou a bola para a Comissão Européia, que melou todo o jogo e suspendeu todas as importações do Brasil e marcou novas inspeções. Ou seja, os europeus não quiseram, pelo menos agora, escolher de uma lista da qual desconfiam.
Digamos que estão, eles, os europeus, fazendo malandragem. Mas o governo brasileiro ofereceu a oportunidade. Aceitou uma regra, não conseguiu cumprir e tentou driblar os europeus. Agora, voltam as negociações e vêm os europeus verificar se a lista vale.
Enquanto isso, o Brasil perde alguns meses de exportação. O nome disso é má gestão, incapacidade administrativa - situação que não é rara no governo Lula. Vai desde grandes mancadas, como essa com a carne, a pequenas trapalhadas.
TRADUÇÃO ERRADA - Para ficar no noticiário da semana, pegue-se o caso Salvatore Cacciola, preso em Mônaco, esperando a decisão da Justiça local sobre o pedido de extradição do governo brasileiro. Lembram-se que o ministro da Justiça, Tarso Genro, viajou às pressas para Mônaco com o objetivo de apresentar o pedido pessoalmente na Corte? Pois, então, deu umas boas fotos e declarações graves do ministro, e nada. O que funcionaria mesmo seria entregar ao juiz de Mônaco todo o processo da Justiça brasileira, contendo a condenação de Cacciola, mas traduzido para o francês. Pois, então, o governo providenciou a tradução - mas o juiz monegasco parece que não entendeu nada. Encomendou uma outra, ao pessoal dele.
ANUNCIA E REANUNCIA - Nas obras do PAC, o governo adotou um método infalível para acertar o cronograma. Está atrasado? Mudem-se os prazos.
Em 27 de maio do ano passado, o presidente da Valec Construções e Ferrovias, José Francisco das Neves, disse que o trem-bala Rio-São Paulo estaria com as obras licitadas ainda no final de 2007 ou no início de 2008. Nada feito.
Mas a promessa foi revalidada e ampliada. Agora, o projeto do trem-bala está incluído no PAC, com previsão de US$ 11 bilhões de investimentos privados. Novos prazos, dados pelo ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento: modelagem do projeto em agosto deste ano e publicação do edital de licitação em março de 2009. Mais ainda: o sistema terá uma segunda perna (São Paulo-Campinas), de modo a ligar os Aeroportos do Galeão, de Guarulhos e Viracopos.
Conclusão: o projeto continua no papel, mas cresceu - o que torna mais vistosa a previsão de investimentos do PAC - e continua no prazo, no novo prazo.
Finalmente, entrou em vigor a proibição de venda de bebida alcoólica nos bares e restaurantes à beira de estradas federais. Rende declarações solenes das autoridades, promessas de rigorosa fiscalização. Ora, a Polícia Rodoviária não dá conta nem do que já tem de fiscalizar - como blitz para aplicar bafômetro pelo País afora. Vão agora os policiais sair procurando latinhas de cerveja embaixo dos balcões?
Entrevista:O Estado inteligente
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