Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

Um nó chamado equilíbrio

Mais uma vez um projeto de lei pretende inovar nas relações entre operadoras e clientes dos planos de saúde privados. Agora a idéia é acabar com as carências dos planos, sob o argumento de que ninguém escolhe o momento de ficar doente e que, portanto, as carências são injustas e as operadoras devem custear as despesas integrais a partir do momento que o cidadão entra no plano.

A idéia, assim de supetão, parece maravilhosa. Os novos participantes passariam a ter atendimento imediatamente após seu ingresso no plano, as operadoras ficariam bonitas na foto e o SUS veria uma parte dos seus custos ser transferida para a iniciativa privada.

É idéia para eleger deputado federal. E é aí que está o perigo: o autor do projeto de lei já é congressista. A capacidade de nossos políticos elaborarem projetos de lei cheios de boas intenções, mas sem muita base na realidade, só é comparável à sua capacidade de querer sempre mais para eles mesmos, pouco se importando com os eleitores que pagam uma enorme festa para a qual não foram convidados.

Pena que como a maioria dos projetos cheios de boas intenções, este também tenha um pequeno problema, capaz de inviabilizá-lo: o valor da conta. Ou será que S. Exa. imagina que a supressão das carências não tem um custo que precisa ser suportado por alguém?

Provavelmente ele ouviu o galo cantar nos terreiros dos planos empresariais, onde as carências são reduzidas, ou até completamente eliminadas, em função do número de participantes do plano.

Este é o nó da questão. O que faz a diferença entre os planos empresariais e individuais é o número de participantes de uma massa segurada com perfil similar e com a possibilidade do reajuste do preço, todas as vezes que a sinistralidade atinge um determinado percentual, normalmente próximo de 60% do valor das faturas.

Vale dizer, por estarem fora da abrangência da lei dos planos de saúde, os planos empresariais são muito melhores do que os planos individuais e familiares. Custam menos, cobrem mais e têm as carências invariavelmente reduzidas ou eliminadas.

Na base deste sucesso não há milagre, há respeito pelos mecanismos que regem este tipo de atividade, como regem os seguros em geral, em qualquer lugar do mundo.

Conceitos e termos como mutualismo, reservas técnicas, estatística, equilíbrio atuarial, massa segurada, cálculo de custo, custo médio, sinistralidade, variações padrão, picos, catástrofe, etc., não podem ser impunemente relegados para segundo plano, como se não tivessem qualquer importância para o sucesso ou o fracasso de qualquer um destes negócios.

As carências não existem para encher o caixa das seguradoras e operadoras de planos de saúde privados. Sua razão de ser é gerar um caixa mínimo para fazer frente à totalidade de eventos que atingem a totalidade da massa, sem colocar em risco a integridade do fundo e a capacidade da operadora atender todos seus clientes. Se estas empresas pagassem todos os eventos a partir do ingresso do segurado no plano, elas simplesmente quebrariam, porque as saídas seriam mais altas do que as entradas.

O suporte básico da imensa maioria destas operações é um fundo composto pela contribuição de todos os seus integrantes, proporcional aos riscos individuais, para fazer frente aos prejuízos ou custos pré-determinados, futuros e aleatórios que atinjam alguns dos participantes. Sem o equilíbrio entre entradas e saídas, este fundo fica inviabilizado.

Sem as carências atuais, a única forma de se manter o equilíbrio dos planos de saúde é o aumento brutal das mensalidades pagas pelos associados. Além disso, estará aberto o caminho para a anti-seleção de riscos. Cada vez que alguém ficar doente entra num plano, paga uma mensalidade, se trata, e em seguida saí.

Como quase sempre acontece quando surgem projetos de lei sem base na realidade, quem vai morrer com a conta é o cidadão consciente, que terá o preço do seu plano aumentado para pagar a cura dos espertos.

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