Marco Antonio Rocha
Afinal, quais são os números corretos do desmatamento na Amazônia?
Primeiro a ministra Marina Silva alarmou o País com números que indicavam um avanço assombroso em tempo assustadoramente curto, principalmente em Mato Grosso. Aí o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, veio à imprensa dizer que havia muito exagero e que, ao contrário, o desmatamento tem diminuído. Depois, surgiram outros números, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), dando conta de equívocos num mapeamento anterior, via satélite, pois o desmatamento teria sido menor.
Todavia se criara uma situação que obrigou o presidente Lula a assumir o proscênio, "esclarecendo" que o alarme sobre o desmatamento fora excessivo. Procurando não desautorizar a ministra ou tentando evitar que ela fosse ridicularizada recorreu àquele seu fraseado peculiar que nos lembra (pelo menos, aqueles entre nós que somos um pouco mais velhos) os engrolados discursos do Cantinflas, inesquecível personagem do cinema mexicano interpretado pelo ator Mario Moreno. Isso depois de uma reunião com seis ministros, durante a qual o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, discordou do alarme geral.
Não há por que se espantar com o fato de as autoridades se enrolarem em suas próprias palavras. Não é nenhuma novidade. Como dizem os especialistas em comunicação, os "ruídos" do governo, mais que contumazes, são crescentes. O discurso todo já virou parlapatice, no mais das vezes, intolerável. Nas rodas das famílias, na frente das TVs, ao surgir uma figura governamental para responder qualquer pergunta de repórteres ou para dar um esclarecimento é previsível o comentário: "Lá vem besteira", ou, então, "lá vem enganação". O ridículo episódio sobre o avanço, ou o não avanço, do desmatamento na Amazônia era plenamente previsível como parte da pantomima anedótica encenada permanentemente pelo governo do Brasil. A famosa frase, "o governo é uma piada!" - não é mais apenas uma frase. É fato.
Por mais sério que isso pareça, pois a credibilidade e a confiabilidade de um governo não deveriam estar sendo minadas de maneira tão trapalhona, o grave é o que tais episódios indicam: que o governo não sabe nada do que se passa no País nem sobre o resultado ou andamento das suas próprias ações. Aliás, o presidente Lula já disse dos seus ministros que "um não sabe o que o outro faz".
Ao observador externo, Brasília é como o salão dos espelhos do Palácio de Versalhes: presidente, ministros, funcionários de alto escalão, assessores, aios e aspones da mais diversificada qualificação e estirpe se movimentam, vêem-se refletidos nos espelhos, discursam uns para os outros e o que cuidam de resolver mesmo, na prática, é apenas o que diga respeito aos seus interesses particulares. Quase nada do que é decidido e planejado ali, para o Brasil real, se materializa de fato - embora trombeteado para a imprensa e para os telejornais da noite. Muitos dos jornalistas que cobrem o governo sabem que estão numa espécie de tarefa de Sísifo - levar todos os dias os éditos da corte à população, conscientes de que nada daquilo acontecerá. São arautos de fantasias e factóides.
Faltam guardas nas estradas e nas ruas, faltam professores nas escolas, faltam médicos e enfermeiros nos hospitais públicos, faltam fiscais em todos os órgãos de fiscalização - uma das informações que apareceu no noticiário sobre o alegado desmatamento foi que o posto do Ibama, em Alta Floresta, teria apenas 3 fiscais para cuidar de uma área de mais de 80 mil km². Faltam veterinários e agentes da saúde animal, o que resulta no bloqueio da importação de carne bovina brasileira, como acaba de fazer a União Européia, prejudicando milhares de empregos nas zonas de pecuária. Faltam sanitaristas e, aí, a dengue e a febre amarela desencadeiam surtos de pânico na população.
O leitor pode acrescentar seu próprio testemunho sobre a virtual falência do setor público e dos serviços de que a população precisa diretamente e diariamente - os mais importantes para a vida corrente da Nação. Tudo a despeito dos recordes sucessivos e astronômicos da arrecadação fiscal.
Mas, enquanto faltam "soldados" no funcionalismo para garantir a presença do governo, do Estado e das leis no dia a dia da população, seja prestando serviços, seja fiscalizando, seja impondo a ordem, proliferam os "cartolas" nos gabinetes, cada vez mais sem função e sem o que fazer, numa luta tenaz por cargos e ascensão burocrática (vide, no momento, a voracidade dos peemedebistas pelos cargos no Ministério de Minas e Energia) - todos externando, nos trajes e calçados com que se exibem e nos carros em que circulam, as fartas prebendas que angariam graças a "contatos" muito prestativos.
Há hoje, no País, como que uma divisão de classes na burocracia. De um lado, a burocracia "proletária", formada pelo número cada vez mais insuficiente e, por isso mesmo, ineficiente, de pequenos servidores concursados; de outro, uma "alta burguesia" burocrática, constituída de quadros cooptados para os gabinetes ou de funcionários de carreiras especiais, que ascendem a elevados postos. As diferenças de remuneração e de mordomias entre uma categoria e outra se ampliam, até porque o "alto funcionalismo" tem muito mais voz e meios para arrancar dos governos privilégios e benesses do que o "baixo funcionalismo". Quanto à dedicação ao trabalho e ao serviço do público, as duas categorias se esmeram no deixa-pra-lá.
Isso certamente explica - e cabe aos estudiosos confirmar - por que os gastos do Tesouro, em custeio e pessoal, passam a mostrar forte crescimento, sem que a qualidade dos serviços que a população tem o direito de receber, principalmente da União, corresponda a esses gastos ou aos aumentos escorchantes da carga tributária.
Entrevista:O Estado inteligente
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