Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Míriam Leitão - Confusão na mata


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
12/2/2008

Desde que aumentou o desmatamento, o governo está perdido num matagal de confusões. O presidente Lula anunciou medidas contra desmatadores, inocentou o agronegócio, desconfiou do Inpe, acusou as ONGs. Ministros da Agricultura e do Meio Ambiente divergiram sobre quem desmatou, decidiram anistiar quem desmatou e ontem negaram o que o secretário-executivo do Meio Ambiente tinha confirmado.

O ministro Reinhold Stephanes passa o tempo todo repetindo que o país está fazendo confusão entre Amazônia Legal e Bioma Amazônia. Todo mundo que lida com o assunto sabe muito bem o que é uma coisa e o que é outra, e que está se falando é da derrubada de árvores da Floresta Amazônica; portanto, do bioma.

Quem confunde tudo é o governo. As reações do primeiro dia não foram confirmadas pelo que foi dito e feito nos dias seguintes. Uma das medidas anunciadas foi a suspensão do financiamento para quem desmatou. Nas semanas seguintes, o governo reduziu as taxas de juros dos fundos de desenvolvimento do Norte e do Centro-Oeste, o que, na prática, é financiar mais barato atividades sob suspeição. Depois, técnicos dos dois ministérios passaram a estudar a mais incendiária de todas as idéias: dar uma anistia a quem desmatou mais que a lei permite.

Imagine o cidadão que cumpriu a lei - sempre haverá quem, não se deve perder a esperança. Ele estava ontem se sentindo um idiota depois de saber, pelo jornal "Estado de S.Paulo", que o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, disse que se "o dano ambiental já ocorreu, a área já está desmatada". Ou seja, quem desmatou será anistiado; quem não desmatou, desmatasse. A política do fato consumado é o melhor incentivo à continuação do crime, inclusive acelera o desmatamento. Se quem desmatou será anistiado, o que não desmatou pode chegar à conclusão de que o melhor é fazê-lo já e esperar pela anistia.

A reserva legal na Amazônia é de 80%; o proprietário só pode desmatar 20% da floresta da sua propriedade. A notícia foi que o governo estaria estudando anistiar quem desmatou até 50%, o que significaria legalizar o desmatamento criminoso de 220.000km², segundo a conta do "Estado".

Essa é a mesma idéia de um projeto no Congresso dos ruralistas. Eles querem modificar o Código Florestal aprovado no governo Fernando Henrique. Mas, para não ficarem dúvidas de que é uma história sem mocinhos, o senador tucano Flexa Ribeiro é o autor do projeto para permitir que a área desmatada ilegalmente seja legalizada e se permita a sua "recuperação" com plantio de espécies exóticas, como o eucalipto. Uma das grandes entusiastas é a senadora Kátia Abreu, do DEM. Outro que lidera o lobby é o governador Blairo Maggi, do PR. Agora o governo do PT propõe uma idéia semelhante que, claro, recebe o apoio de toda essa bancada suprapartidária.

Vai ver é por mero acaso, mas os mesmos Flexa Ribeiro e Kátia Abreu estiveram na Pagrisa, em solidariedade ao dono da fazenda, quando houve lá o flagrante de trabalho escravo. Vai ver é mesmo só coincidência.

Ontem à tarde, os ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura divulgaram uma nota conjunta dizendo que não estão "trabalhando com qualquer proposta de anistia" para quem não respeitou a reserva legal. Faltou explicar por que o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente até deu uma justificativa para a idéia: "É uma forma de diminuir a pressão por novos desmatamentos."

Esta é apenas uma das várias confusões já feitas neste matagal de idas e vindas, confirmações e desmentidos, posições conflitantes e ambigüidades desde que foram divulgados os dados confirmando as informações de ONGs de que era visível o aumento do ritmo do desmatamento.

A primeira reação do governo, no dia 23 de janeiro, foi a convocação de uma reunião de emergência, da qual saíram medidas: envio de uma força tarefa à região; mais postos de fiscalização; suspensão do financiamento de bancos federais, inclusive do Pronaf, a quem desmatou; proibição de comercialização de produtos de áreas embargadas por desmatamento. A punição se estenderia pela cadeia produtiva, punindo quem foi o receptador de qualquer produção de área desmatada ilegalmente.

Esse rigor todo durou pouco. O governador aliado Blairo Maggi discordou da afirmação da ministra Marina Silva de que eram a produção de soja e a pecuária as responsáveis pelo desmatamento. O ministro Reinhold Stephanes desafiou que provassem a ele que o agronegócio era o responsável. O ministro do Desenvolvimento Agrário negou o que já está comprovado: que há desmatamento ilegal nos assentamentos. O presidente Lula mandou os ministros sobrevoarem a Amazônia, e lá foram todos. No dia 30, Lula sobrevoou suas próprias decisões, discordou da ministra Marina e duvidou dos números do Inpe. Disse que quem tinha falado de aumento de desmatamento tinha confundido "um tumorzinho com câncer sem fazer biópsia". E que ninguém era culpado, nem a soja, nem a pecuária, nem os assentados. E achou um culpado: as ONGs que atuam na Amazônia. Dias depois, anunciou-se que o governo iria acelerar o licenciamento ambiental dos assentamentos do Incra.

A economia responde a sinais dados pelo governo. E o governo tem dado sinais de que o desmatamento não será coibido e os responsáveis não serão punidos.

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