Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Merval Pereira - A cor do dinheiro



O Globo
12/2/2008

O peso do dinheiro é tão grande na campanha eleitoral americana que uma das maneiras de revelar a força de uma candidatura é anunciar quanto este ou aquele candidato arrecadou em doações. Paradoxalmente, no entanto, candidatos endinheirados podem ser afastados da disputa por falta de votos, como aconteceu do lado democrata com o advogado John Edwards, e do lado republicano com o ex-governador Mitt Romney, que colocou nada menos do que US$35 milhões do próprio bolso na campanha frustrada. O tema é tão presente na cultura americana que está em cartaz atualmente na Broadway, com muito sucesso, a peça "November", de David Mamet, que trata de uma campanha em que o presidente que tenta a reeleição chega a uma semana do pleito sem dinheiro e, portanto, com chances mínimas de vencer.

Para não deixar a Casa Branca "de mãos abanando", arquiteta um plano para arrecadar dinheiro suficiente para construir uma biblioteca em sua homenagem, sonho da primeira-dama, e garantir sua aposentadoria. A fim de extorquir U$200 milhões da associação de criadores de perus americanos, ameaça mudar o símbolo do Dia de Ação de Graças, talvez a mais tradicional festa familiar americana, quando se comemora os assentamentos pioneiros no estado de Virginia, onde os indígenas salvaram os colonizadores brancos no inverno rigoroso dividindo com eles seus alimentos.

Mas quando consegue o dinheiro, em vez de desistir, o presidente-candidato ganha novo ânimo: "Vamos ganhar essa eleição". Pois na atual fase da campanha, quando o chamado "momentum" favorece Barack Obama, é pela arrecadação de dinheiro que se mede a força dos candidatos.

A senadora Hillary Clinton começou a campanha percebida como a favorita e bateu recordes nos primeiros três meses de 2007, arrecadando US$ 26 milhões, quantia nunca antes alcançada por um candidato a um ano do início das primárias. Mas semana passada, diante da onda a favor do adversário, ela já estava com problemas de caixa e teve que colocar US$5 milhões de dinheiro próprio na campanha.

No lado republicano, enquanto Romney tinha arrecadado até sair da disputa U$88.499.686, o favorito John McCain foi dos que menos arrecadaram até agora: U$41.102.178. E o pastor Mike Huckabee só conseguiu U$8.998.532.

Para demonstrar recuperação, Hillary anunciou que na primeira semana deste mês arrecadara US$7,5 milhões. Mas Obama humilhou-a, anunciando que arrecadara o mesmo valor nas 36 horas após a Superterça, quando teve vitórias em mais estados que Hillary, embora tenha perdido em centros como Nova York e Califórnia.

A mudança na direção da campanha de Hillary tem no sistema de arrecadação o seu principal motivo: a campanha adversária montou sistema de recolhimento de dinheiro on-line, que a irriga com pequenas doações, abaixo de US$200, identificáveis e que podem ser declarados no imposto de renda pelos doadores, mas os candidatos não precisam relacionar individualmente.

Pelos números oficiais da Comissão Federal Eleitoral, dos US$102.170.668 arrecadados por Obama até 1º de fevereiro, cerca de 30% são provenientes de pequenas doações. Ele se vangloria dizendo que conseguiu formar rede de solidariedade que irriga permanentemente a campanha com doações de U$10, US$20, US$50.

Já a senadora está à frente de Obama na arrecadação geral. Até o início do mês, arrecadara US$115.652.361, mas suas pequenas doações correspondem a apenas cerca de 15%, o que a faz refém das grandes doações, cujo limite é de US$ 2.300.

Muitos dos doadores com capacidade individual de contribuir com somas altas já o fizeram no início da campanha, e agora Hillary precisa motivar o eleitorado, composto principalmente de trabalhadores brancos, hispânicos, mulheres e eleitores mais velhos, a contribuir com pequenas doações permanentes. Que permitam fluxo de caixa para, por exemplo, comprar propaganda na televisão nos estados em que ocorrerão as próximas primárias, o que não tem conseguido fazer com uma semana de antecedência, e Obama sim.

Ao contrário do Brasil, nos Estados Unidos consideram-se as doações de campanha dos cidadãos um vínculo de participação dos partidos com a sociedade. A busca de recursos é também uma forma de participação cívica. Nos Estados Unidos, a lei mudou mais uma vez em 2002. O candidato pode usar seu dinheiro próprio ou de doações, mas tem que prestar contas e respeitar limites.

A nova lei limita as contribuições conhecidas como "soft money" (no sentido de "dinheiro fácil") doadas por empresas, sindicatos e pessoas físicas teoricamente aos partidos, mas usadas pelos candidatos. Mas a legislação continua permitindo situações esdrúxulas, como a venda de lugares em jantares com o presidente e outras autoridades.

Foi como o presidente Bush arrecadou mais dinheiro na campanha de reeleição: mais de US$70 milhões vieram de pessoas que se dispuseram a pagar US$2 mil - o limite máximo de uma doação pessoal naquela ocasião - para jantar na Casa Branca ao seu lado. Ou "vender" uma noite na cama de Abraão Lincoln por uma doação de campanha, como fez o ex-presidente Bill Clinton.

A campanha atual é a que tem tido a maior participação de pequenos doadores, especialmente devido à corrente a favor de Obama. Mas será também a que gastará mais dinheiro. No total, até dia 1º, os candidatos haviam arrecadado US$568.713.465, superando o meio bilhão de dólares, previstos para toda a campanha.

Há quem calcule que até novembro a campanha presidencial, em todas as suas fases, terá um custo de US$1 bilhão. Por isso, o financiamento público voltou à pauta política.

Arquivo do blog