Artigo |
O Globo |
7/2/2008 |
Haveria uma política liberal para lidar com a tragédia dos acidentes de trânsito? Trata-se de violação de um direito individual, uma restrição à liberdade que a pessoa, adulta, tem de tomar ou não um copo de vinho. Mais ainda: trata-se de uma restrição que apanha pessoas que não têm nada a ver com o problema. Passageiros de ônibus, por exemplo, por que não podem tomar uma cerveja numa parada? Vale também, claro, para passageiros de automóveis particulares, os caronas. Considerando-se ainda que a maioria das pessoas que estão num restaurante de estrada é formada por passageiros e não por motoristas, fica claro que a proibição indiscriminada de venda de bebidas é uma violação de direitos individuais. Além disso, é uma restrição à atividade de donos de restaurantes e bares, que montaram seus negócios legalmente, calculando seu faturamento com base em um comércio que, de repente, fica proibido. Por outro lado, pode-se proibir que motoristas bebam álcool? Pode-se. Também é uma restrição à liberdade de escolha, mas ocorre que, por demonstração científica, sabe-se que pessoas alcoolizadas têm seus reflexos reduzidos e sua habilidade prejudicada, de maneira que sua condução, nesse estado, coloca em risco a vida de outras pessoas. Portanto, trata-se de um caso clássico em que o exercício de um direito invade o direito dos outros. Não pode. Uma política de inspiração liberal deveria limitar apenas o direito à bebida dos motoristas. Como fazer isso? Exceto o caso dos motoristas profissionais que andam uniformizados e com crachá, está claro que o garçom não poderá saber quem vai dirigir e quem vai dormindo no banco de trás. Como resolver essa dificuldade? O ponto de vista de viés autoritário leva à medida adotada pelo governo federal e por alguns governos estaduais, a de proibir a venda de bebidas. Em nome do interesse social, maior que a soma dos direitos individuais, a proibição vale para todo mundo, de modo a limitar a oportunidade de um motorista cometer um crime. É como se fosse responsabilidade do Estado o fato de um motorista dirigir alcoolizado. O cara bebe porque o Estado permitiu, não porque fez uma escolha criminosa. É o mesmo argumento segundo o qual a pessoa comete crimes porque o Estado não lhe propicia escola, casa e comida. Mais ou menos assim: é claro que o sujeito vai dirigir embriagado, pois a sociedade lhe dá toda a oportunidade de beber; ou é claro que a pessoa vai cometer um crime, pois a sociedade não lhe propicia os meios para uma vida honesta. Qual seria a abordagem liberal? A sugerida pelo título desta coluna, liberdade e castigo. Garantem-se os direitos individuais, mas a punição desaba sobre o indivíduo que desrespeitou a lei e prejudicou os outros. É o contrário do que, em geral, se faz no Brasil, independentemente da linha política do governante. Baixam-se leis proibindo isso e se acha que tudo está resolvido. Mesmo quando a legislação é correta, parece que só o fato de existir é suficiente. Por exemplo, a pessoa não tem o direito de dirigir na velocidade que queira pois é sabido, de modo muito racional, que o excesso coloca em risco a vida de terceiros. (Ao contrário, aliás, se a pessoa construir uma pista em sua propriedade, fechada, e guiar a 300km por hora, problema dela.) Mas a maneira de impedir excesso de velocidade não é, por exemplo, impedir a venda de carros que corram a mais de 120. É simplesmente fazer cumprir o limite, coisa que não se faz, como sabe qualquer motorista. Se a gente disser que 90% dos motoristas circulam acima dos limites de velocidade, não estará longe da verdade. Uma das maneiras eficientes de coibir excessos é justamente a instalação de radares móveis e não visíveis. Mas muita gente combate esse mecanismo com base em argumento pretensamente liberal: os radares seriam armadilhas e violariam a intimidade das pessoas, ao serem fotografadas. Inteiramente falso. O radar não apanha todo mundo, mas apenas aqueles que violam uma lei legitimamente estabelecida. Há muitos casos em que o interesse social supera o direito individual. Mas, no geral, o que temos aqui são arbitrariedades ineficientes. |
Entrevista:O Estado inteligente
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