Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

A festa dos cartões


EDITORIAL
O Globo
7/2/2008

Foi um decreto de 2001, ainda no governo FH, que instituiu o uso de cartões corporativos no governo federal, uma ferramenta moderna de execução de gastos e respectivo controle. Isso nas empresas. Mas a facilidade com que se pode adquirir mercadorias e serviços somou-se à incúria na administração do dinheiro do contribuinte e converteu os cartões em novo foco de turbulências no governo Lula.

As razões para isso são expressas em cifras, fatos e indícios de corar perdulário. No ano passado, os 7.145 servidores autorizados a usar esses cartões foram responsáveis por gastos de R$78 milhões, mais que o dobro em relação ao ano anterior, com um aumento real fora de medida, considerando que a inflação no período foi de 4,5%. Vêm de algum tempo sinais de que os cartões haviam escapado de qualquer limite sensato e pareciam ter se transformado numa fonte adicional de renda para funcionários públicos. Traduzindo, teriam aberto uma brecha para desvio de recursos do erário.

Sustentam essa suspeita não apenas o manejo de cartões sem qualquer relação com as funções de seus titulares eventuais, como a assustadora freqüência com que são usados para saques vultosos em dinheiro vivo, sem comprovante das despesas feitas. O escândalo já produziu uma vítima no primeiro escalão, a ministra Matilde Ribeiro, da Igualdade Racial. A ministra partiu deixando um rastro de gastos inqualificáveis pagos pelo contribuinte, em que se destacam uma compra em free shop e o aluguel de automóveis com motoristas dignos de potentado árabe.

O governo quis com isso - e a definição de regras mais rígidas para o manejo dos cartões - sepultar o caso. Não conseguiu, por causa da sucessão de desmandos que foram, e continuam sendo, divulgados. Ora são despesas vultosas feitas em nome da Presidência em butiques de carne, lojas especializadas em comidas finas; ora é a descoberta de que um cartão desses visitou o comércio de autopeças, de materiais de construção e uma livraria em Florianópolis, levado por um segurança da filha do presidente, Lurian. Quando não são ministérios e agências reguladoras. É extravagante a justificativa de que, para a segurança de Lula, não se divulgarão mais gastos dos cartões da Presidência. Uma ou outra informação pode ser mais sensível. Mas não a maioria delas.

A bancada do Planalto, diante da inevitabilidade de uma CPI, decidiu ela mesma convocá-la, para controlá-la. É do jogo. Se houver esta comissão, ela terá mesmo de vasculhar os cartões desde a era FH. Já para o governo, abrir a caixa-preta é a melhor alternativa. Não fazê-lo justificará graves suspeitas.

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