Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

MILLÔR

Nas cidades se mata.
Na Amazônia se desmata. Estamos
em pleno equilíbrio sustentável.

IDIOLETICE. HOJE E SEMPRE

Volta à ordem do dia o deputado Aldo Rebelo. No passado próximo abriu contra mim um processo pra me tomar R$ 32 200,00. Por quê? Ah, quando ele, do alto de sua ignorância, perdão, do seu saber lingüístico, propôs LEI proibindo o uso de palavras estrangeiras em nossos escritos, comentei: "Quanta idioletice!".

Eu escrevia na Folha de S.Paulo quando o absoluto ignorabus me processou. Apresentei minhas razões aos advogados da Folha:

1) Pra mim, laico, o processo está "prejudicado" em princípio. O deputado bota como meu este texto: "Ele sabe do que está falando? Quanta idiotice!". Ora, eu escrevi idioletice. O deputado confundiu idioletice com idiotice, o que é uma comprovação da mesma.

2) Parêntesis: a língua é a mais complexa, a mais milagrosa, a mais estranha, a mais gigantesca e variada invenção humana. Nada menos sujeito a tutelas autoritárias. Agora, mais uma vez, vê-se um cidadão, "eleito pelo povo", propor LEI proibindo o uso de palavras estrangeiras em nossos escritos.

Pera aí: está na sua proposta de governo que ele teria autoridade para interferir no que eu falo, escrevo ou pinto em minha tabuleta? Ele sabe, literalmente, do que está falando? Quanta idioletice!

3) Será que o vossa excelência aceitaria pequena sabatina de português tipo primeiro ginasial?

4) No meu artigo não usei o nome do deputado. Sem uso do nome, o "comprometimento de sua honorabilidade", como ele diz, fica restrito ao julgamento de seus pares (ou ímpares), que devem conhecer muito bem o alcance de sua cultura lingüística.

5) Imune a tudo, o parlamentar tem direito total ao uso da palavra. Não pode ser condenado por isso (mesmo quando sua palavra é caluniosa).
Por que o jornalista, que vive só da palavra, não pode nem discordar da legislação semântica do parlamentar sem ser tungado em R$ 32 200,00?

6) Embora não seja necessário, explico aqui ao nobre deputado o que significa a palavra idioletice. É palavra criada por mim com sentido evidente. Mas apenas coloquei a desinência ICE na palavra IDIOLETO. Ah, bom, o que é idioleto?

Juntei então vasta documentação sobre o significado da palavra. Resumo, por falta de espaço:

I) Aurélio. Idioleto: s.m. E. Ling. 1. A fala de um único indivíduo.

II) Houaiss. Idioleto: o sistema lingüístico de um único indivíduo, que reflete suas características pessoais, os estímulos a que foi submetido,
sua biografia etc. (Pertence ao campo da langue, e não da parole, porque trata de particularidades lingüísticas constantes, não fortuitas.
Depreendido de dialeto.)

III) Nuovo ZINGARELLIVocabolario della Lingua Italiana. Idiolétto: l’insieme degli usi di una lingua caratteristico di un dato individuo, in un determinato momento.

IV) The Oxford Companion to the English Language. Idiolect: (1940. From greek, idios, personal, and -lect as in dialect.) In linguistics, the language special to an individual, "personal dialect".

V) The Cambridge Encyclopedia of Language. David Crystal (esse é um craque): Idiolect: probably no two people are identical in the way they use language or react to the usage of others.

VI) A Supplement to the Oxford English Dictionary. Idiolect: 1948. B. Bloch in Languages XXIV. 7. The totality of the possible utterances of one speaker at one time in using one language to interact with other speaker is an idiolect.

VII) Diccionario de Uso del Español Actual. Idiolecto: en lingüístico, modo característico que cada hablante tiene de emplear su lengua. (Importante, deputado: o prefácio deste dicionário é de Gabriel García Márquez. O senhor já ouviu falar?)

VIII) 1948. Archivum linguisticum. Idioletical diversity is an inevitable result of the productivity inherent in every single individual linguistic habits.

P.S.: Ah, deputado José Aldo Rebelo, vossa advogada, doutora Zilah Joly, na página 7, linha 6, antepenúltima palavra da linha de vosso brilhante arrazoado, usa à (a craseado), que mostra certo desconhecimento da língua normatizada. Eu não ligo, não; defendo mesmo a tese de que a crase não existe em português do Brasil. Mas tem gente no foro que repara.

EM TEMPO: qual é, INDISCUTIVELMENTE, a palavra mais brasileira da nossa língua? FUTEBOL.


Arquivo do blog