Reações moralistas, lamentos pela decadência da
festa e crítica às marchinhas, em velhas crônicas
Em 1890, dada a desanimação reinante, a imprensa carioca detectou, melancólica, que o carnaval estava desaparecendo. Olavo Bilac gostou da notícia. "O carnaval desaparece? Civilizamo-nos…", escreveu. O carnaval, para o poeta, era "não mais nem menos do que isto: a apoteose da prostituição, da embriaguez e do descaramento". Era a "glorificação anual do impudor". Mas, bem pesadas as coisas, Bilac concluía que não havia o que comemorar. O carnaval só desaparecia porque, a seu ver, aquilo que só se fazia durante três dias do ano passou a ser feito o tempo todo. "Agora, a prostituição cresce livremente, ao ar pleno, ao sol claro, como uma grande flor rutilante." Na Rua do Ouvidor, às 3 da tarde, "mulheres equívocas acotovelam as mulheres honestas, confundindo-se com elas, na mesma forma de toilettes, com as mesmas jóias, cercadas da mesma consideração, tratadas do mesmo modo nos jornais, sentando-se às mesmas mesas do Pascoal, tomando os mesmos refrescos". Assim sendo, para que carnaval?
A Raul Pompéia também não escapou o propalado desaparecimento do carnaval, naquele 1890. "Dirão que o tempo já passou; que o Rio de Janeiro era menino quando brincava de mascarado", escreveu. Mas o autor de O Ateneu achava triste que o carnaval, essa "alegria franca, uma vez por ano, com tempo marcado, como uma estação", desaparecesse: "Imaginem o que seria o mundo, se a primavera caísse em desuso. Imaginem a ansiedade das flores, inchando os troncos, o grito das corolas enclausuradas no cerne e pedindo ar (…) Imaginem a revolução de protesto do universo contra o próprio universo, a reação da lei natural contrariada (…) O carnaval suprimido é a mesma coisa, aproximadamente, que uma retenção de primavera".
Em 1892 surgiu a proposta de transferir o carnaval para junho. Raul Pompéia gostou: "O carnaval, a festa das agitadas alegrias, dos acabrunhadores atropelos das bacanais, não quadra absolutamente com o verão. Os dias da gargalhada não se acomodam na estação dos grandes calores. A elevada temperatura abate-nos o corpo e a alma (…) No tríduo carnavalesco se localizam os rega-bofes delirantes do amor, as tremendas desforras dos ímpetos normalmente sopitados da carne. Sejam consultados os competentes se há cousa mais insuportável que delírios de amor a quarenta graus centígrados".
Em 1894 falou-se outra vez da decadência do carnaval. Machado de Assis lastimou: "É crença minha que, no dia que deus Momo for de todo exilado deste mundo, o mundo acaba".
Em 1904 Bilac voltava a investir contra a sem-vergonhice. Citando Artur Azevedo, dizia que os préstitos das sociedades carnavalescas eram "revoltantes apoteoses do vício". Na sua própria opinião, eram "o triunfo insolente das hetairas". O poeta da Via Láctea concluía: "Creio que, de todas as cidades civilizadas, o Rio de Janeiro é a única que tolera essa vergonhosa exibição".
Em 1920, Lima Barreto dizia que o carnaval lhe causava "aborrecimento". Não pela habitual choradeira dos moralistas – "o ponto de vista de imoralidade e chulice pouco me preocupa" – mas pela pobreza das letras das marchinhas. O autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma citava como exemplo Fala meu Louro, de Sinhô: "A Bahia não dá mais coco / pra botar na tapioca / pra fazer o bom mingau / pra embrulhar o carioca. / Papagaio louro (corrupacopapaco) / de bico dourado (corrupacopapaco) / tu que falavas tanto / qual a razão que vives calado?". A relação do papagaio com o resto, segundo Lima Barreto, "não se atina qual seja". As marchas o conduziam à conclusão "de não possuir o nosso povo, a nossa massa anônima, nenhuma inteligência e de faltar-lhe por completo o senso comum".
Em 1922 o mesmo autor voltava à carga, pelo mesmo motivo. Escreveu que as músicas dos blocos, ranchos e cordões pareciam "guinchos de símio e coaxar de rãs" e decretou: "O carnaval é hoje a festa mais estúpida do Brasil".
O sábado de carnaval de 1932 tal qual celebrado no Largo da Concórdia, bairro do Brás, em São Paulo, mereceu registro de Mário de Andrade. Formavam-se rodas de gente "aproveitando a escureza para dezenas de coisas proibidas". Portugueses e italianos eram maioria. Um italiano cantou um tango argentino com sotaque napolitano. Um mulato fantasiado de índia entoou em falsete a habanera de Carmen. Um português introduziu num "samba carioca da gema" uma quadrinha "do mais puro e antediluviano Portugal". A dança era homem com homem, quase sempre "português com português, se pisando". Tudo era "ritual, circunspecto e desolado", nas palavras do autor de Macunaíma, nesse carnaval à moda paulista.
O acesso às crônicas de Olavo Bilac e Lima Barreto foi facilitado por duas edições recentes, bem-cuidadas e com bons índices, respectivamente da Edusp/Imprensa Oficial/Unicamp (2006) e da Agir (2004). As de Machado de Assis e Raul Pompéia ainda precisam ser garimpadas em velhas edições. Os Filhos da Candinha, livro de crônicas de Mário de Andrade, acaba de ser lançado pela Agir, dentro de um projeto que promete reeditar toda a obra do autor.