Momento global
Jackson Hole, no Wyoming, é um lugar onde um grupo selecionadíssimo de economistas se reúne para um debate anual. Armínio Fraga sempre vai lá.
Este ano o assunto era mercado imobiliário americano e o principal palestrante, o presidente do Fed, Ben Bernanke. Armínio saiu achando que os juros americanos vão cair semana que vem. Ele acha que há 50% de risco de recessão nos EUA.
o tema da reunião é sempre decidido com um ano de antecedência, e no ano passado decidiram que era mercado imobiliário — contou o ex-presidente do Banco Central.
Bernanke estava nervoso? Eu quis saber esse detalhe na entrevista com Armínio na Globonews, primeiro porque os dois se conhecem há longo tempo e depois porque a reunião aconteceu logo depois do olho do furacão no mercado imobiliário americano.
— Bernanke, para a sorte dele, é sisudo, discreto, quem olha não percebe os sentimentos dele. Mas ele fez uma coisa muito interessante, porque um terço do que ele falou foi dedicado à questão conjuntural.
Ou seja, o presidente do Fed ficou lá sisudo, sem emitir sinais exteriores das suas preocupações, mas também não evitou o assunto.
— Ele deixou claro que o Banco Central está acompanhando o que se passa no mercado imobiliário americano e está preparado para agir caso haja risco de uma recessão nos Estados Unidos.
O curioso, explicou Armínio, é que na última reunião do Fomc, o Copom deles, um pouco antes da crise, o Fed emitiu sinais de que ainda estava preocupado com a inflação.
Isso deixou o mercado mais tenso porque significava a não redução das taxas de juros, apesar de os dados mostrarem que não era a inflação que mais se temia, mas sim o efeito da turbulência que explodiu logo depois. Por isso no discurso de Jackson Hole, Bernanke teve de ter a habilidade de contornar a impressão que ficara daquela reunião e entregar seu recado.
Semana que vem o Fomc se reúne, e a grande aposta é que os juros americanos começarão a ser reduzidos, em mais uma etapa da terapia para evitar o pior após o início da crise no mercado imobiliário. Mas Armínio acha que é bem possível que haja recessão, sim, na economia americana.
— A probabilidade é de 50% de chance de que a economia americana tenha dois a três trimestres negativos.
Armínio comparou o crédito numa economia com o sangue circulando no corpo: — Quando pára de circular é muito ruim. E os Estados Unidos viveram um forte ciclo de crédito. No fim desses ciclos o mercado faz muita besteira.
Um dado impressionante: os preços dos imóveis subiram 60% acima do aumento da renda americana. A grande preocupação das autoridades é evitar a recessão, mas ao mesmo tempo não salvar quem não merece ser salvo. É um desafio complicado — disse Armínio.
Como separar uma ação de assistência de liquidez de uma operação de resgate de instituições? Uma forma seria deixar quebrar os fundos que “fizeram besteira”. O problema é que toda a sofisticação do mercado financeiro dos últimos tempos, com a securitização feita para pulverizar o risco, não conseguiu proteger os bancos da concentração de risco.
— Várias dessas operações tinham garantia bancária, e, quando não são renovadas, o risco volta para os bancos — lembra Armínio.
Ele acha que a economia americana entra em recessão, mas não a economia mundial.
— Hoje a economia mundial é muito mais integrada, mas o mundo vai continuar vivendo a fase de prosperidade.
Apenas um pouco pior.
A China pode deixar de crescer 11% para crescer 9%.
Quanto à economia brasileira, Armínio ressalta que ela está numa boa fase, mas acredita que o Brasil não aproveitou bem o melhor momento do mundo.
— Não vai haver vento contra, mas a situação não estará tão boa quanto antes. O mundo esteve crescendo à maior taxa de sua História e o país estava indo mal, crescendo pouco. O Brasil fez alguns ajustes na área externa, mas não está plantando as sementes para crescer no futuro.
Não reduziu o gasto público nem a carga tributária, pelo contrário. E isso é muito sério.
Perdeu tempo demais na área da educação. Depois de ter avançado no governo Fernando Henrique, o governo Lula ficou sem um projeto na educação por alguns anos e só agora tem um plano, que parece bom e que precisa ser implementado. O Brasil não pode perder 15 minutos na educação — diz Armínio.
Sobre a ata do Copom, o ex-presidente do Banco Central diz que nem precisa de interpretação.
— Eles foram claros, até repetitivos. Provavelmente os juros não caem na próxima reunião. Estão preocupados com a inflação e não sem razão. Os preços estão subindo e o governo está expandindo os gastos.
Ele se diz moderadamente otimista com o Brasil, apesar da crise política e desse persistente aumento de gastos públicos. Na visão que tem compartilhado com investidores, quando lhe perguntam quais os pontos positivos no Brasil, diz que a sociedade avançou em vários pontos e tem se tornado mais independente do governo.
— O brasileiro gosta hoje de fazer parte do mundo, o país está mais aberto e integrado. O Brasil está mais capitalista, menos dependente do Estado, gostando mais da competição.
Isso acontece de forma espontânea.
As empresas estão se arrumando bem na busca de outras fontes de financiamento.
Para se ter uma idéia: nos últimos 18 meses, o volume de financiamento conseguido nos lançamentos de ações é maior do que os empréstimos do BNDES. Isso é inédito.
Entrevista:O Estado inteligente
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