Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 25, 2007

Míriam Leitão - Moeda de troca


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
25/9/2007

Pergunte a um especialista o que se exige de uma empresa e a resposta será: boa governança. Isto significa: transparência, critérios técnicos de tomada de decisão, escolha de dirigentes pelo mérito, prestação de contas aos acionistas, credores, investidores, fornecedores e clientes. Uma empresa como a Petrobras, cuja diretoria é escolhida no toma-lá-dá-cá da política, tem boa governança?

Na Petrobras eles entendem que, como as ações estão subindo, é porque o mercado concorda com seus métodos de gestão. Estão enganados. A ação sobe porque o petróleo em alta é garantia de bons lucros, mesmo que errem na gestão. Sobe porque há muita liquidez, apesar da recente chacoalhada no mercado. Mas sobe menos do que outras. A Petrobras PN, a que mais sobe, teve alta de 48% nos últimos 12 meses; a Vale subiu 131%. A CCR (das concessões de estradas) subiu 64%, e até a Usiminas subiu 82%. A Bovespa como um todo, 67,9%.

É assustador o espetáculo de troca-troca em diversos órgãos da administração direta, e de cargos nas estatais, entre eles a diretoria da Petrobras. As escolhas, demissões, trocas de postos na diretoria da maior empresa brasileira obedeceram a critérios totalmente alheios à vida empresarial, à eficiência na gestão e à boa governança.

Imagine se num road show fosse necessário explicar a um investidor mais atento os critérios das escolhas dos diretores. Para ser sincero, seria preciso dizer que Maria das Graças Foster é amiga da ministra Dilma Rousseff, que Alan Kardec é do PT. Ildo Sauer foi escolhido por ter padrinhos no PT e demitido porque eles perderam a força, e ele acabou atropelado por Dilma Rousseff. José Eduardo Dutra vai para a BR porque perdeu a eleição e ficou sem mandato. Seria melhor, para ser sincero, repetir a frase inconformada do líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves, para se entender o modelo Petrobras de escolha de diretores:

- Tudo envolve o PT. O Gabrielli é do PT, o Duque é do José Dirceu, o Kardec é do PT e do Walfrido, a Maria das Graças é do PT e da Dilma. O Estrella é do PT. Tudo gira em torno do PT. A Petrobras é um castelo do PT.

A Petrobras é a maior empresa brasileira, tem acionistas brasileiros e estrangeiros, é conhecida, cotada, financiada por investidores do mundo inteiro. Se os acionistas minoritários da empresa quiserem saber por que a Petrobras pagou R$2,7 bilhões pela Suzano, 84% de prêmio sobre o valor das ações PN, não terão o conforto sequer da fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários. A CVM está muito ocupada querendo encontrar fórmulas para controlar jornalistas, achando que é daí que vem o perigo, e cega para o principal: o estranho preço pago pela Petrobras.

Por que, com tudo isso, a Petrobras não pára de crescer? É simples: ela tem e abusa do direito do monopólio de fato que tem sobre o mercado de um país continental. Nada é mais lucrativo do que o monopólio, porque ele permite que a empresa ganhe dinheiro mesmo se é mal gerida. Além disso, a Petrobras tem a enorme vantagem de produzir aqui no Brasil a custo baixo - e opaco - e vender aos brasileiros ao preço internacional e mais o custo do frete, como se importasse. E é ela, a empresa monopolista, que faz os cálculos e dita os preços. E tem três políticas de preços diferentes. Critério 1, para o gás de cozinha: não aumenta desde o começo do governo Lula; critério 2, para a gasolina e o diesel: não aumentam desde setembro de 2005 porque a empresa diz que está esperando os preços internacionais estabilizarem num patamar; critério 3, para os preços menos visíveis, como óleo combustível, querosene de aviação e nafta: são reajustados mensalmente conforme os preços internacionais.

Quando faz uma política tão pouco transparente de preços, mata dois coelhos: ajuda a eleger o partido no qual militam os dirigentes da empresa e ainda afasta os potenciais concorrentes. Quem entraria num mercado assim, em que a empresa dominante dita os preços com critérios tão subjetivos?

Curiosamente, quem aumentou os poderes da Petrobras e seu potencial lucro foi uma decisão contra a qual o PT lutou muito no governo Fernando Henrique. Foi exatamente a decisão de acabar com o monopólio constitucional da Petrobras que deu a ela o poder de fixar os preços dos seus produtos como se estivesse num mercado com concorrentes. O projeto era construir um mercado competitivo, mas ficou só na idéia. Antes, os preços dos produtos eram decididos pelo governo com base no custo de produção. Agora, a empresa tem o direito de definir os preços de acordo com o custo de oportunidade: quanto ganharia se exportasse. Como os preços saíram de US$27 o barril em 2003 para mais de US$80, os lucros deram um salto.

Lá dentro a contradição fica mais explícita. A Diretoria de Exploração e Produção (a tal do "fura poço") vende para a Diretoria de Abastecimento o petróleo a preço internacional mais o custo que pagaria de frete se estivesse importando. A Diretoria de Abastecimento refina e vende ao preço definido por critérios diferentes. A Diretoria de Gás entrou em choque com a ministra Dilma Rousseff porque o diretor não queria entregar o gás para as termelétricas a um preço abaixo do que compra da Bolívia.

Essa confusão é a Petrobras. No ano passado contratou 7.500 empregados, e agora suas diretorias são moeda de troca para aprovação da CPMF.

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