Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 23, 2007

AUGUSTO NUNES SETE DIAS


O entulho a remover


"O brasileiro tem complexo de vira-lata", diagnosticou Nelson Rodrigues em 1958, espantado com o medonho pessimismo coletivo despertado pelo embarque da Seleção rumo à Copa da Suécia. O grande cronista avisou que, além de rever craques de finíssima linhagem, o mundo seria apresentado a dois gênios: Pelé e Garrincha. Eram duas lendas em seu começo.

"Vamos ganhar a Copa", profetizou. Ninguém acreditou. Consumada a derrota para o Uruguai em 1950, os brasileiros decidiram que o país do futebol nunca existira. Éramos uma nação de perdedores vocacionais, ficou estabelecido naquela trágica tarde. O apito que encerrou o drama no Maracanã também anunciou o advento da era da depressão.

Duraria oito anos até ser enterrada num gramado na Suécia. Morrera no instante em que o capitão Bellini ergueu sobre a cabeça a mais cobiçada das taças. E então tudo mudou. Ao complexo de vira-lata sobreveio a síndrome do cavalo de raça. Extasiadas com a Seleção, multidões em transe passaram a promover carnavais temporões.

Os voleios de Maria Esther Bueno, os arremessos de Wlamir Marques, os socos de Eder Jofre, a coroação do rei Pelé - todo dia era dia de festa. O pessimista irremissível virou um otimista delirante. Na segunda metade da era JK, o brasileiro foi tão feliz quanto o presidente. E sabia disso.

No começo do governo, o país estava condenado a perder todas. No fim dos anos 60, tomara forma a pátria dos campeões em tudo. Fossem quais fossem a modalidade, os concorrentes, o tipo da competição, o formato do troféu, o brasileiro inscrito na disputa que tratasse de vencê-la.

Só mereciam aplausos o primeiro lugar, a medalha de ouro, o topo do pódio. Abaixo disso era o nada. A onda de megalomania alcançou altitudes inverossímeis a partir dos anos 70. Heróis nacionais a caminho da estátua eram reduzidos a traidores da pátria por um segundo lugar.

Recordistas mundiais tinham de superar a cada prova a marca anterior. Foi-se JK, Jânio e Jango passaram, a democracia sofreu um desmaio de 20 anos, voltou a caminhar com as pernas bambas - mas a lira do delírio continuou a soar até a virada do século, quando o brasileiro recuperou o juízo.

Descobriu que a fantasia da potência esportiva camuflava o anão olímpico. Tornou-se mais tolerante com os campeões, e passou a reverenciá-los também nos maus momentos. Aprendeu a festejar medalhas de bronze, a aplaudir a bravura de quem não ficou entre os três primeiros. Tudo somado, pode ser o prenúncio da era da sensatez.

Chegou a hora de percorrer o caminho, jamais traçado com exatidão, que conduz ao primeiro mundo esportivo. Qual deve ser o papel do governo? E da universidade, das empresas, dos clubes? Também chegou a hora de remover o entulho do atraso. Ali se amontoam dirigentes corruptos, cartolas gatunos, traficantes de passes, punguistas de gravata, fraudadores de verbas ou velocistas lotéricos. Nenhum deles é atleta. Mas vivem ganhando.

Cabôco Perguntadô

Em 2003, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, prometeu que o governo construiria, nos três anos seguintes, quatro presídios de segurança máxima. Até agora, só ficou pronto o de Catanduvas, transformado num hotel-com-grades pelo hóspede e gerente Fernandinho Beira-Mar. O Cabôco têm duas perguntas a fazer. Quando é que o governo federal vai retomar o controle de Catanduvas e fazer daquilo uma cadeia de verdade? E que fim levaram os três presídios da promessa?

Craque em geografia

De passagem por Madri, o presidente Lula incorporou o banqueiro durão. "Vou dizer ao meu amigo Bush que não vamos admitir que a crise dos Estados Unidos atravesse o Atlântico e venha nos perturbar", disparou o tresoitão. A bala explodiu na testa da geografia: não há nenhum oceano entre os dois países. A menos que a turma do PAC tenha materializado em segredo a transposição das águas do Atlântico, a crise poderá viajar para o Brasil por terra. De carro, se estiver sem tempo. De bicicleta, se estiver em forma.

Cacciola sonha com o Senado

Animado com o desfecho da missa negra celebrada para devolver a paz à alma penada do presidente Renan Calheiros, o banqueiro-bandido Salvatore Cacciola vai propor ao governo brasileiro um acordo que considera "bom para todos". Ele topa voltar imediatamente, e por conta própria, desde que a continuação do processo judicial seja condicionada à aprovação do Senado (em votação secreta). Cacciola dá como certo o apoio dos 40 de Renan. E conta com pelo menos dois votos do bloco dos abstencionistas de araque.

Como no bordel das normalistas

O bloco dos tucanos favoráveis à eternização da CPMF é uma versão parlamentar do bordel das normalistas, fantasia recriada com freqüência nos contos de Dalton Trevisan. Como as meninas devassas, os marmanjos do PSDB fazem coisas de ruborizar pedófilo sem remover do rosto o sorriso de aeromoça bem-nascida e virtuosa. Eles sabem que o tributo inventado para bancar - por pouco tempo - investimentos na área da saúde hoje financia a gastança federal. Mas também sabem que o preço é bom.

Yolhesman Crisbelles

A taça da semana vai para o senador Aloizio Mercadante, pela resposta-padrão aos milhares de mensagens de eleitores indignados com o líder dos abstencionistas amigos de Renan Calheiros. Trecho:

Fiz o difícil e o necessário. Eu não era simplesmente um parlamentar, mas um juiz diante de uma decisão que poderia tirar da vida pública por mais de 10 anos um senador eleito com 80% dos votos.

Pare com isso, senador. Conte logo que fez o que o chefe Lula mandou fazer.

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