Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 22, 2007

Fotos de Auschwitz mostram a banalidade do mal

O terror invisível

Fotos inéditas de Auschwitz mostram que
o mal tem um poder ainda mais terrível:
o de anestesiar as consciências


Vanessa Vieira

Fotos The New York Times
Oficial nazista e seus auxiliares descansam no campo de concentração de Auschwitz, indiferentes ao massacre dos judeus e aos maus-tratos impostos aos prisioneiros

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O campo de extermínio de Auschwitz, que funcionou na Polônia até os últimos dias da II Guerra, passou para a história como palco das piores atrocidades perpetradas pelos nazistas. Em suas câmaras de gás, nas quais as pessoas eram comprimidas a ponto de não conseguirem mexer os braços, foram assassinados mais de 1,5 milhão de judeus, além de deficientes físicos, homossexuais, ciganos e quem quer que o III Reich considerasse indigno de viver. Uma série de fotografias inéditas divulgadas na semana passada pelo Museu do Holocausto, em Washington, mostra o campo de Auschwitz sob outro ângulo, o dos oficiais do Exército alemão, guardas e funcionários que trabalhavam no local, um contingente de aproximadamente 4.000 pessoas. As 116 fotos, descobertas casualmente na época da guerra por um oficial americano e guardadas em sua gaveta desde então, revelam a rotina alegre e despreocupada mantida pelos alemães em Auschwitz – paralelamente ao martírio dos prisioneiros. Numa das fotografias, oficiais da SS, a tropa de elite nazista, cantam alegremente acompanhados por um acordeom. Uma imagem datada de 22 de julho de 1944 mostra um grupo de mulheres soldados sorrindo e comendo framboesas. Naquele mesmo dia, segundo registros, mais 150 prisioneiros haviam chegado a Auschwitz, dos quais 117 foram enviados diretamente para as câmaras de gás.

Com seus flagrantes da vida pacata da soldadesca, as fotos agora divulgadas de Auschwitz são um exemplo eloqüente do sistema de valores morais cultivado pelos nazistas e que, levado às últimas conseqüências, lhes permitiu promover o holocausto de 6 milhões de judeus. Esse sistema de valores amparava-se na total ausência de compaixão por seres humanos que os nazistas julgassem inconvenientes a sua causa. Para os oficiais alemães e seus comandados, as mortes não eram assassinatos, mas tarefas rotineiras, ordens a ser cumpridas. A filósofa alemã Hannah Arendt cunhou a expressão "banalização do mal" após acompanhar o julgamento de Adolf Eichmann, prócer nazista encarregado de levar a cabo a solução final, ou seja, o extermínio em massa dos judeus. Ao ser apresentado ao tribunal, Eichmann surpreendeu os presentes por não aparentar em nada o monstro sádico que demonstrava ser com suas ações. Era um sujeito franzino, de personalidade submissa, que afirmava ter apenas cumprido suas ordens com zelo e eficiência. Contou que tocava violino e que a simples visão de atos de violência o fazia tremer. A avaliação psiquiátrica a que havia sido submetido também não havia detectado nele problemas mentais. Escreveu Hannah: "O problema, no caso de Eichmann, é que havia muitos como ele, e esses muitos não eram nem perversos nem sádicos, eram assustadoramente normais. Essa normalidade é muito mais aterradora do que todas as atrocidades juntas".

Membros da SS e enfermeiras confraternizam no campo de extermínio: rotina alegre

A trivialização da morte permeava todos os escalões da hierarquia nazista. Em seu livro Os Carrascos Voluntários de Hitler, o historiador americano Daniel Jonah Goldhagen relata o dia-a-dia dos agentes da polícia de Hitler na Polônia ocupada. Segundo ele, muitos policiais, pais de família, passavam os dias fuzilando mulheres e crianças, jogadas em valas comuns. No fim da tarde, voltavam para seus lares, abraçavam a família como se tivessem passado o dia num escritório e confraternizavam em atividades sociais. A solução final foi um projeto meticulosamente planejado, que incluiu o desenvolvimento de novas técnicas destinadas a eliminar o maior número de seres humanos no menor tempo possível. À frente do empreendimento esteve o capitão Rudolf Höss, comandante de Auschwitz. Em 1941, o chefão da SS, Heinrich Himmler, ordenou a Höss que passasse alguns dias no campo de concentração de Treblinka. Objetivo da visita: verificar como eram mortos os judeus no local a fim de aperfeiçoar os métodos de extermínio.

De volta a Auschwitz, Höss mandou construir fornos crematórios maiores e mais eficientes. As câmaras de gás também foram ampliadas para acomodar até 2.000 judeus de cada vez. O psiquiatra americano Leon Goldensohn, que entrevistou os principais oficiais nazistas levados a julgamento em Nuremberg, nos anos 40, perguntou a Höss se ele não sentia culpa pelos milhares de vidas que tirou. "Quando Himmler nos dizia algo, parecia tão correto e natural que obedecíamos cegamente", foi sua resposta. E o que Höss achava de matar crianças da mesma idade de seus filhos? "Não era fácil, mas estávamos convencidos das ordens que recebíamos e de sua necessidade." As fotos agora reveladas mostram com nitidez a capacidade que tem o mal de anestesiar consciências.

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