Suely Caldas
O retrato de progresso econômico e social do País saído da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, prova, mais uma vez, que sabedoria em gestão pública é continuar e reforçar o que o antecessor plantou com sucesso. Burrice é desqualificar e revogar o que de bom foi feito pela simples razão de ter sido iniciado pelo adversário político. Ao chegar ao governo, em 2003, o presidente Lula tomou a decisão certa de manter intacta a política macroeconômica concebida por FHC, e hoje colhe os frutos: inflação sob controle, juros em queda, superávit nas contas externas e, sobretudo, ambiente econômico favorável a decisões de investimento. Lula errou ao tentar mudar e reinventar a roda: retrocedeu e perdeu tempo na educação, na saúde e em serviços de infra-estrutura que dependem de investimentos privados. Reconheceu o erro na educação e recuou, mas ainda patina nos outros dois itens.
Os bons números da Pnad mostram o quanto de oportunismo político infantil e bobo havia nas frases “nunca antes neste país” ou “pela primeira vez em 500 anos”, que Lula repetiu à exaustão no primeiro mandato, como se, de súbito, ele se credenciasse a tomar o lugar de Pedro Álvares Cabral como descobridor do Brasil. O Brasil não começou e nem terminará com Lula, porque é um país gigante, habitado por 190 milhões de pessoas de diferentes níveis sociais, disparidades de renda e escolaridade e um longo futuro a construir. Não somos uma agremiação estudantil que muda de ideologia e discurso quando um grupo político substitui o adversário que considera inimigo.
O que fez a diferença e virou a página do ciclo da década perdida dos anos 80 foi o Plano Real em 1994, que derrubou a hiperinflação e estabilizou a economia. Antes dele o País vivia um quadro desolador de desinvestimento, crescimento represado, supressão de empregos e a população pobre condenada à miséria por uma inflação devoradora do poder de compra. O Plano Real não se esgotou com a queda brusca da inflação. Ele foi fundamental para deflagrar uma série de mudanças na estrutura legal da economia, que abriu caminho para melhorar a distribuição de renda e ampliar o acesso da população pobre a bens e serviços. Alguns números da Pnad de 2006 para comprovar que FHC começou, Lula continuou e governantes futuros têm ainda muito a fazer:
O impacto do fim da inflação fez a renda média do trabalho saltar para R$ 840 em 1996, cair para R$ 755 em 2002 e se recuperar em R$ 795 em 2006.
Com metas de investimento a cumprir, as telefônicas privatizadas ampliaram de 58,9% (em 2001) para 75,2% (2006) os domicílios providos de telefone fixo ou celular. Antes da privatização só 19% das residências eram atendidas.
Em 2001 havia geladeiras em 85,1% dos domicílios, em 2006 já eram 89,9%; rádio ficou estagnado em 88,1%; televisão evoluiu de 89,1% para 93,5%. Extraordinário foi o crescimento de microcomputadores que, nesses cinco anos, saltou de 12,6% para 22,4% de domicílios.
Foi a compra a crediário que possibilitou a ampliação do acesso a esses bens. E, sem economia estabilizada, nem o pobre poderia encaixar a prestação em seu orçamento nem haveria sistema de crédito popular. Foi mérito do governo Lula criar o crédito consignado para trabalhadores e aposentados, mas só foi possível depois da trajetória de sucesso percorrida pelo Plano Real.
Os números da Pnad mostram um Brasil em construção, um país que melhorou continuamente as condições de vida do povo nos últimos 13 anos, mas ainda conserva áreas intocadas ou que marcham muito lentamente, em contraste com o progresso recente. É inexplicável o atraso dos governos FHC e Lula em prover a população de serviços de água potável e esgoto sanitário. Segundo a Pnad, em 2001 a rede de esgoto atendia a 66,8% dos domicílios e cinco anos depois, só 71,3%. A situação é mais dramática no Nordeste, com 48,5% dos lares atendidos, e no Centro-Oeste, com 44,4%. O fornecimento de água evoluiu também devagar, de 81,1% para 84,2% nos últimos cinco anos.
Há outro perigoso atraso. Lula costuma dizer que governa de olho no futuro. Porém o quadro demográfico descrito pela Pnad, de queda do número de nascidos e a ampliação do tempo de vida dos idosos, não foi capaz de abrir os olhos do presidente para a necessidade de uma reforma da Previdência adaptada a esta nova realidade e prevenir o País e as próximas gerações desta futura e explosiva encrenca.