O Globo |
28/9/2007 |
O presidente Lula, que é muito esperto, já sentiu que está pegando mal essa maneira escancarada com que seus aliados estão disputando publicamente pedaços do governo, sem o menor pudor de explicitar publicamente que trocam votos por cargos públicos e verbas. Ontem ele resolveu dar um freio de arrumação nessa bagunça em que se transformou a coalizão partidária que o apóia (apóia?) no Congresso, mas foi um freio retórico, uma espécie de ordem unida para manter as aparências. Disse que ninguém está pedindo cargos, ninguém está pressionando o governo, e que ele não barganha, apenas faz política programática. Ao mesmo tempo, no entanto, confirma-se que indicados do PMDB ganharão duas diretorias da Petrobras, desalojando inclusive nessa dança das cadeiras representantes históricos do sindicalismo na Petrobras, como Guilherme Estrella. Logo no início do primeiro governo Lula, vários postos-chave da empresa foram escolhidos por eleição direta através de debates em um fórum denominado "Pensar a Nova Petrobras", por meio do qual "expressivas mudanças" estariam sendo implementadas. E que mudanças tão importantes eram essas? "A indenização das viúvas dos companheiros vitimados na P-36, a suspensão do edital de venda dos campos maduros, a nacionalização de parte da construção das plataformas P-51 e P-52, além da proposta do acordo para trazer de volta os companheiros demitidos nas greves de 1994 e 1995", eram alguns desses pontos muito citados. Samuel Johnson, um dos principais intelectuais do século XVIII, disse que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Mas Guilherme Estrella, sindicalista-diretor de Exploração e Produção, área-chave da Petrobras, não se pejava em se embrulhar na bandeira para se defender das críticas que o modelo decisório da empresa vinha sofrendo. Em mensagem interna, naquela ocasião, além das mudanças citadas, ele relacionava o reforço do "nosso compromisso com o Brasil, valorizando o trabalho das equipes e afirmando que os objetivos corporativos sobrepõem-se aos regionais" como medidas novas "que certamente também não agradaram". Pois esse "patriota" está agora arriscado de perder o cargo por causa de uma troca de comando entre partidos da base aliada. Se é que não ganhará nenhuma outra compensação, o que estará pensando Estrella dos novos "companheiros"? É claro que sempre ocorreu essa barganha, mais ou menos revelada de acordo com a sofisticação dos hábitos políticos dos nela envolvidos, o que não mudava essencialmente o sentido das coisas, mas limitava seu alcance e, sobretudo, mantinha as aparências de um jogo político que, se não era totalmente limpo, não era também tão desavergonhado como vem acontecendo. Ao assumir o que convencionou chamar de "práticas corriqueiras" da política tradicional, o PT o fez sem nenhum pudor e, escudado na popularidade do presidente Lula, vem defendendo com tamanho ardor o aparelhamento da máquina estatal pelos partidos da chamada "base aliada", justificando-as com tamanha arrogância, que talvez esse seja o maior desserviço que esteja prestando aos hábitos políticos brasileiros, que já não eram lá essas coisas. O falecido deputado Roberto Cardoso Alves, o Robertão, consagrou-se ao proferir a frase "É dando que se recebe", uma contrafação grosseira do aforisma franciscano na definição do deputado Chico Alencar, da esquerda católica que fundou o PT e hoje está no PSOL. Pois ele se diz "chocado" com o fato de que essa prática, tão criticada pela esquerda há duas décadas, no Centrão da Constituinte, é hoje assumida pelo PT como "natural". O interessante é que já existe dentro da base partidária do governo quem cobre do PSOL uma atitude "menos radical", alegando que a resistência, "absolutamente legítima", aumentava o preço do voto de muitos que são governo. As dificuldades que, como oposição programática, os egressos do PT criavam exacerbavam o pedido de facilidades dos fisiológicos, segundo esse raciocínio. A situação está tão estranha que vários petistas reconhecem que PMDB, PP, PR e PTB são "aliados custosos", e alguns chegam a comentar, à boca pequena, que, pelas identidades programáticas atuais, com os tucanos e até com setores do DEM, a negociação poderia ser menos trabalhosa. Intrigas políticas à parte, o fato é que o governo está tentando entender se a rebelião do PMDB no Senado pode ser contida com alguns cargos a mais, ou se a questão de Renan Calheiros está no centro da disputa. Tudo indica que Calheiros apenas está se aproveitando da indisposição peemedebista para demonstrar uma força que já não possui. Há uma ala petista que ficou incomodada com a repercussão na opinião pública da absolvição do presidente do Senado e quer se livrar dele. Se o PMDB como partido aceitar negociar os cargos e o substituto de Renan Calheiros sem se importar com seu destino, é possível que ele acabe cassado numa próxima votação. Mas tudo terá que ser feito dentro de uma nova postura, mais discreta. Resta saber se Renan Calheiros aceitará morrer discretamente. |
Entrevista:O Estado inteligente
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