Ainda sobre o valerioduto mineiro, vale a pena ler reportagem de Rubens Valente na Folha deste domingo (ler abaixo), que expõe as diferentes entre o esquema mineiro e o federal. Uma é bastante relevante: “No caso petista, os R$ 55,9 milhões utilizados no mensalão não foram pagos até hoje. Os bancos Rural e BMG cobram na Justiça de Valério e do PT cerca de R$ 100 milhões, em valores atualizados em dezembro de 2005. O PT reconhece uma dívida de R$ 11,6 milhões com os dois.No episódio mineiro, os empréstimos de R$ 28,5 milhões utilizados no valerioduto para custear a campanha majoritária de Azeredo e aliados foram quitados em 1998 e 99. Segundo a PF, as dívidas bancárias foram pagas ou mediante outros empréstimos ou por meio de depósitos em espécie de origem não identificada.”
Pois bem. Isso reforça o que já se sabe: a tramóia mineira foi mesmo eleitoral — e foi crime também, é óbvio. No caso petista, tratava-se de movimentação de dinheiro, fora do período eleitoral, para comprar parlamentares. Os empréstimos em Minas aconteceram de fato e foram quitados. No caso petista, há a forte suspeita de que jamais tenham existido: eram só uma forma de levar a origem ilegal dos recursos.
Quitação de dívidas distingue valerioduto mineiro do mensalão Esquemas divergem também no tempo de duração dos repasses e no envio de recursos ao exterior; em comum, está a técnica utilizada por Marcos Valério
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL da Folha
A comparação entre o mensalão operado pelo PT a partir de 2003 e o valerioduto comandado pelo PSDB em Minas em 1998 resulta em pelo menos três diferenças, segundo revelam as investigações da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da República sobre os dois esquemas. Há divergências quanto ao tempo de duração dos pagamentos, à quitação ou não dos empréstimos bancários para os repasses aos políticos aliados e a remessas ao exterior de parte dos recursos.
No esquema petista, os pagamentos feitos pelas empresas do publicitário Marcos Valério de Souza aos políticos, assessores e fornecedores das campanhas se prolongaram até muito depois da eleição de 2002 -o último repasse é datado de 1º de outubro de 2004, segundo a lista de pagamentos entregue ao Ministério Público por Valério.
Há indicativos de que só pararam ali porque o "Jornal do Brasil" divulgara, apenas uma semana antes, uma reportagem com suspeitas sobre a existência dos pagamentos, cuja investigação decorrente logo foi arquivada pela Câmara. Em junho de 2005, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o mensalão, em entrevista à Folha.
No caso de Minas, os repasses ocorreram sempre em 1998, durante ou logo após a campanha daquele ano. A diferença leva o ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) a dizer, por meio de sua assessoria, que não houve corrupção de deputados da Assembléia de Minas para aprovarem matérias de seu interesse. Contudo, as investigações federais têm como ponto de partida o ano de 1998, e não se sabe exatamente se algum esquema estava em operação antes das eleições.
O segundo ponto divergente entre os dois esquemas trata do pagamento dos empréstimos bancários usados para financiar os políticos. No caso petista, os R$ 55,9 milhões utilizados no mensalão não foram pagos até hoje. Os bancos Rural e BMG cobram na Justiça de Valério e do PT cerca de R$ 100 milhões, em valores atualizados em dezembro de 2005. O PT reconhece uma dívida de R$ 11,6 milhões com os dois.
No episódio mineiro, os empréstimos de R$ 28,5 milhões utilizados no valerioduto para custear a campanha majoritária de Azeredo e aliados foram quitados em 1998 e 99. Segundo a PF, as dívidas bancárias foram pagas ou mediante outros empréstimos ou por meio de depósitos em espécie de origem não identificada.
Há pelo menos uma dívida em aberto no valerioduto mineiro, mas está fora do sistema financeiro: o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, deu R$ 511 mil para Azeredo, segundo ele, a fundo perdido, por amizade.
A divergência entre os casos levanta a suspeita de que, no caso petista, os empréstimos foram tomados com a intenção de não serem pagos, como concluiu a CPI dos Correios. O delegado da PF Luís Zampronha, que atuou nos dois inquéritos, levantou outra hipótese: no relatório do valerioduto, ele escreveu que talvez o esquema petista tenha apenas ficado "incompleto", por isso os empréstimos ficaram em aberto.
"Diferentemente do apurado no inquérito policial 2245-4/ 140-STF [do mensalão], no presente caso foi observado o ciclo completo do procedimento ilícito adotado, que somente pode ser alcançado após o pagamento dos empréstimos, momento em que se revela a verdadeira origem dos recursos disponibilizados pelas empresas de Marcos Valério (...) Fica evidente que tais empréstimos não passaram de adiantamentos que foram posteriormente cobertos com recursos públicos desviados ou com valores disponibilizados por empresários que possuem fortes interesses econômicos junto ao Estado", concluiu Zampronha.
O terceiro ponto divergente trata dos pagamentos ao exterior feitos ao marqueteiro da campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, Duda Mendonça. A partir de 2003, ele recebeu R$ 10,5 milhões numa conta bancária aberta nos Estados Unidos em nome da empresa Dusseldorf, sediada no paraíso fiscal das Bahamas. Esse tipo de operação com evasão de divisas não foi registrado no caso mineiro.
Duda também foi o marqueteiro da campanha de Azeredo. Sua empresa recebeu R$ 4,5 milhões, mas o valor declarado à Justiça Eleitoral foi de R$ 700 mil. Os pagamentos foram em espécie, em cheques emitidos pela SMPB, de Valério.
Convergência
O principal ponto de convergência entre os dois casos é a técnica utilizada por Valério e pelos operadores políticos. Como apontou Zampronha, nos dois casos foi adotado um sistema que misturava, no caixa das empresas de Valério, recursos lícitos (contratos publicitários) e ilícitos (desvios, doações eleitorais clandestinas).
"Essa técnica, conhecida como "commingling" ou "mescla", caracterizada por esquemas que procuram ocultar os recursos de origem criminosa dentro das atividades normais de estruturas empresariais, é a mais utilizada por organizações criminosas", escreveu Zampronha. "Valério acredita na infalibilidade da metodologia (...) para dissimular a origem e ocultar o destino dos recursos da campanha, desconhecendo que essa tipologia de lavagem de dinheiro já foi devidamente esquadrinhada ao longo dos anos pelos organismos de repressão ao crime organizado", apontou.