Paulo Renato Souza
O Partido dos Trabalhadores e alguns dos chamados “movimentos sociais” lançaram uma campanha pela reestatização da Companhia Vale do Rio Doce disfarçada sob a forma de um plebiscito. O presidente Lula, como de costume, tirou o corpo fora, informando ao País que a iniciativa não era para valer, ou seja, trata-se de mera “brincadeirinha política”.
Entretanto, esta é uma boa oportunidade para responder com seriedade a três questões cruciais em relação ao processo de privatização da Vale:
Como empresa estatal, a Vale teria tido nestes últimos dez anos o espetacular desempenho que teve como privada?
Como empresa estatal, a Vale teria proporcionado ao Estado brasileiro os mesmos benefícios que proporcionou como privada?
Finalmente, à época da privatização, seu preço foi justo?
Para responder a estas questões devemos analisar a evolução da própria empresa antes e depois da privatização e também compará-la com a da Petrobrás, empresa de porte semelhante que permaneceu em mãos do Estado.
No período em que foi estatal, de 1943 a 1997, a Vale produziu em média 35 milhões de toneladas por ano, passando a 165 milhões depois da privatização. As exportações se multiplicaram quase 5 vezes, em valores monetários comparáveis. Os dividendos pagos à União triplicaram e os impostos pagos aumentaram 22 vezes. No dia da privatização, a Vale empregava 15 mil funcionários; hoje são mais de 55 mil empregos diretos.
Nos dez anos que vão desde a privatização da empresa, a receita da Vale cresceu 7,5 vezes e a da Petrobrás, 4,5 vezes; o emprego multiplicou-se por 3,5 vezes na Vale e por 1,5 na Petrobrás, isso tudo apesar de o preço do petróleo ter crescido mais que o do minério de ferro. Entretanto, nenhum desses números se justificaria se o governo tivesse dilapidado o patrimônio público, vendendo a Vale por um preço menor do que seu valor real.
O valor de mercado de uma empresa reflete a percepção dos investidores sobre sua rentabilidade futura, ou seja, o retorno financeiro do investimento. Isso significa que o valor de suas ações sintetiza as percepções em relação às possibilidades futuras de ampliação das receitas, de realização de novos investimentos lucrativos, de produção eficiente e de controle de custos. No dia de sua privatização, em 6 de maio de 1997, a Vale foi valorizada em US$ 10,4 bilhões. Quatro anos depois, no dia do chamado “descruzamento das ações”, em 15 de março de 2001, realizado para resolver problemas societários que afetavam a governança da empresa, seu valor era menor: US$ 9,2 bilhões. Nesse período, o preço de seu principal produto, o minério de ferro, se manteve rigorosamente estável. Ou seja, o valor da Vale em 1997 se manteve por quatro anos numa ordem de grandeza que correspondia efetivamente às percepções do mercado de então. O Estado brasileiro, portanto, obteve então um preço justo pela empresa.
Hoje, a Vale tem um valor de mercado de US$ 137 bilhões. Diriam que o preço do minério de ferro explica essa evolução. De fato, o preço do seu principal produto teve um expressivo crescimento desde 2001, multiplicando-se por 2,8 vezes. Não explica, porém, a multiplicação do capital da Vale em quase 15 vezes no mesmo período. Além disso, a Vale deixou de ser a sétima mineradora do mundo para se tornar a segunda. Essa valorização se deve à estratégia de crescimento da companhia adotada desde 2001 e à gestão eficiente, coisas que são induzidas por seu caráter privado.
No dia da privatização da Vale, a Petrobrás tinha um valor de mercado de US$ 22 bilhões. Hoje, seu valor é de US$ 146 bilhões. O preço do petróleo, porém, aumentou mais que o do minério de ferro nesse período: 4,3 vezes. Fazendo uma simples correlação com a evolução dos preços de seus principais produtos, e supondo que a Petrobrás nesse período tivesse tido políticas semelhantes às da Vale em gestão e investimentos, seu capital poderia ter sido multiplicado por 20 vezes, e não apenas por 7. Ou seja, a Petrobrás poderia chegar a valer hoje mais de US$ 400 bilhões com uma estratégia de gestão privada! Obviamente, esse é apenas um exercício simplificado para ilustrar o que poderia acontecer com práticas de gestão que enfatizassem o controle de custos, uma política de vendas mais agressiva e investimentos feitos com critérios econômicos, e não políticos.
Como empresas estatais, a contribuição da Vale e da Petrobrás, criadas por Getúlio Vargas, tiveram um papel central no desenvolvimento do País. Seus investimentos mais arrojados possivelmente não teriam sido feitos, não fora seu caráter estatal de então. Entretanto, cumprido seu papel estatal, a hora da privatização da Vale chegou e o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso teve a coragem de fazê-la há dez anos. É possível que a mesma receita não se aplique à Petrobrás e que ela deva permanecer em mãos do Estado, inclusive por razões estratégicas.
Os dados que apresentei demonstram duas coisas: o desempenho superior da Vale privada em relação ao período estatal em todos os indicadores econômicos e sociais e seu melhor desempenho econômico em relação à Petrobrás desde a privatização. Em outras palavras, o governo, o PT e os “movimentos sociais” prestariam melhor serviço ao País se passassem a cobrar melhores políticas e resultados da gestão da Petrobrás, em vez de lançarem a idéia esdrúxula da reestatização da Vale. Afinal, a Petrobrás pertence a todos os brasileiros e a gestão estatal está dilapidando nosso patrimônio ao não alcançar uma valorização compatível com a bonança de seu mercado nos últimos anos.