Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 15, 2007

Prosperidade, tolerância e respeito

JOSEPH STIGLITZ

O dia 31 de agosto marcou o 50oaniversário da independência da Malásia, após mais de 400 anos de colonialismo. A luta pacífica da Malásia pode não ter recebido a atenção dispensada à de Mahatma Gandhi, na Índia, mas o que o país obteve desde então é impressionante — e tem muito a ensinar ao mundo, tanto sobre economia quanto sobre como construir uma sociedade vibrante, multirracial, multiétnica e multicultural.

Os números dizem muito. Ao se tornar independente, a Malásia era um dos países mais pobres do mundo. Embora dados confiáveis sejam difíceis de obter, seu Produto Interno Bruto (em termos de paridade de poder de compra) era comparável aos de Haiti, Honduras e Egito, e 5% menor que o de Gana. Hoje, a renda da Malásia é 7,8 vezes a de Gana, mais de cinco vezes a de Honduras e mais de 2,5 vezes a do Egito. No ranking dos países com maior crescimento, a Malásia está no topo, junto com China, Taiwan, Coréia do Sul e Tailândia.

Acima de tudo, os benefícios do crescimento têm sido compartilhados. A pobreza absoluta deverá estar eliminada em 2010, com a taxa de pobreza total caindo para 2,8%. O país conseguiu diminuir a desigualdade de renda entre os vários grupos étnicos, não reduzindo os mais altos, mas elevando os mais baixos. Parte do sucesso na redução da pobreza reflete vigorosa criação de empregos.

Enquanto o desemprego é um problema na maior parte do mundo, a Malásia importa mão-de-obra. Nos 50 anos desde a independência, 7,24 milhões de empregos foram criados, um salto de 261% que seria equivalente, nos EUA, à criação de 105 milhões de novos postos de trabalho.

Havia muitas razões para não esperar tanto sucesso da Malásia. Na época em que o país conseguia sua independência, o economista Prêmio Nobel Gunnar Myrdal escreveu seu influente livro “Drama asiático”, no qual previu um futuro nada brilhante para a região. A Malásia é rica em recursos naturais. Mas, com poucas exceções, países assim são afligidos pela chamada “praga dos recursos naturais”: nações com abundância de recursos não só não conseguem corresponder às expectativas, como freqüentemente têm desempenho pior do que aqueles que não os possuem. Embora riqueza de recursos naturais devesse tornar mais fácil a criação de uma sociedade mais igualitária, países com mais recursos, em geral, são marcados por maiores desigualdades.

A sociedade multirracial e multicultural da Malásia tornou o país vulnerável a disputas internas comuns a países com recursos naturais abundantes, na medida em que um grupo tenta garantir a riqueza para si. Em muitos casos, minorias agem para garantir os frutos dessa riqueza para seus membros, às expensas da maioria da população — o caso da Bolívia, um dos muitos países ricos com povo pobre — vem à mente.

Na independência, a Malásia enfrentou também uma insurgência comunista.

Corações e mentes dos habitantes do interior tinham de ser conquistados, o que significou levar-lhes benefícios econômicos e minimizar os danos colaterais a civis inocentes — uma importante lição para o governo Bush no Iraque, se ele pudesse ouvir a alguém fora de seu círculo restrito. A Malásia teve outro fator contrário: as potências européias pouco fizeram para melhorar o padrão de vida nos países que dominaram. O exemplo mais visível foi a dramática queda do PIB da Índia, como porcentagem da produção geral de riquezas, durante o domínio britânico. Na época, a Grã-Bretanha aprovou leis comerciais para beneficiar seus produtores têxteis, em detrimento dos da colônia.

As táticas coloniais do dividir para reinar permitiram a pequenas populações na Europa controlar grandes massas fora do Continente, pilhando seus recursos naturais e pouco investindo em capital físico, humano e social, fatores necessários para tornar uma sociedade bem-sucedida economicamente, democrática e autônoma. Muitas das ex-colônias precisaram de décadas até superar esse legado. Como, então, um economista explica o sucesso da Malásia? Economicamente, o país aprendeu com seus vizinhos. Muitas das ex-colônias rejeitaram sua herança colonial e se voltaram para a Rússia e o comunismo. Sabiamente, a Malásia seguiu caminho diverso, espelhandose nos países mais bem-sucedidos do Leste da Ásia. Investiu em educação e tecnologia, elevou a taxa de poupança interna, executou um vigoroso programa de ação afirmativa e adotou políticas macroeconômicas consistentes.

Os líderes do país reconheceram que o sucesso exigia uma participação ativa do governo. Preferiu o pragmatismo à ideologia, rejeitando fórmulas externas.

Durante a crise financeira de 1997, por exemplo, o país evitou adotar o receituário do FMI, ao contrário de muitos outros, e como resultado sofreu menos com a turbulência na Ásia. Quando reemergiu, não estava afogado em dívidas e com muitas empresas falidas, como vários de seus vizinhos. Essa proeza não foi, é claro, apenas uma questão de economia.

Tivesse adotado as políticas recomendadas pelo FMI, poria em risco o tecido social construído ao longo das quatro décadas precedentes.

Dessa forma, o sucesso da Malásia deve ser estudado tanto pelos que buscam a prosperidade econômica quanto pelos que procuram entender como nosso mundo pode viver junto, não só com tolerância, mas também com respeito.

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