Epopéias das culturas anglo-saxã e maia
(sim, isso existe) são traduzidas no Brasil
Jerônimo Teixeira
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Jorge Luis Borges dizia acreditar que um dia a narrativa épica em verso, os cantos heróicos de clássicos como a Ilíada de Homero, voltaria a ser praticada. Irônico, o escritor argentino acrescentava que ele mesmo havia tentado a mão em um poema épico – mas conseguira apenas dois ou três versos. O fôlego épico do mundo moderno dificilmente chegará mais longe: não cabe mais fundar nações ou cantar a bravura de um povo pela força da poesia. Mas o autor de Ficções acertava ao afirmar que as pessoas continuariam tendo sede e fome de épicos. O leitor brasileiro ganhou novas fontes para saciar esse impulso, com a tradução recente de duas epopéias de tradição, digamos, marginal (se comparadas a Homero, Virgílio ou Camões): o Popol Vuh (tradução de Sérgio Medeiros e Gordon Brotherston; Iluminuras; 480 páginas; 62 reais), texto maia do século XVI, e o Beowulf (tradução de Erick Ramalho; Tessitura; 216 páginas; 23 reais), clássico anglo-saxão provavelmente composto no fim do século VII ou início do VIII. São dois textos estranhos, culturalmente distantes do leitor educado pelo romance. Mas são também narrativas poderosas.
Embora cronológica e geograficamente mais próximo do leitor brasileiro, o Popol Vuh é o texto mais difícil. Longa teogonia em quiché, língua nativa da Guatemala, o poema às vezes se revela confuso, tal a profusão de deuses e personagens. O mito maia compreende dois ensaios fracassados da criação do homem. O primeiro homem, feito a partir do barro, desfazia-se em umidade. Uma nova tentativa foi feita com bonecos entalhados em madeira, mas eles eram duros, "não tinham coração / e não tinham mente". O homem original foi afinal feito a partir do milho, base da alimentação maia. Outros episódios curiosos se misturam à criação, como a descida de dois heróis gêmeos ao Xibalba, espécie de inferno maia – onde eles até jogam bola com os "demônios". Escrito em anglo-saxão, língua germânica que daria origem ao inglês, Beowulf segue um esquema mais familiar: a narrativa dos feitos de um herói. Ainda que tenha sido escrito na Inglaterra, o poema conta eventos míticos de antigos povos escandinavos. Beowulf é um guerreiro geta que prova sua bravura em lutas com monstros brutais, como Grendel e, no final, um dragão – que, mesmo abatido, vai tirar a vida do guerreiro. O funeral do herói dá um belo termo ao poema.
Ao cantarem a bravura de um herói ou relatarem a criação de um povo, essas epopéias aparentemente guardam a ambição de fundar uma nação, de servir de base mítica para uma sociedade. Na verdade, o Popol Vuh e o Beowulf são a última expressão de culturas evanescentes. Escrito por índios quichés na década de 1550, mas preservado só em uma cópia do século XVIII, o poema maia é uma tentativa de afirmação diante do invasor espanhol. E, embora o Beowulf fale do universo nórdico pagão, seu autor é um poeta cristão retratando os valores de um mundo esquecido. O épico às vezes é um canto de cisne.
VIOLÊNCIA ÉPICA
"Firme e feroz, arrastou-me até o fundo Trecho de Beowulf |
| "E Hun Ah Pu Trecho de Popol Vuh |