A Venezuela, em outubro de 2005, solicitou formalmente sua inclusão como membro pleno do Mercosul e, em dezembro, os países membros assinaram um acordo marco nesse sentido. Em julho de 2006, foi assinado o Protocolo de Adesão, que deverá entrar em vigor após a aprovação pelos Congressos dos quatro paises membros e pelo Congresso venezuelano. Os Congressos da Venezuela, Argentina e Uruguai já aprovaram o referido Protocolo. Brasil e Paraguai ainda não completaram o processo de ratificação.
O encontro Lula-Chaves na semana passada e o início da apreciação do Protocolo de Adesão pelo Congresso Nacional recolocaram o assunto na pauta das prioridades do Governo brasileiro e do debate nacional.
O ingresso da Venezuela ou de qualquer outro país ao Mercosul, pela complexidade, pelas implicações institucionais e pelas negociações de acordos comerciais com outros países, deveria ser inicialmente objeto de uma análise isenta e objetiva, deixando de lado considerações de ordem política ou ideológica.
O artigo 20 do Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, prevê que todos os países membros da ALADI podem solicitar adesão ao bloco, como fez a Venezuela. O artigo 2 do Tratado define que um dos fundamentos do Mercosul é justamente o princípio da reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados Partes.
Segundo os termos do Protocolo aprovado pelos cinco países, a Venezuela adotará os protocolos, decisões e resoluções do Mercosul de forma gradual, no mais tardar em quatro anos contados a partir da entrada em vigência do Protocolo (artigo3) e a Nomenclatura Comum do Mercosul e a Tarifa Externa Comum (TEC) no mais tardar em quatro anos (artigo 4). As Partes se comprometem a alcançar o livre comércio, no caso do Brasil e da Argentina até janeiro de 2012, no caso do Paraguai e Uruguai até 2013 e no caso da Venezuela (em relação aos membros do Mercosul) até 2012.
O Protocolo de Adesão criou um Grupo de Trabalho que, em 180 dias (até 5 de março de 2005), deveria detalhar esses compromissos e estabelecer o cronograma para a adoção do conjunto de normas do Mercosul e para a adoção da TEC pela Venezuela; estabelecer o programa de liberalização comercial e definir as ações necessárias para a adesão pela Venezuela aos acordos comerciais assinados pelo Mercosul.
O informe final do GT foi aprovado pelos Governos, mas deixou sem conclusão a maioria das questões técnicas e comerciais. As negociações estão suspensas desde março, quando os países membros decidiram criar um outro GT, ad hoc, para tentar concluir os trabalhos em 180 dias, prorrogável por mais 180, a partir de 1 de outubro.
Para melhor entender a situação que prevalece hoje, nos próximos seis meses deverão ser resolvidas as pendências não resolvidas até aqui:
- cronograma de adesão ao acervo normativo do Mercosul (do total de 783 normas, há 169 sem indicação de prazo para adoção pela Venezuela);
- cronograma de adesão à TEC (foram definidos os prazos e o percentual de produtos, mas não as listas de produtos que estarão em cada etapa);
- cronogramas para implementação do livre comércio (o GT não conseguiu concluir negociação de cronograma de liberalização entre Venezuela e Argentina e Venezuela e Brasil);
- adesão aos acordos negociados com terceiros paises (não houve nenhuma definição e foi concedido mais 270 dias para a Venezuela estudar as propostas nesse tema).
A exemplo do que ocorreu recentemente na União Européia, a ratificação pelos Congressos do Protocolo de Adesão depende da conclusão das negociações do país que solicita a entrada no bloco comercial com seus membros plenos. No caso das últimas incorporações de novos membros à União Européia, em 2004 e 2007, as negociações do Protocolo de Adesão ao Tratado de Roma levaram mais de cinco anos.
De conformidade com o documento assinado pelos cinco países e segundo a prática do direito internacional, não será possível o Congresso Nacional aprovar o Protocolo de Adesão, antes que as tarefas do Grupo de Trabalho ad hoc estejam concluídas. Trata-se de uma questão técnica, não política.
Foi noticiado que o Ministro Celso Amorim, em encontro em Brasília, no mês de agosto, teria deixado claro ao Chanceler da Venezuela, Nicolas Maduro, que Congresso dificilmente aprovaria o Protocolo sem a conclusão das negociações técnicas.
Por uma decisão política dos paises membros, já que o Tratado de Assunção não prevê essa categoria, a Venezuela, a partir da assinatura do Protocolo de Adesão, passou a ser considerado como membro pleno do Mercosul em processo de adesão. Essa decisão permite aos representantes daquele país participar de todas as reuniões, inclusive de negociações de acordo comercias, com direito a voz, mas não a voto.
Cabe ressaltar que a Venezuela já havia aderido a diversos Protocolos do Mercosul, como o de Ushuaia, que consagrou a cláusula democrática.
A discussão no Congresso Nacional sobre o ingresso de qualquer país como membro pleno no Mercosul deveria cingir-se à analise dos compromissos, direitos e obrigações, assumidos perante os países membros.
É possível que a Venezuela, por razões econômicas ou de política interna, esteja buscando uma justificativa para desistir e recuar de sua intenção inicial de tornar-se membro pleno do Mercosul. O Congresso não deveria entrar no jogo público estimulado pelo Presidente venezuelano.
Considerações de outra natureza, que não as técnicas,– e haveria inúmeras – desvirtuariam a objetividade do debate e dariam desculpa para que o ônus da desistência da Venezuela recaía sobre o Brasil.