A última do MST: cursos exclusivos em faculdades
públicas – com o patrocínio do governo
Camila Pereira
Sebastião Moreira/AE |
Assentados na sala de aula: o objetivo do MST é formar quadros para "fazer a revolução" |
Eis algumas das diferenças entre um curso universitário feito sob medida para assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e os demais. As aulas, sejam elas da faculdade de geografia ou pedagogia, começam com uma espécie de encenação teatral durante a qual os sem-terra fazem conclamações à luta contra as classes dominantes. As disciplinas são definidas em assembléias nas quais os alunos têm cadeira e direito a voto. Foi numa dessas reuniões que se decidiu incluir o espanhol no currículo de um curso de letras na Bahia. Os assentados reivindicavam aprender o idioma a pretexto de melhorar a comunicação com os "companheiros" dos países da América Latina. Entre as matérias que só eles têm, uma das descritas com maior entusiasmo é história dos movimentos sociais, que "narra a luta pela terra" desde o Brasil colônia. O calendário local também segue uma lógica própria. O 7 de Setembro, em que se celebra a independência do Brasil, foi transformado no "dia dos excluídos". Adoram-se – dentro e fora da sala de aula – Che Guevara e Karl Marx. Por tudo isso, esses cursos de ensino superior, exclusivos dos sem-terra, se distinguem dos oferecidos no restante do país.
Há, no entanto, dois fatos surpreendentes que os tornam semelhantes aos demais. Eles ocorrem em algumas das melhores universidades públicas do país, entre elas a Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Estadual Paulista (Unesp). E, como qualquer outro curso de ensino superior, também concedem aos estudantes diploma de graduação reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC). Um novo levantamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que patrocina os cursos, concluiu que o governo federal nunca investiu tanto na formação universitária dos sem-terra: 6,3 milhões de reais só em 2006 (veja o quadro abaixo). Já são dezesseis universidades públicas que oferecem graduação exclusiva aos assentados. É isso mesmo: elas aceitam apenas sem-terra. Segundo o ministério, o governo patrocina cursos do gênero nas áreas de pedagogia, geografia, letras, história e direito.
Eber Faioli/Cedecom/UFMG |
Curso de pedagogia da terra da UFMG |
Não é exatamente uma novidade o fato de o MST receber verbas do governo para educar seus integrantes. Na década de 80, o movimento pleiteou – e conseguiu – tornar públicas as escolas dos assentamentos, até então improvisadas sob lonas. Na década de 90, firmou convênios com faculdades públicas para cursos eventuais. Há dois anos, o MST criou a Escola Nacional Florestan Fernandes, espécie de universidade do movimento. O maior avanço, sem dúvida, veio com os novos cursos superiores. Com eles, os sem-terra estudam nas melhores faculdades do país, têm o privilégio da reserva de vagas e ainda por cima impõem um regime paralelo. No vestibular, são testados conhecimentos da cartilha do MST (veja alguns exemplos acima). Os assentados só entram na disputa por uma vaga com o aval dos líderes. Em sala de aula, onde se ensina um currículo aparentemente convencional, predomina o discurso anticapitalista e de ódio ao agronegócio. Dele, comungam os professores. Diz Gelcivânia Mota, do curso de pedagogia da Universidade do Estado da Bahia: "Os professores acreditam nas propostas dos movimentos sociais do campo".
Ensinar aos sem-terra uma visão dogmática do mundo já é por si só um problema, mas o quadro piora porque a catequese marxista se dá em universidades públicas – com patrocínio do governo. A meta do MST ao levar assentados à academia, afinal, é preparar gente para combater "o sistema" (aquele mesmo que os está bancando), e eles tratam abertamente do assunto. Segundo o livro A Política de Formação de Quadros, febre literária nos assentamentos do movimento, "quem não forma quadros dificilmente atinge seus objetivos estratégicos na revolução". É sempre bom saber que mais gente chega à universidade no Brasil. O problema, neste caso, é que ela está servindo a uma causa anacrônica – e não se presta ao papel fundamental de preparar jovens para atuar numa sociedade moderna.
O diploma é o mesmo. Para entrarem numa universidade pública, os sem-terra prestam um vestibular próprio. Eis algumas das questões extraídas da prova de múltipla escolha do curso de direito para assentados da Universidade Federal de Goiás 1 A relação entre estrutura fundiária e fome no Brasil decorre da... 2 Sob a lógica dos movimentos sociais no campo... 3 O "campo goiano" é representado por inúmeras manifestações culturais que desenvolvem uma diversidade de símbolos, dos quais... Respostas: 1.b; 2.c; 3.b |