Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 30, 2007

Mailson da Nóbrega

Porque o crescimento se acelera


Se for feita uma pesquisa para indagar quem é o maior responsável pelo aumento do ritmo de crescimento do PIB, Lula provavelmente será o escolhido. Assim como a maioria crê que ele fez a estabilização, creditar-lhe-ia também os louros dessa outra melhoria, atribuindo-os ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

No futuro, estudos sérios apontarão outra conclusão. Lula terá sua contribuição reconhecida, não pelo PAC, mas essencialmente pela coragem de abandonar idéias erradas sobre a política econômica.

O PAC prova a capacidade de marketing do governo. A idéia pegou. Lula transformou a sigla numa espécie de remédio caseiro que serve para tudo. Agora tem PAC da educação, da saúde, da segurança, do saneamento, dos índios...

O PAC tem foco certo: a infra-estrutura. Para geri-lo, adota-se modelo de administração do período FHC (''''Avança Brasil''''), uma grande melhora em um governo marcado pela pobreza de gestão, pelo escandaloso loteamento de cargos e pelo aparelhamento do Estado. Segundo informou Gaudêncio Torquato, 45% da cúpula do governo é sindicalizada (Estado, 23/9/2007).

O PAC não é nem será a causa da aceleração recente do crescimento. Se todos os projetos financiados pelo Orçamento da União forem executados (o que não está sendo o caso), o investimento anual será de menos de 1% do PIB, nível semelhante ao observado nos últimos anos. Os relativos às empresas estatais existiriam com ou sem PAC.

A aceleração se deve basicamente a duas causas: 1) a preservação da estabilidade macroeconômica, em razão da continuidade e melhoria da política econômica herdada de FHC; 2) o desempenho da economia mundial, que a partir de 2003 ingressou em seu melhor período desde a segunda metade dos anos 1970.

Antes da nova metodologia de cálculo do PIB, que o ampliou, se dizia que maior ritmo de expansão dependia de grandes reformas - previdenciária, tributária, trabalhista -, necessárias à elevação dos investimentos e da produtividade, que são as fontes básicas do crescimento. Essas reformas continuam necessárias, mas por que a melhora veio sem elas?

A explicação se deve ao amadurecimento das reformas microeconômicas dos últimos 20 anos e da estabilidade. A Tendências fez um levantamento dessas reformas e achou uma lista impressionante. O governo Lula contribuiu com a Lei de Falências, o crédito consignado, o ''''patrimônio de afetação'''', a obrigatoriedade do pagamento da parcela incontroversa de dívidas e medidas que asseguraram o uso da alienação fiduciária de imóveis. As três últimas beneficiaram particularmente o crédito imobiliário.

A estabilidade é, de longe, a principal causa. No fim do governo Lula, teremos completado 16 anos de mesma direção de política econômica, um feito inédito na história recente. Se a estabilidade for percebida como permanente, como é o caso, forma-se um ambiente de previsibilidade e se criam incentivos que dinamizam o crédito - que vem expandindo-se a dois dígitos por ano desde 2003 - e a atividade econômica.

Lula contribuiu para afastar o medo derivado de sua eleição, mantendo a autonomia operacional do Banco Central, que não sofreu aparelhamento e por isso compôs sua diretoria à base exclusivamente do mérito. O aumento do superávit primário, ainda que à custa de elevação da carga tributária, foi outra medida fundamental.

A gestão macroeconômica responsável do governo Lula reduziu substancialmente o risco político. Avalia-se que os futuros presidentes dificilmente poderão promover e manter retrocessos nessa área, uma realidade que se incorporou ao modo de pensar das empresas brasileiras. As multinacionais identificaram novas oportunidades, o que explica os inéditos níveis de investimento estrangeiro, que devem bater este ano o recorde de US 32,8 bilhões de 2000, agora sem privatizações.

A estabilidade e a previsibilidade têm gerado incentivos ao investimento e acarretado ganhos de produtividade. Viabilizam um novo ciclo de crédito imobiliário, que será mais amplo e duradouro do que o do antigo Sistema Financeiro da Habitação. O efeito desse ciclo no crescimento e no bem-estar será considerável.

Essas transformações pouco ou nada terão a ver com o PAC, mas não será surpresa se Lula reivindicar o respectivo mérito, nem se a opinião pública acreditar na sua fala.

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