"O LIVRO, CAINDO NALMA, É GERME, QUE FAZ A PALMA, É GOTA, QUE FAZ O MAR." CASTRO ALVES (O CAETANO VELOSO DO SÉCULO XIX) |
LIVROS
Volta e meia surgem vozes decretando o fim do livro. O curioso é que todo mundo fala como se livro fosse romance. Livro é muito mais que isso. É todo o
pensamento humano, em toda a sua complexidade. E Livro, é bom não esquecer, do mais leve ao mais sério, é diversão.
Aqui alguns dos que li ultimamente. Em nenhum deles perdi meu tempo:
GOYA
Robert Hugues (Companhia das Letras; 497 págs.)
O grande crítico australiano-americano nos dá um dramático estudo da Espanha do século XVII a pretexto de falar de Goya. Além de aprender a grande história você aprende também a pequena história, petite histoire:
1) A duquesa de Alba, a "Maja Desnuda", morreu de dengue. O nu famoso, possivelmente, é de uma prostituta qualquer. A cabeça da mulher, por imposições de cima, foi substituída por outra e está mal colocada.
Reparem da próxima vez.
2) Pra minha decepção, Goya nunca comeu a condessa. Não tinha lá tanto acesso.
Uma Noite no Majestic (Record; 347 págs.)
Mais um livro – são milhares, já – sobre Proust. O título é misleading, desorientador. E o desenho da capa ajuda muito nessa desorientação do leitor. Leva-o a achar que vai ler um livro engraçadinho. O autor, Davenport-Hines, começa pelo jantar no famoso Majestic, em que, em 1922, o social promoter Sydney Schiff, sempre muy amigo, juntou Stravinsky, Diaghilev, Picasso, Joyce, e Proust, e dá a impressão de que o seu livro se desenvolverá sobre esse jantar. Mas 90% é sobre o próprio Proust, seu gênio e suas geniais anomalias.
Curiosidade: é evidente que Davenport se baseou na extraordinária biografia de Proust, escrita por George Painter. Quando Proust sai do jantar e dá uma carona, malsucedida, a Joyce, o diálogo de Davenport é perfeitamente igual ao de Painter. Isso "acontece" demais em literatura. O próprio Proust dava suas copiadazinhas em Ruskin, sem avisar ninguém.
A "viagem" histórica no táxi de Proust durou exatamente um minuto. O Hotel Majestic ficava ao lado de onde Proust vivia. Ir de táxi podia ser por causa da asma de Proust. Ou de sua frescura.
Vocês decidem.
Pump and Circumstance (Os Dias Gloriosos das Bombas de Gasolina; John Margolies; Bulfinch Press Book; 127 págs.)
Excelente trocadilho – pra tapar a boca dos que inventaram, na Inglaterra, que o trocadilho é a mais baixa forma de humor. Eu, cá por mim, acho que a mais baixa forma de humor é a filosofia brasileira. Embora muito engraçada.
O trocadilho é sobre frase "clássica" – Pompa e Circunstância, que virou Bomba (de gasolina) e Circunstância. Não sei de onde vem a frase original e me recuso, com essa magnífica primavera batendo na minha janela, a consultar o Google, a cultura prêt–porter.
O álbum, com esplêndidas fotos, eruditamente comentadas, é a história das bombas de gasolina desde o início dos tempos, i.e., nos Estados Unidos. Me convenceu de que a Pop Art começou com aqueles postos em forma de pato e bombas como trombas de elefante. E aprendi que The Roaring Twenties – os esporrentos anos 20 –, nome popular dos anos 20, se referia ao esporro dos automóveis. Nunca mais houve silêncio no mundo.
Wittgenstein Poker. Poker aqui não é o conhecido jogo em que o blefe não só é aceito, mas até aplaudido (como no Senado brasileiro). Trata-se de atiçador, haste de ferro com que se atiça o fogo da lareira.
O Atiçador de Wittgenstein (Difel; 330 págs.).
O livro narra o encontro, de apenas dez minutos, entre o renomado filósofo Karl Popper e o "gênio" Ludwig Wittgenstein, que não apenas "renovou", mas "acabou" com a filosofia. O livro conta a história da "briga" entre os dois filósofos.
Já li alguma coisa de Wittgenstein e de vez em quando volto a ele. Concordo plenamente quando diz: "A negação é uma função unária que associa um valor de verdade ao valor de verdade oposto (se 'P' é verdadeiro, '- P' é falso)". Não é mesmo?
Bertrand Russell, último a ter alguma relação com Wittgenstein, diz que sua última premissa, de dez linhas, era "absolutamente incompreensível. Mas genial".
Fart Proudly (Enthea Pressa; 128 págs.).
Peide orgulhosamente. Textos de Benjamin Franklin que nunca foram ensinados na Escola.
Esse assunto seria fescenino se não tivesse sido escrito por um dos gênios da cultura ocidental. O "Pai da Pátria" americana aconselha todos os seus compatriotas a perderem as suas inibições quanto a emitirem gases:
"É de conhecimento universal que, digerindo comida comum, se produz, nas tripas do ser humano, certa ventosidade. Isso, escapando e se misturando à atmosfera, torna-se ofensivo à companhia, devido ao odor fétido que o acompanha. De modo que pessoas bem-educadas tentam evitar essa ofensa social, não permitindo à natureza cumprir a sua função".
E por aí vai o profeta americano, a essa altura já famoso como um dos maiores cientistas do país.
Franklin termina com um conceito filosófico: "Quem vive de esperança morre peidando".
Por falar em livros: como é que eu vivi tantos anos sem o Stic e o Post-it?