Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 22, 2007

FERNANDO GABEIRA

Nossos caros inimigos
QUANDO ME viu pela primeira vez, entre manifestantes, bandeiras e cartazes, minha filha disse: pai, que mico. Compreendi que o que era glamouroso em outras épocas pode parecer ridículo com a passagem do tempo.
Essa lembrança surgiu no domingo, quando debatia com pessoas que reclamavam da falta do povo na rua. Elas pareciam lamentar o avanço tecnológico, computadores e celulares que permitem uma outra maneira de expressão.
Não defendo a tese de que devam substituir as antigas formas. O ideal é a convergência dessas técnicas com a presença física, como houve na Espanha. Ali, o governo de centro-direita tentou manipular as notícias sobre o atentado terrorista. Pelos celulares, as pessoas conseguiram organizar grande manifestação de protesto. A convergência de dois fatores uniu o novo e o velho: o trauma de um atentado e a efervescência pré-eleitoral.
Muitos consideram hoje as manifestações inúteis e ruidosas. Mesmo se compararmos a resistência à Guerra do Vietnã com a resistência à invasão do Iraque veremos que, naqueles anos, os protestos eram mais intensos. Havia mais gente na rua.
Creio que hoje, graças à internet, haja mais gente pensando. O que era resolvido com esforço físico tornou-se um desafio intelectual. Como se tivéssemos passado da fase do trabalho manual para o intelectual. Novas diretrizes se impõem. A criatividade e a inteligência ganham importância.
Assim como as manifestações são avaliadas de forma diferente em épocas diferentes, também o são os valores. Richard Sennet avaliou a dissolução do caráter no capitalismo avançado. Não concordo com todas as suas premissas, mas reconheço que as épocas impõem mudanças. Isso é claro no Brasil. Há um certo fascínio diante do vencer a qualquer preço.
Entre políticos e alguns jornalistas, há irritação com a chamada bandeira ética. Admitem o comportamento de quem fica no seu canto, e o digerem como uma discreta extravagância, reservada ao defensor do esperanto como linguagem universal ou da volta do latim aos currículos escolares.
A hostilidade volta-se apenas contra quem age, rompendo a tradição nacional do católico não-praticante. Quem se move é um cretino em busca de holofotes, um demagogo jogando para as platéias.
Ecochato no passado, cretino no presente, temos de enfrentar a maré dos que tornam o planeta uma terra arrasada e a democracia um sigiloso bordel.
Não há garantia de que a sustentabilidade e a transparência vencerão no futuro. No caso de derrota, resta-nos agüentar os golpes furiosos e tentar morrer com a dignidade de uma espécie em extinção.

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